Basta navegar por alguns minutos na internet para perceber que já se foram os dias em que jogar videogame e se divertir eram as grandes prioridades dos apreciadores de jogos eletrônicos. Nem mesmo nós, aqui do Blast, estamos imunes a isso! Aposto que se você der uma olhada nas matérias mais lidas do site na barrinha aqui ao lado, vai encontrar ao menos um texto sobre as últimas vendas de consoles e jogos.
É fácil reclamar do Pachter. Difícil é assumir que você também faz previsões sobre o mercado diariamente. E ninguém te paga por isso. |
Mas por que gostamos tanto de falar sobre números? Será mesmo que eles fazem tanta diferença assim no nosso dia-a-dia? O que muda na sua vida se a Nintendo vender menos ou mais que suas concorrentes? Não deveríamos estar mais preocupados em jogar do que em debater sobre as tendências do mercado? Será que vale mesmo a pena discutir sobre o destino do Wii U?
Gamer ou economista?
Jogo videogames desde 1988, quando meus pais me deram um Phantom System (a versão brazuca do Nintendinho, produzida pela Gradiente), então tive a sorte de acompanhar boa parte da história do entretenimento eletrônico. Minha maior alegria, além de jogar depois das aulas do colégio, era chegar às bancas e livrarias e poder comprar aquelas lindas revistas dedicadas ao meu hobby favorito. Ação Games, Super Game Power, Nintendo World, EGM e Gamers me deram tantas boas memórias que nem tenho como agradecê-las o suficiente por essas lembranças fantásticas!Quando "gráficos irados" e "detonados" eram mais importantes que o desempenho financeiro das empresas. |
Mas se naquela época as notícias mais procuradas das publicações tratavam sobre jogos que estavam em produção, o novo projeto de um promissor estúdio ou a apresentação de um novo personagem fantástico e cheio de potencial, hoje entramos em uma perigosa zona na qual os números e os negócios estão falando tão ou mais alto que a diversão e a arte. Saudosismo à parte, parece que perdemos alguma coisa bem importante no meio do caminho.
O pequeno Thomas da década de 1980 teria vergonha de saber que hoje presto mais atenção às vendas e especulações sobre as finanças da Nintendo do que no último trailer de Bayonetta 2 ou na linda capa de Mario Kart 8. Por que diabos discutir sobre o sucesso ou o fracasso do Wii U acaba sendo um assunto mais importante do que curtir as centenas de games do console? Quando foi que me tornei um pseudo-economista?
Isso não é BEM mais legal que falar de vendas de consoles? |
O jogo dos números
Aqui está o único número que você precisa saber sobre as vendas do Wii U: polêmica vende cliques. Muitos cliques. E é isso que sustenta qualquer site na internet. Quando você entra em um grande portal, se irrita com uma matéria sensacionalista e posta um comentário indignado que será respondido por outros fãs igualmente irritados, você está gerando tráfego. Aquelas propagandas no canto da tela não vão se clicar sozinhas, sabe? Então é do total interesse de qualquer portal que se preze vender sensacionalismo para você.Por mais que seja legal ficar por dentro do mercado e saber qual console está vendendo mais ou menos, a partir do momento em que isso se torna mais do que um mero dado interessante numa nota de rodapé, temos um problema. E a partir do momento em que acionistas engravatados tem uma voz mais alta que os gamers e os desenvolvedores de jogos, temos um grande problema.
Vamos imaginar que duas empresas estão no mercado de games vendendo um console de mesa e um console portátil na atual geração. Cada uma delas encontrou um grande sucesso e volume de vendas em apenas um setor, tropeçando consideravelmente no outro. O portátil de uma empresa e o console de mesa da outra vendem como água no deserto. Faz algum sentido, para você, dizer que alguma das duas está condenada? Elas não estariam, para todos os efeitos, virtualmente em igualdade de condições?
Imagino que você já tenha pescado que o desempenho da Nintendo e da Sony nessa geração cai como uma luva na historinha acima, certo? O 3DS domina completamente o pobre Vita da Sony, enquanto o PlayStation 4 já está alcançando o Wii U da Nintendo com poucos meses de vida. Duas faces de uma mesma moeda. Mas, estranhamente, você não lê por aí artigos defendendo que a Sony deveria sair do mercado de hardware, apesar do pífio desempenho do Vita pelo mundo. Talvez porque...
Os vencedores escrevem a história!
