Quando os games ultrapassam os limites das telas

ARGs, bonecos colecionáveis, telas de toque e até hologramas. Cada vez mais, jogar não se limita a uma tela e um controle.

em 20/02/2015
Com uma velocidade impressionante, novas tecnologias não param de surgir. Já estamos acostumados com celulares inteligentes, telas sensíveis ao toque e a utilizar comandos de voz para mudar de canal. Tudo está em constante mudança, então é mais do que compreensível que a maneira de jogar videogame sofra variações de tempos em tempos. Em torno de 40 anos, tivemos a oportunidade de deixar de utilizar apenas controles duros e cheios de fios para controlarmos os personagens da tela com o nosso corpo. Mas como chegamos até aqui tão rapidamente, sem que nos déssemos conta?



Quando era pequeno, ganhei o meu primeiro console: um Super Nintendo. A ideia de sentar na frente da televisão (de 14 polegadas, é importante lembrar) e jogar videogame apertando botões em um controle já parecia natural, sem precisar de qualquer tipo de aprendizado. Não havia nada que me divertisse mais do que passar tardes inteiras em corridas de Mario Kart com os amigos… a não ser que minha mãe nos levasse até um PlayLand. Aos que não sabem do que se trata, nos anos 1980 e 1990, era muito comum ir aos shoppings centers para jogar games em máquinas que pareciam coisas do futuro. Poder utilizar armas, apontando para a tela, isso era revolucionário!
Só para avisar: essa imagem não é de um PlayLand.
O primeiro contato que muitos tiveram com objetos que interagiam com o jogo foi algo semelhante. Em pouco tempo, era possível comprar uma arma para jogar com o Super Nintendo, atirando maçãs ao redor em um jogo chamado Yoshi’s Safari. Nunca cheguei a experimentá-lo por ser algo raro no Brasil e ter um preço muito elevado - lembremos também que, nessa época, videogame era considerado apenas um brinquedo por muitas pessoas.

A arma do Super Nintendo, chamada de Super Scope, não foi a primeira. Houve várias tentativas de trazer elementos de fora aos games, sendo que a maioria trazia péssimas respostas e experiências nada agradáveis. A ideia de mudar o padrão, de tirar o jogador do sofá, não agradava os jogadores mais antigos. Foram precisos mais alguns anos para que isso pudesse começar a mudar.

Temos que pegar
Lançadas em 1996, as primeiras versões de Pokémon foram um grande sucesso. A ideia de trocar monstrinhos exclusivos de uma versão para outra foi, e continua sendo, sensacional. Neste sentido, não apenas tínhamos que jogar em nossos Game Boys, mas também procurar pessoas no mundo real para conseguir aquele Vulpix, ou Growlithe, que tanto queríamos. A série evoluiu bastante e hoje, além de trocar via internet, é preciso estudar formações, habilidades, distribuição de EVs, etc. Quem quer ser o melhor mestre Pokémon tem que estudar muito.

Trazendo o real ao virtual

No final dos anos 1990, comprei o meu PlayStation. Foi nele que vivi grandes aventuras e descobri a grande paixão que tinha pela área. Foi com ele, também, que perdi mais de 10 quilos em um jogo que virou febre na época: Dance Dance Revolution. A ideia era fascinante, pois eu jogaria videogame e faria exercícios ao mesmo tempo! Para isso, era necessário conectar um tipo de tapete ao console, que respondia quando os meus pés pisavam nele. Na mesma época, vários jogos começaram a perceber que poderiam invadir o mundo real.
Em Metal Gear Solid, muitos jogadores se viram surpresos com algumas ações que poderiam ser feitas. Na batalha contra o mítico Psycho Mantis, que previa os movimentos do jogador, era possível retirar o controle da entrada 1 e colocá-lo na entrada 2. Desta maneira, o jogador conseguia se movimentar novamente e acabar com o telepata. Apesar de não ser necessário ter tal atitude, lembro-me de dar risada ao ver o poder que tinha em minhas mãos - do lado de fora da TV, nada que os inimigos fizessem poderiam me atingir!

Com a chegada da geração do PlayStation 2, Xbox e GameCube, o mercado parecia perceber que os jogos invadiriam o nosso espaço. Novamente na série Metal Gear Solid, em sua segunda versão, um dos personagens manda o jogador desligar o console. É neste momento que ele está dizendo, nas entrelinhas, que não há barreiras entre o jogador e o jogo. Com os portáteis isso se tornou mais frequente: no Nintendo DS, jogos como Trace Memory obrigavam o jogador a fechar as telas e abri-las novamente para solucionar enigmas. Aliás, o fato de jogarmos utilizando canetas e soprando a tela nos mostrava o quão imersivas as experiências estavam se tornando.
Além de um ótimo game, Hotel Dusk: Room 215 é outro título que faz bom uso das funcionalidades do DS.
Com o PlayStation 3, o Xbox 360 e principalmente o Wii, o mercado estava completamente mudado. Controles com sensor de movimento e até a ausência deles surgiram, fazendo com que famílias se juntassem em frente à televisão. Just Dance e Dance Central fizeram com que os antigos jogos com tapetes fossem esquecidos. Instrumentos de plástico faziam parte da mobília da sala de estar e já não era mais tão estranho ver as crianças girando um controle para fazer o carro virar. Estava ficando difícil descobrir quais os próximos passos para a interação com os jogos.
Não se esqueça de nós, amiibo!                                                                                  Jogos como Skylanders e Disney Infinity já haviam proposto a interação entre figuras (bonecos) colecionáveis e videogame. A Nintendo, por sua vez, lançou os amiibos em 2014, que rapidamente se tornaram uma febre. Cada boneco não é apenas uma chave para destravar certos conteúdos em diferentes títulos, mas também um brinquedo, que aumenta a relação do jogador com tal personagem e mistura ainda mais as fronteiras do jogar (algo com regras estabelecidas) e do brincar, pautado pela imaginação.

