De que jogo estou falando? Doom (PC)? Postal (PC)? GTA V (Multi)? Call of Duty (Multi)?
Falem o que quiser, mas ainda acho que Mario Party causa bem mais violência que todos esses jogos juntos. |
“Os efeitos da Ópera dos Vagabundos na mente das pessoas cumpriu os prognósticos de muitos de que que se provariam danosos para a sociedade. Roubos e violência têm aumentado gradualmente desde sua primeira representação. Jovens e aprendizes sentem-se cativados pelos charmes da ociosidade e prazer criminal. Homens de discernimento que têm trabalhado duro em achar a fonte desses males descobriram que muitos dos criminosos condenados nos últimos cinquenta anos estiveram em seus caminhos tentando imitar as ações e caráter de Macheath.”
Sir John Hawkins, em A general history of the science and practice of music, 1789
Maldito teatro, tornando as crianças violentas! |
O novo Rock & Roll
Jogos violentos como Doom e GTA são apenas o último exemplo de uma longa cadeia de preconceitos que já incluiu cinema, televisão, música, quadrinhos e, como o caso acima bem demonstra, até teatro. Historicamente, novas formas de entretenimento sempre enfrentam alguma espécie de resistência dos setores mais conservadores da sociedade à medida que ganham popularidade — principalmente entre jovens e crianças. Em última instância, as novas mídias acabam sendo responsabilizadas, direta ou indiretamente, pelos mais variados tipos de mazelas sociais.Mas os videogames são claramente os responsáveis pela violência! |
Infelizmente, em muitos casos a religião acaba agindo como catalisador deste evento, com discursos alarmistas que são bem apelativos para algumas pessoas. Foi desta forma que, por exemplo, várias bandas de Hard Rock quase foram censuradas nos anos 1980 nos Estados Unidos devido a ação de um grupo, até ser criado um selo que marcasse discos com “conteúdo explícito”.
Histeria ainda maior afetou o mercado de quadrinhos nos anos 1950 após o lançamento do livro Seduction of the Innocent (“Sedução dos Inocentes”, em tradução livre), do psiquiatra Frederic Wertham. Segundo o médico, delinquência juvenil, violência e até mesmo homossexualidade (!) seriam alguns dos efeitos dos quadrinhos nos jovens. A polêmica gerada na época foi suficiente para chamar a atenção do congresso americano e criar uma agência reguladora (e censora) para a indústria, a Comics Code Authority.
E é por isso que não existem mais homossexuais hoje em dia! |
No decorrer da história, há muitos outros casos de novas formas de mídia e entretenimento sofrendo alguma forma de resistência. Nem mesmo a literatura escapa impune: Sócrates, na Grécia Antiga, via a linguagem escrita com hostilidade, advertindo seus discípulos quanto aos efeitos negativos trazidos por ela, engessando ideias, tornando homens preguiçosos e privando as mentes do pensar.
Em pensar que hoje em dia ler muito é sinal de inteligência…“Essa descoberta, na verdade, provocará nas almas o esquecimento de quanto se aprende, devido à falta de exercício da memória, porque, confiados na escrita, recordar-se-ão de fora, graças a sinais estranhos, e não de dentro, espontaneamente, pelos seus próprios sinais.”
Sócrates, no diálogo de Platão Fedro
O que era novo, um dia fica velho
Em todos estes os casos, entretanto, é notável que o preconceito com as novas mídias desapareceu tão logo elas deixaram de ser… novas! Hoje em dia, dificilmente alguém é criticado por gostar de TV ou cinema. Os quadrinhos, antes considerados infantis, tornaram-se parte da cultura popular e são consumidos principalmente por adultos. Já o Rock & Roll deixou de ser considerado apenas “barulho cheio de indecências” há muito tempo — tal alcunha agora recai sobre novos gêneros musicais, como funk, hip-hop e pop modernos. Que dizer, então, do teatro e literatura? Tais formas de entretenimento chegam até mesmo a serem idealizadas hoje em dia e as pessoas que as consomem vistas como intelectuais e cultas.Sócrates teria um ataque. |
“Toda mídia ou indústria nova que cresce rapidamente é criticada. Isso é porque a mídia mais velha e estabelecida estava aí há mais tempo e muitos adultos podem ser bem conservadores. Eles podem não ter uma mente aberta para novas coisas que não existiam quando eles estavam crescendo, e que agora estão substituindo as coisas que eles usavam na infância…”Só espero que eu não acabe inconscientemente entrando nesse ciclo e hostilizando mídias do futuro, falando aos meus filhos e netos como “videogames da minha época sim eram bons, não essas porcarias de realidade virtual”.
Shigeru Miyamoto
Na minha época, jogos tinham botões! |
Revisão: Leonardo Nazereth
Capa: Felipe Araújo