Antes dos otakus
Com a chegada de Cavaleiros dos Zodíaco (Saint Seiya) na TV aberta no meio da década de 1990, ficou mais firme a ideia de quão diferentes eram as animações orientais comparadas com as ocidentais.Um ponto que me chamou atenção na época era a continuidade: enquanto um anime tinha uma sequência de episódios, uma história sendo contada em diversos capítulos, as animações ocidentais não: em desenhos de super heróis (Marvel, DC Comics) ou humor simples (Tom & Jerry, Looney Tunes) que podíamos encontrar naquela época, sempre eram histórias fechadas, que começavam no início do episódio e terminavam ali mesmo. Mas os animes, a contraparte, tinham uma história, então se você pegasse um anime para assistir um episódio solto, poderiam surgir muitas dúvidas sobre o que estava acontecendo ali. Esse ponto não era tão forte em tokusatsus: apesar de terem uma história em sequência como os animes, eles seguiam alguns padrões como a conclusão sendo uma luta entre um monstro gigante e o robô dos heróis (no caso dos Super Sentai) ou alguma técnica especial para acabar com o vilão do episódio. Apesar de não ser uma produção oriental, vocês podem conhecer Power Rangers que foi muito inspirado em Super Sentais como Changeman, Maskman, e meu favorito, Flashman.Na passagem de década (e milênio), nós perdemos a Rede Manchete, mas o que conhecemos hoje como "otakus" começou a tomar forma. Mangás começaram a ser vendidos no Brasil (por cerca de R$3,00 aliás) e com o destaque de títulos como Love Hina, os fãs de Cavaleiros do Zodíaco, Sailor Moon, Shurato e outros, poderiam ter uma esperança de que o fim da Manchete não seria o fim do acesso aquele conteúdo. E aí começaram a surgir os encontros de fãs, onde recordo-me de levar fitas de VHS virgens em busca de uma boa alma que copiaria aquele episódio de anime que estava passando na sala de exibição (e foi assim que conheci séries como Neon Genesis Evangelion). Aqui temos os avós do que hoje são os fansubs! Esses encontros ficaram maiores até ganharmos o Animecon, seguido do Anime Friends (que fez dez anos recentemente, e com isso vejo como estou velho). Foi pouco depois do começo do Anime Friends, no meio da década passada, que a internet Banda Larga começou a ser mais acessível pra classe média no Brasil, e com isso fansubs começaram a ser mais populares ao distribuir animes legendados em nosso idioma. Os eventos de anime no Brasil mudaram bastante nos últimos dez anos, tornando-se mais um evento de "cultura pop" do que cultura oriental. O público cresceu bastante, se comparado aos poucos que trocavam VHS no começo da década passada, e com isso, os eventos atualmente têm dificuldades para comportar todas as pessoas, resultando em uma experiência um tanto quanto desagradável.
Ser otaku não é elogio
O termo "otaku", de uma forma simples, é como os japoneses chamam alguém "viciado" em algo. Por exemplo, se você é conhecido por ser "viciado" em videogames, isso significa que você gosta bastante e conhece bastante sobre o assunto, correto? Isso é basicamente um otaku no Japão e há diversos tipos de otaku: um otaku viciado em armas, por exemplo, pode ser alguém que coleciona armas e conhece todos os fatos históricos sobre armas. Entretanto, ser um otaku de anime e mangá não é algo bem visto pela sociedade japonesa. É um termo usado de forma pejorativa. Curiosamente, no ocidente, ser otaku é praticamente um elogio: assim como o caso do "viciado", significa que você gosta de anime e entende bastante sobre. Ou ao menos é o que deveria significar.Eu, pessoalmente, não gosto de rótulos. Me incomodo um pouco quando alguém me chama de "gamer": o que tenho em minha mente é que aquela pessoa me imagina jogando Call of Duty, Battlefield, Street Fighter, FIFA/PES e lá no fundo essa pessoa pode ter aquele preconceito de que videogame é brinquedo e coisa de criança. Claro, essa é uma visão pessoal minha. Há quem dispute para ser chamado de gamer. Eu, por minha vez, não faço questão. Em relação aos otakus temos o mesmo ponto: muitos gostam de testar seu conhecimento para provar que são realmente otakus e gostam de questionar outros dizendo que eles não são otakus, são "posers" (?). Não sei vocês, mas eu vejo essas disputas como algo bem infantil e já via isso na época da escola sobre bandas: se você gosta de uma banda, é necessário saber o nome de todos os álbuns, músicas, todas informações pessoais sobre os membros. Quando chegamos em uma certa idade, isso já não tem importância alguma, você apesar quer ouvir música e ter um bom momento com aquilo.
Entre esses jovens, geralmente de 12 à 17 anos que disputam pelo título de otaku (enquanto no Japão, os jovens fogem de serem chamados assim), há alguns costumes e comportamentos que vocês devem conhecer entre seus amigos. Camiseta de anime (Naruto, One Piece, Death Note), mochila com vários broches de animes, e usando nicks como Kirito, Kakashi, Itachi (nomes de personagens de anime), em MMOs. Apesar da rejeição ser menor no Brasil do que no Japão, esse tipo de postura não é bem vista pelos pais (40+ anos) de hoje. Infelizmente, por causa do preconceito que videogame já sofre: isso é coisa de criança. Com o passar dos anos, nosso querido otaku erra em algumas coisas, acerta em outras, e começa a fazer algumas mudanças em seu comportamento. Já não precisa usar apenas camisetas de anime (ou pior, há alguns que usam sempre a mesma), percebe que aquela mochila pesada por causa dos broches não é muito prática por ficar prendendo em todo canto. São pequenas mudanças que fazem grandes diferenças.
