Branding não é uma mecânica de jogo
Eu gosto de Coca-Cola. Eu devo beber dois ou três litros diariamente (nota do revisor: olha o problema nos rins cara, sai com essa vida!). Nas oportunidades que tive de experimentar Coca-Cola no solo norte-americano, percebi claramente uma diferença no sabor. Ei, se tem algo que eu conheço o sabor é Coca-Cola! No Brasil, por causa da cana de açúcar, eu prefiro Coca-Cola em vez de sua rival declarada Pepsi. Nos Estados Unidos eu prefiro Pepsi do que Coca-Cola. Muitos de meus amigos estrangeiros tem um gosto similar, optando pela Pepsi em vez de Coca-Cola, mas quando visitam o Brasil não perdem uma oportunidade de ter uma Coca-Cola na mesa. Ainda assim, Coca-Cola é muito popular por lá. Pensando sobre isso cheguei na conclusão de que grande responsabilidade dessa popularidade é resultado de uma boa campanha de marketing ou branding.Em resumo simples, branding é gestão de marca. Imagens, símbolos, nomes, slogans e identidade visual que representam aquele produto. Você não precisa estar falando sobre aquele produto para lembrar dele. Uma marca bem trabalhada resulta na confiança de qualidade. Quando Apple lançar um novo iPhone, poucos terão duvidas de que será um bom smartphone (desconsiderando os haters que odeiam tudo o que é famoso). Na hora do almoço de família, Coca-Cola passa a confiança de que será mais saborosa do que nosso querido Dolly Cola (esse também é bom, sério). Quando você planeja comer no McDonald's com seus amigos, você não tem apenas uma noção do preço, mas também da qualidade do alimento e atendimento, é sabido que será uma experiência diferente daquela barraquinha na Rua Santa Ifigênia. Recentemente, Hayao Miyazaki anunciou seu afastamento e o estúdio Ghibli, logo, informou que não produzirá mais filmes, apenas cuidará do licenciamento de suas animações e assuntos similares, e isso não foi surpresa para ninguém, pois para muitos o estúdio se resume no nome de Miyazaki e todo seu trabalho nas produções da empresa.
McDonald's, Coca-Cola, Ghibli, Apple, são nomes grandes em mercados bem diferentes. Estamos falando de um restaurante, uma bebida, um estúdio de animação e uma empresa de tecnologia. Mas vocês já podem perceber como esses nomes trazem uma carga muito pesada consigo. Há uma expectativa sobre qualidade (ou falta disso) quando falamos sobre esses nomes. São rótulos com definições bem precisas em nossos conceitos.
Nossos jogos não são exceção
Semanas atrás, o nosso ícone da industria de jogos, Shigeru Miyamoto, falou sobre a Nintendo ser um gênero. Eu recebo essa declaração de coração aberto ao lembrar na minha expectativa ao adquirir alguns títulos em consoles da empresa. Não espero uma poluição visual, não espero um marketing agressivo sobre DLCs ou microtransações (apesar da empresa estar explorando esse mercado atualmente), eu espero trilha sonora e identidade visual agradáveis em seus títulos. Apesar de ter um 3DS, eu acabo desfrutando os títulos do portátil em meu apartamento, algumas vezes até com fones de ouvido. São jogos que gosto de experimentar ao máximo e aproveitar cada faixa da trilha sonora, cada detalhe no cenário. Não que Nintendo seja a única capaz de fazer isso, mas é uma experiência agradável que espero da maioria dos títulos publicados em seus consoles. Isso é Nintendo pra mim, esse nome carrega esse peso, essa informação, essa experiência.Transistor, novo título do estúdio Supergiant Games, também me trouxe essa expectativa por causa da experiência que tive ao jogar Bastion. Child of Light da mesma forma acarretou essa expectativa antes de jogar por já ter visto do que a engine UbiArt era capaz em Rayman. Em um exemplo mais distante, HearthStone me surpreendeu, pois eu não tenho afinidade com o universo da Blizzard e me vi conquistado pelo jogo ao ponto de sempre jogá-lo ouvindo sua música e efeitos sonoros como faço nos jogos de 3DS. Eu não sou fã de Call of Duty ou FIFA, mas estou ciente de que essas franquias carregam o mesmo peso para seu público. Quando um novo Call of Duty é anunciado, os entusiastas da franquia esperam um padrão de qualidade na experiência que será proporcionada ao decorrer das horas que se aventura pelo jogo.