Brincando de detetive

Finalmente, após quase um ano lançado no mercado, pude adquirir o PlayStation 4. A curiosidade para ver todas as funcionalidades do console me consumiu, e já me sentia confortável com todas as coisas que antes pareciam loucura, como falar sozinho ou bater em coisas invisíveis. Com o console, pude experimentar um dos melhores jogos feitos até hoje: P.T..

Lançado como um teaser interativo, P.T. escondia um projeto enorme envolvendo Hideo Kojima, famoso por criar a já citada série Metal Gear Solid. O jogo era uma prévia de Silent Hills, que chegará para a atual geração em breve. Além do espanto com os gráficos, que cada vez mais se tornam frequentes, me vi obrigado a procurar na internet como avançar na narrativa. E não fui o único: a maior parte dos jogadores só terminaram P.T. ao procurarem ajuda.
Também é preciso um tiquinho de coragem para terminar P.T.
Terminar P.T. envolvia muito mais do que apenas explorar o ambiente. Era preciso desvendar mistérios envolvendo números e nomes, que levavam o jogador a um suposto endereço de Kojima. Após muitos passos, era possível descobrir um nome, que deveria ser falado no microfone acoplado ao controle durante um exato momento do jogo. Logo, estamos entrando em um momento onde a comunidade de jogadores começa a se unir para desvendar mistérios, passando muito tempo longe da televisão, mas dentro de seu universo. Cada vez mais estamos vivendo ARGs em massa.

ARG é uma sigla para Alternate Reality Game, ou Jogo de Realidade Alternada. Se popularizando na primeira década de 2000, são jogos que colocam elementos no mundo real, exigindo que o jogador busque nos arredores pistas que o levem a avançar na narrativa. Atualmente, são muito usados em propagandas, oferecendo prêmios reais aos vencedores. A série de jogos Resident Evil já criou uma caça por pedaços de corpos humanos (falsos, obviamente) em diversas cidades, além de colocar carnes em formatos de cadáveres a venda em açougues. Neste exato momento, muitos ARGs podem acontecer ao nosso redor, sem nem ao mesmo sabermos.
A missão especial Paper Trail, de InFamous: Second Son, te faz entrar em websites e mexer em tudo para descobrir novas pistas e soluções.
Tudo começa a ficar ainda mais confuso quando os ARGs invadem os jogos. Em Infamous: Second Son, para PS4, há missões extras que colocam o jogador no papel de um detetive. Dentro do jogo, é preciso coletar fotos e objetos que são transferidos para um website. Lá, é preciso navegar em diversos links e mini-games que revelarão os próximos destinos de dentro do jogo. Mais uma vez, nos vemos não somente controlando um personagem, mas ajudando-o.
Jogar com amigos é mais divertido
Jogos como Dark Souls e Transistor, por exemplo, vêm se valendo de uma diferente forma de narrativa. Com um enredo propositalmente vago, a maneira de recriar os acontecimentos dos dois títulos é através de especulação e principalmente da discussão com a comunidade de jogadores via internet. Cada jogador que descobre algo novo, que propõe uma nova interpretação, rapidamente pode dividir as informações com outros fãs. São exemplos inteligentes de formas de se contar a história do jogo, criando investigações e debates em ambientes exteriores ao software. 

Um futuro sem barreiras

O futuro começa a ficar um pouco mais claro desde os últimos meses. Já há o anúncio de óculos de Realidade Virtual, que literalmente nos colocarão dentro dos jogos, mas há um que parece diferente de todo o restante: o HoloLens da Microsoft. Anunciado no começo de 2015, ele promete trazer hologramas (que, na verdade, é Realidade Aumentada) ao mundo real para os que utilizarem o acessório. Será possível enxergar elementos de jogos no meio do nosso próprio quarto.
Minecraft versão HoloLens!
A partir do momento em que a tecnologia estiver estabelecida, será possível andar pelas ruas e ver coisas que jamais seriam possíveis até então. Durante o Halloween, poderemos enxergar hordas de zumbis do lado de fora. Os ARGs serão tão comuns quanto brincar de “caça ao tesouro”. Cada vez mais, a distinção entre o real e o virtual parece deixar de existir.

Muitos podem achar tudo isso assustador. Já eu, que sempre vivi grudado na tela da televisão, apertando botões em um controle, quero que tudo isso aconteça logo. De que importa alguns reclamarem quando tantas revoluções nas áreas médicas e tecnológicas acontecerem? Seja lá como for, só me deixe ter os meus próprios Pokémon no meio do meu quarto e estarei feliz.
Por enquanto, é assim que o Leandro tem os pokémon no quarto dele.
Revisão: Marcos Silveira
Capa: Felipe Araujo
Colaboração: Pedro Vicente

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