Já dizia Homer Simpson que “as estatísticas provam qualquer coisa. 75% das pessoas sabem disso!”. O ser humano gosta de números, gráficos e dados. Em um mundo tão cheio de caos e incertezas, a ciência da matemática pode ser um grato conforto por sua natureza exata. Mais importante, essas “verdades” comprovadas pelos números podem ser exatamente o combustível que um fanboy precisa para manter aceso o fogo de seus argumentos.O grande problema é que muitas vezes o “fanboismo” toma proporções tão grandes que começa a deturpar a real situação do mercado a seu bel prazer. Todo mundo tem um amigo que adora encher a boca para anunciar que o PlayStation 4 está com números excelentes, movimentando milhares de unidades pela semana. Certíssimo ele, pois os números de vendas apurados por instituições respeitadas e imparciais realmente provam isso. O problema é que o raciocínio nunca para por aí, e acaba evoluindo para inverdades inconvenientes:
“Hahaha, Xbox One está muito atrás do PlayStation 4 na corrida da next-gen!”. Será mesmo? Vender alguns milhares de unidades a menos quando o seu console é comercializado por 100 dólares a mais não me parece a definição de fracasso. Na verdade, de acordo com o NPD, o Xbox One foi o console mais rentável do fim de 2013, mesmo vendendo menos unidades que o 3DS e o PS4.
Se o Xbox One vendesse 3 unidades no mundo todo, a Microsoft ainda estaria nadando em dinheiro. Então será mesmo que a Sony está vencendo? |
Mas o fanboy não liga para isso, ele só quer inflar o seu ego promovendo a discórdia: “Com essas vendas fracas a Nintendo vai falir!”, diz o hater, esquecendo que a Sony acaba de sair do mercado de computadores vendendo a sua linha Vaio, demitiu 5000 funcionários e, mais importante, viu todas as suas divisões juntas se tornarem menos valiosas que a Nintendo, que apenas produz videogames para sobreviver.
O ponto é que nenhuma equação estará completa sem que você calcule todas as variáveis. Achar o valor do X sem fazer ideia do quanto Y representa não faz qualquer sentido. Mas quando entramos em um território tão cheio de opiniões, interesses e meias-verdades quanto a internet, você definitivamente não precisa de sentido para provar um ponto de vista. É preciso apenas que um número suficiente de pessoas proclame uma mentira para que ela se torne uma verdade. A história sempre foi escrita pelos vencedores.
Ir para os celulares ou ir pra casa jogar?
Agora que falamos sobre as “verdades” impostas já podemos tratar de um dos assuntos favoritos da grande mídia: o mito de que a Big N precisa urgentemente se adaptar ao mercado e que isso só seria possível se ela abrisse suas portas para o mercado mobile.Por um lado, disponibilizar seus jogos em dispositivos móveis provavelmente iria valorizar suas ações no curto prazo e faria os acionistas pularem de alegria. Por outro, essa nova atitude poderia banalizar as suas marcas e tirar força de seus hardwares proprietários. Ou você não acha que a maior parte das vendas do Wii U e do 3DS acontecem porque elas são as únicas plataformas onde podemos jogar Mario, Pokémon e Zelda? Então será mesmo que a Nintendo deveria ir para os celulares? Independente da sua escolha, a resposta, curta e grossa, é uma só: “O que você sabe sobre isso?”
Acima: as pessoas responsáveis pelos rumos da Nintendo. Note a sua ausência nessa foto antes de embarcar em discussões. |
Para o bem ou para o mal, o que você pensa sobre as finanças da Nintendo não faz a menor diferença. Se Iwata, Reggie e companhia resolverem entrar no mundo dos smartphones, aposentar o Wii U ou lançar um novo console amanhã, a decisão é única e exclusivamente da Nintendo e de pessoas que passaram a vida inteira estudando o mercado, não do adolescente que quer jogar Pokémon escondidinho no seu smartphone; não dos grandes portais que promovem a cultura ocidental a todo custo; e muito menos sua.
Chega de sensacionalismo
A não ser que você seja formado em economia, trabalhe como analista de sistemas ou tenha um contrato assinado com a Sony, Microsoft ou Nintendo, não há qualquer motivo lógico para você dar a mínima para quanto um console vende ou deixa de vender. Muito menos para entrar em um debate ou discussões inflamadas propostas pelos grandes portais, que estão mais interessados em cliques do que em divulgar bons videogames. Em linhas gerais: procure não se importar com coisas que não fazem a menor diferença em sua vida.Veja bem, de forma alguma pretendo incentivar a alienação com esse texto. Muito pelo contrário! Acredito que estar informado sobre o mundo e sobre suas áreas de interesse é sempre algo muito positivo. O que não pode acontecer é uma valorização exacerbada dos debates sem sentido. Se você é um feliz proprietário de um Wii U, PS4 ou Xbox One, que tal, ao invés de provocar os consoles dos outros com dados completamente irrelevantes, curtir os games disponíveis para a sua própria plataforma? Seja você um fã de Mario, God of War ou Halo, certamente há muitos jogos bons no seu console de escolha. Não há perdedores quando você está se divertindo.
No fim do dia, o Wii U pode ou não estar condenado, pouco importa. Mas se continuarmos dando mais valor a isso do que aos jogos, nós é que estaremos nos condenando a perder algo muito mais importante: o prazer de curtir um bom videogame.
Revisão: Luciana Anselmo
Capa: Vitor Nascimento