Representações e discursos sobre a cidade
O estudo e pesquisa sobre cidades é muito vasto na comunidade acadêmica nacional e internacional. Existem linhas de enfoque no tema em diferentes áreas do saber; arquitetura e urbanismo, geografia, antropologia, sociologia, história, etc. Não é incomum encontrar estudos que se utilizem de mídias e de produtos artísticos para pensar e pesquisar as cidades. É claro que a mais consagrada e utilizada é a literatura, mas também aparece o uso de obras cinematográficas e, mais recentemente e de maneira ainda tímida, de jogos eletrônicos.A famosa Space Needle de Seattle, é criada tendo em vista ser um desafio para os poderes de Delsin. |
Michael só apreciando a vista antes de organizar algum golpe |
Eu disse no começo que, ao jogar GTA IV, o jogador iria se familiarizar com dois pontos de vista sobre a cidade de Nova Iorque, e essa ideia vai ao encontro da questão do discurso. Quando se joga Sleeping Dogs, não entramos em contato com o que Hong Kong é, mas com o que a cidade chinesa é para aqueles que desenvolveram o jogo, ou melhor, o que ela é para os desenvolvedores mediada pela intenção deles ao produzir o game. E, tampouco o jogador encontra apenas uma ilusão sem laços com a realidade. Ele encontra um ambiente virtual carregado de discursos e de pontos de vista acerca da Hong Kong real. E o mais legal é que o próprio gamer não fica passivo. Ele mobiliza toda sua gama cultural de informações, noções e pré-noções para formar seu próprio posicionamento sobre aquela cidade ali representada.
Hong Kong, depois de jogar Sleeping Dogs se tornou, definitivamente, um lugar que quero conhecer |
Abaixo, um vídeo interessante que compara alguns pontos da cidade de Los Santos em GTA: San Andreas e GTA V. É muito legal pensar a forma que as localidades são criadas, não se prendendo apenas na questão técnica, mas pensando como, em gerações e momentos diferentes, a Rockstar pensou e desenvolveu sua LA.
Cidades imaginadas
Para além das opções artísticas e de programação que possam ter, os desenvolvedores representam as cidades a partir de, pelo menos, duas premissas inescapáveis; a primeira de que o game é uma mercadoria, um produto da indústria cultural que almeja trazer um retorno financeiro vantajoso para a produtora, investidores, etc. A segunda é que a cidade não é uma mera ambientação, mas representa todo o level design do jogo (o que é bem palpável em jogos de mundo-aberto/sandbox). Esses dois pontos são exatamente aquela mediação relativa aos desenvolvedores que apontei acima.Essa representação está um pouco mais próxima de nós aqui no Brasil. E talvez por isso seja mais fácil pra gente ver as incongruências. |
A equipe desenvolve seu conceito para representar a cidade, e esse conceito é permeado a todo momento pelas duas premissas apontadas. Existe uma tenção posta entre a liberdade criativa da equipe e a pressão pela viabilidade comercial do título, que pode ser maior ou menor dependendo do gabarito do time de desenvolvimento, da própria desenvolvedora e produtora, etc. E esse aspecto também é importante de se levar em conta quando pensamos a representação urbana no jogos, aqueles discursos sobre a cidade que coloquei anteriormente.
Pensando em termos de level design a coisa fica um pouco mais clara. Se em InFamous: Second Son as principais mecânicas do jogo são relativas aos super-poderes de Delsin, o design de Seattle tem que levar em conta essa especificidade para que o jogo seja bom e divertido. A forma como a cidade é representada é cortada pela forma pela qual o level é pensado em termos de jogabilidade. Ou seja, Seattle, nesse caso, tem que ser milimetricamente pensada para a utilização dos poderes do protagonista. Em Watch_Dogs, por exemplo, Chicago é construída (ou deveria ser) tendo em vista as habilidades de hackeamento do Jonas Marra americano, Aiden Pearce. E Los Santos (Los Angeles) foi arquitetada para que todas as possibilidades e mecânicas do jogo sejam utilizadas de maneira fluída e divertida para os jogadores.
Acima o famoso cruzamento de Shibuya em The World Ends With You (DS) e aqui ele em Tokyo. |
Viver na cidade, sem ficar contrariado
Tentei levantar aqui nesse breve exercício de reflexão mais uma questão interessante para nós jogadores. Afinal, muitos de nós passamos um tempo, mesmo que virtualmente, nessas cidades, e elas se tornam, de certa forma, nossa cidade também. Chegamos em um ponto, as vezes, em que nem precisamos mais de marcação no mapa para nos deslocar (sinônimo de vício?) em um jogo que dedicamos algumas horas de nossa vida. É muito interessante pensar de que maneira os jogos nos propõem a representação de cidades. Como se dá a construção dos bairros, da circulação de veículos e fluxo de pessoas? Como são representados os grupos sociais e de que forma ocupam o espaço? Quais pontos turísticos são recriados? Como um determinado bairro é condensado para o mapa do jogo? De que forma o game nos apresenta sua mecânica e como o design da cidade influi na forma com que jogamos? Todos essas questões podem indicar mais motivos para nos apaixonarmos cada vez mais pelos jogos, pelo menos para mim.
Andei tanto em Kamurocho (Série Yakuza - PS2, PS3, PS4, WiiU) que me sinto em casa aqui! |
Quais cidades você mais gostou de vivenciar nos jogos? Que lugar você acha que daria uma boa localidade para um jogo? Comente.
Revisão: Luigi Santana
Capa: Vitor Nascimento