Discussão: Qual o futuro do Nexus Player?

Novo aparelho da Google permite que os jogos desenvolvidos para Android sejam jogados na TV com um gamepad. Mas será que ele pode ameaçar os consoles tradicionais?

em 27/10/2014
Recentemente, a Google anunciou um novo aparelho com Android, co-desenvolvido com a Asus: o Nexus Player. Feito para ser usado junto à sua TV, dentre suas especificações o que mais chama a atenção é a presença de um controle para jogos. A Google não esconde suas intenções ao chamá-lo de “um gamepad preciso para jogos sérios”.

É tipo um DualShock com design do controle do X360.

Alguns cantos da internet logo entraram em alvoroço. A Google estava finalmente entrando no mercado de consoles e teria um grande impacto, assim como a Microsoft fez em 2001 com o Xbox. Mas será que as outras empresas realmente devem temer o novo aparelho? E qual será sua significância para a indústria de jogos?

Muita calma nessa hora

O Nexus Player possui algumas características típicas de consoles tradicionais: é feito para se usar na sala de estar, junto à sua TV; tem um controle tradicional; as principais softhouses já conhecem o sistema e o hardware é interessante — nenhum PlayStation 4 ou Xbox One, mas relativamente poderoso em comparação a outros aparelhos com Android. Mas é preciso deixar algo bem claro: o Nexus Player não é um console. Ele sequer é vendido como um. A própria Google o define como um “dispositivo de jogos Android, o primeiro de seu tipo”.

PS4, XBO e Wii U só serão ameaçados de fato pelo Nexus Player se pessoas pararem de comprar esses consoles em detrimento ao novo dispositivo da Google. Ele não poderá ser considerado um concorrente direto se não atrair o mesmo público-alvo — talvez nem indireto. Algo similar ocorreu com o Nintendo Wii na geração passada. Apesar de ser considerado um console tradicional, ele atraiu um público-alvo muito diferente daquele encontrado no PS3 e X360, os chamados “casuais”. Mesmo vendendo mais que seus concorrentes, no final das contas ninguém fala que a Nintendo “venceu” a sétima geração de consoles. Todos os videogames fizeram bastante sucesso, atraindo diferentes perfis de consumidores.
O verdadeiro vencedor da sétima geração fomos nós, gamers.

Apesar de poder rodar jogos e ter equipamento específico para isso, essa não é a principal tarefa do Nexus Player. Na verdade, ela acaba ficando em segundo plano, com o gamepad sendo vendido separadamente. Este aparelho busca um público-alvo muito similar àquele encontrado em smartphones e tablets, vendendo-se como um dispositivo multimídia capaz de atender vários tipos de usuário — bem diferente do tipo de consumidor que costuma comprar consoles tradicionais.
Perceba que não tem nenhum jogo aí
(a não ser que você considere o cubo mágico no canto).

Um controle não muda tudo

Mas mesmo que o aparelho não ameace os Microsoft, Nintendo e Sony, ele certamente mudaria a cara dos jogos para Android, não é? Afinal, estamos falando de uma máquina mais poderosa, com controle próprio para jogos mais tradicionais. As plataformas mobile já estavam recebendo ports de grandes games de consoles, tais como GTA San Andreas e BioShock. Agora, com um hardware melhor, as softhouses teriam mais incentivos para trazer grandes clássicos e criar jogos com game design mais tradicional… certo?

Errado. A existência de um controle específico para jogos garante que os títulos do sistema suportem ele. Ponto. Ele não vai mudar a natureza desses jogos, mesmo que o equipamento dê aos desenvolvedores mais liberdade.

São os usuários do sistema quem definirão os tipos de jogos que veremos nele. A forma como eles consomem moldará os títulos lançados.

Usuários de smartphones e tablets (o público mais próximo daquele que o Nexus Player tenta conquistar) não são necessariamente gamers. São pessoas que gostam de consumir entretenimento (incluindo ou não jogos), usam bastante as redes sociais e que não estão necessariamente dispostas a pagar para consumir — mesmo que estejam dispostas a comprar um aparelho relativamente caro. Não é à toa que jogos mobile, em sua maioria, são de partidas curtas, têm integração com redes sociais e muitas vezes são distribuídos gratuitamente de alguma forma (o famoso free-to-play). Eles se ajustam ao perfil do consumidor.
O sucesso de jogos como Angry Birds em
plataformas mobile não é mera coincidência.
Não há nada de errado com jogos desse tipo — aliás, creio que há muitas lições importantes de game design e mercado a serem aprendidas com gemas como Angry Birds e Candy Crush. E, obviamente, há exceções que fogem desse padrão, como Infinity Blade e Shadowrun Returns, mas perceba a palavra usada: são exceções. O Nexus Player pode abrir caminho para mais “exceções”? Com certeza. Mas torná-la uma regra, aí já é um salto gigantesco.

Isso independe do êxito econômico do aparelho. Mesmo que ele venda muito mais unidades que os consoles atuais, não veremos automaticamente grandes franquias e ports de jogos AAA para o sistema. Se esse fosse o caso, veríamos os principais lançamentos da EA e Ubisoft no iPad, que tem mais de 200 milhões de unidades vendidas ao redor do mundo — muito mais do que qualquer console na história dos videogames. O perfil do consumidor é o fator determinante.

Não tão novo assim

Outra coisa que é preciso deixar clara: o Nexus Player não é exatamente novidade no mercado. Apple e Amazon, os principais concorrentes da Google, já lançaram aparelhos similares, chamados de set-top-boxes. Inclusive, o da Amazon (intitulado Amazon Fire TV) também possui um controle específico para jogos e usa um sistema baseado no Android.
O Amazon Fire TV, com seu controle proprietário.

É aqui que vemos a real diferença que o Nexus Player pode fazer. Assim como o Android popularizou os smartphones, o Nexus Player e o Android TV podem popularizar os set-top-boxes. Lembre-se que o sistema é aberto e pode ser usado por outras empresas — a Samsung, que já usa o Android em seus celulares e fez enorme sucesso mundial, pode usar o sistema em suas televisões mais modernas, por exemplo.

Que efeito isso teria no mundo dos jogos? Simples: um novo mercado pode acabar sendo criado. Não é algo tão difícil de imaginar. Há alguns anos atrás, ninguém pensava em um “mercado de jogos mobile”. Da mesma forma, dependendo do sucesso e penetração do Nexus Player e aparelhos com Android TV, podemos ter um “mercado de jogos para smart TVs” no futuro.

Fica ainda mais fácil de conceber tal cenário ao se constatar que muita gente ainda não joga videogames. A indústria ainda tem muito espaço para crescer, com muitos nichos de consumidores ainda inalcançáveis.

Por outro lado, praticamente todo mundo assiste à TV. Se a Google mudar o modo como assistimos à televisão, tornando os set-top-boxes e smart TVs tão comuns quanto os smartphones e tablets são hoje em dia, pode acabar criando um público distinto daquele encontrado nos consoles, portáteis e plataformas mobile, com perfil e gostos específicos.

Votem com suas carteiras

Também há outra possibilidade: o Nexus Player pode fracassar. Apesar de a Google ser extremamente poderosa, ela não é infalível — Google Wave e Google Plus que o digam. No final das contas, tudo depende de nós, consumidores. Somos nós que decidiremos o futuro do Nexus Player, e o impacto que ele terá — ou não — no mercado de jogos.
A Google sabe muito bem o que é fracassar.


Revisão: Leonardo Nazareth
Capa: Felipe Araújo

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