Jogos de luta podem ser considerados e-sports? — Parte 1

Qual o cenário atual dos jogos de luta? Estamos vivenciado a ascensão de um e-sport? O que o futuro promete pra pancadaria virtual?

em 16/02/2015
Se você já visitou algum evento sobre videogames, desde os maiores como a BGS, até os menores de sua cidade (ou mesmo eventos centrados em animes e mangás), deve ter reparado nos campeonatos ou disputas casuais em franquias como Street Fighter, Marvel vs. Capcom ou Super Smash Bros. Pois bem, você tem visto um pouco do cenário competitivo e talvez do surgimento de um “e-sport” no país.


Sabemos que os e-sports, ou Esportes Eletrônicos, começaram a eclodir nos últimos anos (mais precisamente nos anos 2000) com seus times e atletas patrocinados. E é nisso que pensamos quando ouvimos o termo, não é mesmo? Lembramos de Dota 2 e League of Legends, milhões de telespectadores no Twitch, premiações milionárias e... Estádios de futebol lotados também?
Aproximadamente 30 mil pessoas estavam presentes em um estádio de futebol para a final do campeonato mundial de League of Legends
No entanto, se os e-sports soam como um fenômeno recente, a competição nos games sempre esteve lá, é parte fundamental de sua cultura, como sabemos. E aí lembramos inevitavelmente dos jogos de luta como parte desta cultura de competição. Mesmo nas décadas passadas essa cultura estava vivamente lá, em torneios e disputas “amadoras”. Sim, estamos falando de Street Fighter 2, Mortal Kombat, entre outros clássicos.

O que há então para os jogos de luta atuais não serem devidamente lembrados ou classificados como e-sports? Por que eles não desfrutam da popularidade e força deste segmento?
“SF II sedimentou a ideia do jogo competitivo, das eliminatórias, o mata-mata, e foi quase uma bênção para os jogadores saturados de confrontos apenas contra o computador e que aspiravam a combates contra outros humanos que pudessem pôr à prova as suas reais habilidades.” — Eurogamer

A orgulhosa (e teimosa) comunidade dos jogos de luta

Haveria, de certo modo, um distanciamento por parte da fãs da pancadaria em relação a outras comunidades de jogos tidos como “esportes eletrônicos”? A comunidade dos jogos de luta é mais restrita e se recusa a se abrir? Ou simplesmente este gênero não têm a mesma popularidade dos outros? Bem, já houve quem dissesse tudo isso e quem falasse ainda que a comunidade dos games de luta é teimosa (orgulhosa talvez) e prefere não se ater à “etiqueta” de e-sport.

Sabemos que diferenças existem na natureza de cada público para cada jogo, mas isso nunca foi um problema, um fator limitante no mundo dos videogames, afinal, todo gamer sabe que existe público para todos os tipos de jogos. E com o incentivo certo e valorização adequada do cenário competitivo, os jogos de luta (que por natureza são campos de batalha), não teriam tudo para serem valiosos esportes eletrônicos?

Então talvez a pergunta correta fosse: “Haveria um distanciamento da comunidade de jogos de luta em relação ao modelo atual de e-sports?” E neste caso a resposta é (ou tem sido): “sim”.
EVO (tido como o principal torneio de jogos de luta do mundo) bateu recordes de inscrições em 2014, quase 2.000 inscritos somente para Ultra Street Fighter 4

Os jogos de luta correndo por fora dos e-sports populares

Talvez a melhor resposta para tal pergunta tenha sido dada em dezembro de 2011 pelo site Shoryuken. Nele o autor responde que não é por “teimosia” que a comunidade dos jogos de luta não abrace o modelo de e-sports (e assim acabar por conquistar um público maior ao invés de ficar restrita a “pequenos” eventos), mas sim porque as ligas tradicionais de esportes eletrônicos até então insistem em menosprezar (ainda que não se deem conta disso) os jogos de luta, e isso acontece pois os trata como “qualquer outro jogo de videogame”.

Ou seja, os produtores e executivos dos eventos mais famosos de e-sports não levam em conta o longo histórico da comunidade dos games de luta, não souberam ainda criar um evento com os principais jogadores, com a publicidade merecida em sites especializados, dialogando com a comunidade, ouvindo e aprendendo com aquilo que já está estabelecido. O resultado? Os jogos de luta correndo “por fora” dos “e-sports populares”.

