A forma como essas duas mecânicas se integram é bem interessante. O objetivo geral é seguir em frente. Entretanto, o ambiente é rodeado de armadilhas, abismos sem fundos, plataformas flutuantes e outros tipos de engrenagem. Esses obstáculos estão obscurecidos por densas trevas, sendo essencial o uso da lanterna para iluminar o caminho e saber para onde saltar.
Mas, como dito anteriormente, a lanterna possui função dupla. Além de revelar o percurso, ela é a única arma capaz de combater os inimigos, escondidos na escuridão. Estes fantasmas amorfos de variados tamanhos surgem pelas laterais ou por detrás do personagem, em direções opostas ao objetivo, obrigando o jogador a desviar o feixe de luz das plataformas e armadilhas e se focar nos oponentes.
Assim, como num survival horror padrão, ir rápido demais resulta em morte certa. É preciso planejar o caminho, ficar atento aos derredores e agir rapidamente caso surja algum monstro para só então seguir em frente. É uma maneira interessante (e efetiva) de dar a sensação e ritmo típicos de jogos de terror a um game de plataforma.
Cimentando ainda mais a integração dos dois gêneros, temos a atmosfera. O “terror” do jogo não é do tipo de causar sustos ou perturbar o jogador com pesadelos noturnos. O terror aqui é alegórico, servindo de tema para os ambientes e fases. Cada seção do jogo gira em torno de um sentimento sombrio, representado visualmente no level design. Dor, por exemplo, é representada por espinhos e armadilhas; medo, pela densa escuridão.
A representação visual dessas emoções é fantástica. O jogo de luz e sombra, parte central da jogabilidade, traduz-se numa direção de arte que aumenta a sensação de mistério e depressão. Os gráficos não são tecnicamente avançados, mas se integram perfeitamente às temáticas usados no título. Já a trilha sonora tem repertório pequeno, mas igualmente condizente com o jogo.
O resultado final é um jogo de plataforma com grande atmosfera, em alguns momentos reminiscente do clássico indie Limbo (Multi), e mecânicas e level design muito bem integrados. É um conceito muito forte… Mas há alguns problemas na execução.
Pain
O problema mais grave está nos controles e movimentação. São coisas à primeira vista pequenas: o feixe de luz possui alguns pontos cegos; o salto não tem inércia, parando de repente caso não se mantenha pressionado algum botão de direção; o personagem pode ficar travado em algumas paredes; dentre outras coisas. Entretanto, esses empecilhos se acumulam, tornando a jogabilidade bem estressante — principalmente em seções que exigem o máximo de precisão.Outro elemento falho no jogo é o feedback audiovisual. É difícil saber quanto dano o protagonista levou, ou quanto foi causado nos inimigos, já que não há barras de vida em lugar algum. Isso pode levar o jogador a subestimar alguns fantasmas, pensando já estarem mortos — e como alguns são bem rápidos, precisam apenas que se desvie a lanterna deles por alguns segundos para que alcancem o protagonista.
A preocupação dos desenvolvedores em eliminar qualquer tipo de poluição visual na forma de interface do usuário é louvável, mas há formas de comunicar esse tipo de informação sem quebrar a atmosfera. Os monstros poderiam diminuir de tamanho à medida que recebem dano, por exemplo, ou o protagonista ficar ofegante caso esteja à beira da morte.
Há, por fim, a questão do escopo. O potencial do conceito não foi totalmente explorado e certamente há outros sentimentos que podem servir de tema para os níveis além da dor e medo — a demo até conta com um terceiro estágio, inspirado na depressão, mas é deixado bem claro que não passa de uma mistura do que foi visto anteriormente.
Explicitamente claro. |
Hope
Apesar de tudo, considerando que isso é apenas um pré-alfa, é possível ter bastantes esperanças quanto ao produto final — principalmente caso se leve em conta o quanto o jogo evoluiu desde sua primeira aparição como protótipo no Global Game Jam 2014. O conceito é excelente e os desenvolvedores demonstram ter uma boa visão de game design e direção de arte, basta apenas que atentem para alguns detalhes, principalmente os controles.Vale a pena acompanhar o desenvolvimento deste título. Inclusive, é possível adquirir acesso antecipado a ele gratuitamente, cadastrando-se na Splitplay.
Revisão: Vitor Tibério
Capa: Felipe Araújo
Capa: Felipe Araújo