"1ª Lei: Um robô não pode ferir um ser humano ou, por inação, permitir que um ser humano sofra algum mal.
2ª Lei: Um robô deve obedecer às ordens que lhe sejam dadas por seres humanos exceto nos casos em que tais ordens entrem em conflito com a Primeira Lei.
3ª Lei: Um robô deve proteger sua própria existência desde que tal proteção não entre em conflito com a Primeira ou Segunda Leis."
A.R.I.D., um sistema computadorizado no controle de uma roupa espacial, joga estas regras janela abaixo em The Fall para proteger seu usuário. E os resultados são tão inesperados e emocionantes quanto qualquer obra do escritor estadunidense.
Você, Robô
Pouco é contado ao jogador sobre onde estamos e para onde vamos. Há a leve impressão que estamos em um futuro distante, com máquinas e homens dominando o espaço e colonizando planetas a torto e direito. A aventura começa com uma pessoa sendo arremessada sabe-se-lá-de-onde dos céus, direto para dentro de uma caverna em um planeta hostil.A falta de informações só dá mais sabor na deliciosa sopa que o jogo então nos prende pelas próximas horas. Horas que, apesar de serem poucas, podem se estender devido aos difíceis quebra-cabeças a se resolver. O ambiente é de um platformer 2D, mas todos os detalhes quebram a terceira dimensão e se misturam ao mundo nebuloso e horripilante onde A.R.I.D. e seu protegido desabaram.
O humano, por sinal, só é um protagonista ausente durante toda a narrativa. Inconsciente desde o começo da partida, ele depende apenas da inteligência artificial de sua roupa para se safar. E tudo conspira contra a nossa sorte: muitas funções estão omissas, avariadas ou precisam de uma autorização especial para serem desbloqueadas, e durante o gameplay as três regras asimovianas (que aparecem parcialmente nas diretrizes do sistema operacional do robô) começam a ir — e peço perdão pelo trocadilho — "para o espaço".
As diretivas estão inertes no sistema operacional de A.R.I.D., mas uma exceção à regra é usada e abusada pelo sistema para que o robô comece a se libertar das correntes criadas pelo homem. Quando o humano é colocado em risco, alguns parâmetros podem ser "esquecidos" ou burlados para que ele seja salvo, e então temos a anarquia que Asimov tanto previu.
50 Tons de Escuridão
Na maior parte do jogo, somos cercados pela penumbra. A beleza do título está justamente na ausência de luz e no jogo de sombras que A.R.I.D. percorre dentro do complexo abandonado e cercado por criaturas alienígenas hostis. Soma isso ao ambiente decadente de uma cidade/fábrica abandonada e infestada por pessoas feitas de madeira, e você terá mais ou menos a noção do horror.Não ouso dizer que estamos falando de um Dead Space em 2D, mas consigo notar algumas saudações à franquia criada pela EA. Os sustos estão longe de ser tão macabros, mas confesso que tremi algumas vezes ao iluminar uma lesma que não estava lá da última vez que passei por um corredor.
O ambiente de pouca luz dá bastante munição à imaginação, e será normal perder alguns minutos em um mesmo ponto só para se certificar que não há nenhum perigo se aproximando. O jogo pode se prolongar de forma negativa para aqueles com problemas nos ajustes de brilho e contraste de seus monitores, já que a escuridão, em certos pontos, chega ao ponto de forçar demais a barra.
Tudo em Um
The Fall oferece diversas propostas de gameplay numa mesma aventura, e aquele preconceito natural de que "muitos estilos em um mesmo jogo geralmente dão errado" é esquecido logo nos primeiros minutos. O point and click surge em alguns itens espalhados pelo chão e outros detalhes que valem a pena ser checados, ou interagidos. Um jogador mais desatento poderá ficar horas tentando passar por uma parte, justamente por não conseguir encontrar a pequena lente de aumento que indica uma interação.O shooter ao estilo platformer é simples e prático, mas a IA dos inimigos não é das melhores, deixando o tiroteio entediante e repetitivo depois dos primeiros encontros. O verdadeiro desafio está em se infiltrar no meio de alguns robôs inimigos e matá-los na surdina, o que também recupera as baterias da armadura.
Por fim, as nuances de RPG acontecem durante as falas entre os personagens, que por sinal foram muito bem dublados. As descobertas que vão sendo feitas enquanto se explora o setor ficam cada vez mais bizarras na medida que se avança na história.
O horror, em três atos
Apesar da ótima qualidade do jogo, alguns pontos me incomodaram. Em um determinado momento do gameplay, fiquei rodando por quase uma hora sem saber o que fazer. Após fazer um pente fino por todos os lugares que já havia passado e procurando por alguma pista que me ajudasse a passar pelo perrengue, finalmente desisti e apelei para a internet. A solução do puzzle foi tão absurda quanto impensável, mas isso pode não ser ruim para quem quer um desafio de verdade em seus jogos.Outro problema encontrado foram os bugs. Em alguns pontos, depois de A.R.I.D. subir em uma escada ou pular de uma plataforma, o personagem era deslocado para outra parte do mapa, ou então começava a se mover sozinho, obrigando a reiniciar o jogo pelo último checkpoint, o que foi frustrante.
Mas apesar disso The Fall não é somente um ótimo jogo, mas também um ótimo exemplo de indie. Iniciado como um projeto no Kickstarter e com um humilde investimento de 38 mil dólares (o dobro do que foi proposto pelo desenvolvedor), hoje ele está disponível para PC/Mac e Wii U. Com o que foi conquistado, tudo indica que o criador de The Fall poderá continuar trabalhando nos próximos episódios da trilogia sem se preocupar muito com o sucesso. Ele está garantido.
Prós
- Ótima narrativa e ambientação;- Puzzles desafiadores e curva de aprendizado bem linear;
- Gráficos sombrios, que condizem com a história.
Contras
- Alguns puzzles extrapolam o bom senso, prolongando o gameplay;- Bugs podem frustrar a experiência, mas são raros;
- Gameplay curto, mesmo para um único episódio.
The Fall — PC — Nota: 8,5
Revisão: Vitor Tibério
Capa: Stefano Genachi