Um exemplo a respeito citado no artigo do Shoryuken: Em 2005, a World Cyber Games, um evento internacional de "e-sport" organizado por uma empresa sul-coreana, anunciou que iria incluir um game de luta em seu evento. A comunidade vibrou, ansiosa por “sair das sombras”, afinal, em 2005 o cenário competitivo era muito menor do que é hoje. E qual foi o resultado? Péssimo para ambos os lados.
Na época do "parry do Daigo" (na EVO de 2004) os eventos dos jogos de luta eram bem menores do que são hoje
E o motivo foi novamente a falta de dialogo das ligas responsáveis pelos eventos de e-sport e a comunidade dos jogos de luta. Os produtores simplesmente escolheram Dead or Alive Ultimate como game de luta do evento, um jogo que ninguém levava a sério e que tinha literalmente apenas 1% dos lutadores competitivos da época.

Ascenção da pancadaria como um e-sport

Para que se tenha nos jogos de luta o mesmo cenário competitivo profissional com grandes prêmios, equivalente aos famosos e-sports como LoL, deve-se primeiramente levar em conta esta comunidade. Mas se fora assim até o final de 2011 como está dito no artigo no Shoryuken, talvez de lá para cá a coisa tenha mudado “um pouco”, certo?
Os fighting games, diferentemente dos outros e-sports, não são um fenômeno recente, eles são o que são hoje por seu longo histórico nos arcades, nos torneios amadores, nas jogatinas em pequenos eventos realizados pelos fãs (como ainda é a maioria dos eventos no Brasil atualmente)
Neste sentido é que falamos de um erguimento deste gênero de jogo como um e-sport, isto é, uma aproximação dos modelos mais famosos de e-sports. E isto significa na prática uma grande popularidade (os jogos de luta têm a fama de serem muito fechados e muito difíceis de aprender), grandes premiações e, o mais importante, sem sacrificar o que a comunidade é e construiu até aqui.

Assim, ano a ano, temos visto o crescimento e inclusão dos fighting games nos mais diferentes eventos sobre jogos, e esportes eletrônicos, temos visto também constantes anúncios de novos jogos já desenvolvidos e pensados com apoio a este cenário competitivo.
A Capcom anunciou que em 2015 o Capcom Cup, campeonato que se propõe a reunir os 16 melhores jogadores do ano de Street Fighter para batalhar pelo título de melhor do mundo, terá premiação de 500 mil dólares

O cenário brasileiro

No Brasil, “a cena”, como chamamos por aqui, conta com inúmeros campeonatos o ano todo, que incluem participações dos grandes lutadores internacionais (e que também valem pontos para o Capcom Cup), premiações em dinheiro em torneios semanais online como o Monday Night Champs e times ou ligas de lutadores que se unem para treinarem e batalharem, ou ainda para patrocinarem seus atletas

Se você acompanha este cenário nacional conhece certamente nomes como ChuChu ou Keoma, dois dos principais lutadores da cena brasileira de Street Fighter:
O ChuChu (Eric Moreira) foi o único brasileiro a participar do Capcom Cup, sendo também campeão do BGS 2014. É um dos poucos jogadores patrocinados do País
Keoma e ChuChu são exemplos de como a própria comunidade trabalha por sua expansão e popularização, além é claro, de tentar elevar o nível dos jogadores brasileiros.

Atualmente, depois de um 2014 movimentado (dando entrevistas até para a TV aberta), ChuChu vem produzindo semanalmente vídeos (no estilo tutorial) de como se aprender e dominar a arte da luta em Street Fighter4, além de constantes dicas e publicidades que faz dos eventos do cenário nacional em sua página no Facebook.
Keoma foi Campeão do Cacomp 2014, maior evento de Brasília e região, onde compareceram os melhores lutadores do país, além de figuras internacionais. Keoma é referência óbvia quando o assunto é competição em Street Fighter 4
Já Keoma escreve regularmente em seu blog, onde posta estratégias passo a passo, rotinas de treinos, análises do cenário brasileiro de Street Fighter e muito mais. Conversei um pouco com eles e também com outra grande figura do cenário nacional quando o assunto é jogos de luta, alguém que talvez você até já conheça pela TV...

Mas esse papo fica para a próxima parte desta discussão, onde trataremos um pouco mais do cenário nacional na visão de nossos atletas e o que esperar do futuro da pancadaria virtual. Não deixe de conferir!


Revisão: Vitor Tibério
Capa: Felipe Araujo

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