Os jogos indies carregam essa mesma ideia: quando um jogo se intitula como indie, ele automaticamente conquista um público que busca por jogos com esse rótulo. Há sim muitos que buscam esses jogos apenas para parecem mais intelectuais ou cultos, algo como "eu não jogo o que está no mainstream, eu jogo jogos independentes". Não que isso os torne de fato intelectuais, mas eles querem passar essa imagem (e acabam passando para algumas pessoas mais bobas). Uma situação que me chamou atenção recentemente é como Gone Home, um jogo de aproximadamente três horas e com qualidade visual de meados de 2006, é extremamente popular por ser indie. Não é um jogo ruim, não me entendam errado. Mas se há pessoas reclamando por jogos com seis horas, por que não reclamam (tanto) de um jogo com três horas? E se reclamam tanto por alguns jogos não estarem com a qualidade visual da geração atual, por que não reclamam (tanto) de um jogo que é tão inferior se comparado aos primeiros jogos do PlayStation 3 e Xbox 360? Mas bem, ele é "indie" e isso já o torna imune a diversas críticas que tomam como alvo jogos de empresas grandes.
Deveria ser assim?
Naughty Dog nos passa segurança pela experiência que tivemos com The Last of Us. Valve nos passa segurança pela experiência que tivemos com Portal. Claro, essas empresas têm outros jogos, mas eu gosto especialmente desses dois. Minha preocupação é: quando a Valve ou a Naughty Dog lançarem um jogo inquestionavelmente ruim, estaria eu apto a reconhecer isso? Ou será que me deixaria levar por toda carga emocional (sim, emocional) da experiência que tive nos títulos anteriores? Eu não sei se vocês confiam tanto em seu senso crítico, mas tenho medo de me iludir nessa situação. Tenho medo de avaliar como de boa qualidade algo que em outra situação eu avaliaria com má qualidade, apesar da experiência prévia com aquele nome. Assassin's Creed eu não gostei do terceiro capítulo da franquia e não me dei ao trabalho de jogar o quarto capítulo, Black Flag, por conta disso. Tornou-se, em minha opinião, uma franquia que prefere quantidade do que qualidade.Nossa querida Nintendo frequentemente nos "engana" (posso chamar de enganar?). Quando ela quer testar uma nova tecnologia ou mecânica, ela usa alguma de suas poderosas franquias para isso. Em um exemplo recentemente que podemos citar é o amiibo que usará o tão aguardado Smash Bros para chegar ao mercado. Será que receberia tanta atenção se fosse em uma franquia nova ou menos popular? Pessoalmente eu acredito que não. E é aqui que entra minha dúvida sobre enganar: será isso uma ilusão mesmo? Não sei se é a palavra certa, pois ela não está falhando em sua proposta. Ou ao menos eu gostei daquele "tetris com máscara de Pokémon" (Pokémon Puzzle Challenge, GBC).
É verdade que muitas vezes as empresas usam rótulos e nomes que já possuem uma garantia de qualidade para testar suas novas ideias, mas não vejo isso como algo negativo se for uma boa proposta e bem executada (eu quero amiibo!). Ao mesmo tempo, acabamos por superestimar ideias conceitualmente fracas apenas por estarem vestidas com o nome daquela empresa ou franquia que confiamos tanto e desligamos nosso senso critico.
Revisão: Leonardo Nazareth
Capa: Felipe Araujo