Há limites
Gostar de animação oriental e mangás não é pecado. Não é algo ruim. E cada um pode fazer isso da maneira que bem entender. Usar camiseta do seu anime favorito está no mesmo peso de usar uma camiseta de uma banda de rock, oras. Você está mostrando que gosta daquilo, e devo admitir que é até mais simples para encontrar pessoas assim. Permitam-me compartilhar uma história rápida: na última Brasil Game Show, eu percebi que um rapaz estava olhando em minha direção enquanto eu estava conversando com um amigo, ele estava com uma camiseta de One Piece, e eu estava com camiseta do Nintendo Blast. Me pareceu óbvio que ele estava querendo ir pro evento, mas não sabia onde era e estava com vergonha de pedir pra ir conosco, então falei com ele. Ainda próximo disso, sempre que estou indo para eventos de games ou animes, basta seguir aquela multidão com camisetas de animes ou gorros: eles estão indo pro lugar certo. Nessas situações, como podem ver, pessoas com camisetas de anime são uma benção.Entretanto, assim como tudo na vida, há limites. Hikikomori é outro termo oriental para identificar um indivíduo que optou pelo isolamento social em seu lar. Ele se tranca no quarto e não quer contato interpessoal. Sua interação é limitada a Visual Novels (jogos em textos baseados em escolhas), Eroges (jogos com conteúdo erótico) e outros gêneros de jogos bem populares entre o público otaku. Esse indivíduo é visto como "vagabundo" (no sentido mais simples da palavra) pela maioria da sociedade, quando na verdade a situação é muito mais complexa e séria. O humano gosta de interação com outras pessoas, por mais anti-social que alguém seja, ela ficará feliz, mesmo que um pouco, ao receber um elogio por algo que ela acredita que deva ser elogiado. O Hikikomori opta pela exclusão social por diversos problemas (emocionais ou não) que resultaram nessa pesada e triste escolha. Passar o tempo com seus jogos e assistindo animes não é bem uma diversão, é mais como uma maneira de esquecer aqueles problemas, aquele mundo lá fora. É um caso similar, ao meu ver, de uma pessoa com depressão: muitos falam que é bobagem, que é besteira, mas apenas quem teve depressão sabe como é.
Em um nível mais leve, há jovens que exageram um pouco em seu gosto por animes. Eles escolhem ficar em casa jogando MMORPGs e assistindo animes sem preocupação alguma com as despesas da casa ou sua carreia profissional ou acadêmica. Esses sim, vocês podem chamar de vagabundos: aqueles que não têm problema emocional algum, apenas ficam procrastinando seus deveres para terminar de assistir aquela temporada de One Piece que nunca acaba. Pode parecer brincadeira, mas conheço pessoas com mais de vinte anos que nunca trabalharam ou estudaram depois de terminar o ensino médio e vivem discutindo com os pais que pedem pra eles buscarem algum caminho na vida. E para os pais essa é uma preocupação justa.
Gamers diferentes
Nós já sabemos que otakus (ou weeaboos) gostam de Visual Novels, Eroges e em muitos casos investem anos em MMORPGs (o mesmo, não costumam trocar com frequência), há alguns que têm problemas familiares por não assumirem responsabilidades "com a vida" (são poucos assim) e ainda há o caso especial, os hikikomoris. Se você tem amizade com pessoas assim, deve saber sobre o popular bairro Liberdade (não aquela representação da novela, por favor) em São Paulo. Aquele bairro se tornou um ponto de encontro casual para otakus: é possível encontrar até cosplayers em algumas ocasiões, ou pessoas vestidas como maids (empregadas). Jogos como FIFA/PES, Call of Duty ou Battlefield não são tão populares entre esses jogadores. Além da preferência por MMORPGs, Visual Novels ou Eroges, há também alguns jogos de puzzle, RPGs comuns, jogos com foco no enredo.Infelizmente há um certo preconceito dentro desse nicho para aqueles que estão do lado de fora. Há alguns indivíduos que por não jogarem games mais simples como FIFA, por optarem por jogos com mais "conteúdo" (foco em enredo, histórias, puzzles), logo classificam esses jogadores mais simples em uma escala inferior a deles. E vocês podem pensar que isso não tem diferença para os "gamers comuns", já que há um preconceito com os jogadores casuais, pessoas que jogam Just Dance, Cooking Mama, Candy Crush Saga. No caso dos weeaboos, temos esse preconceito não apenas com jogos, mas também com suas "obras" (e vocês já vão entender as aspas). Há uma fatia desse grupo que pensa ser algum tipo de elite e se recusam a gostar de qualquer anime popular. É fácil encontrar esses indivíduos em fóruns criticando Sword Art Online, Naruto e Attack on Titan. Para eles, esses animes são pobres em história e qualquer um que levante a bandeira de que gosta dessas animações são colocados na escala inferior (junto dos jogadores de FIFA/PES, CoD, etc). Pessoalmente, eu acredito que eles até gostam um pouco desses animes, mas se recusam a falar pois o ego não permite que quebrem a postura de tão superiores e cultos como são. Na minha época de escola havia um grupo semelhante que chamávamos de "pseudo-cult" (e acredito que exista até hoje) que infelizmente é confundido com o Hipster.
O pseudo-cult, como eu conhecia, era aquele seu amigo que ouvia bandas mais legais que você (não que fossem legais, mas ele fazia parecer ser), lia livros mais legais que os seus. Então, quando aquela banda ficava popular, ele começava a criticar e falar sobre como eles "perderam sua essência" (é sempre esse argumento). Eu vi isso acontecer com Linkin Park, que quando não era muito popular eu tinha muitos amigos que gostavam, mas quando ficou popular, muitos começaram a criticar e ficou um saco conversar com essas pessoas. O pseudo-cult é, também, aquele indivíduo que sempre, sempre, falará que "o livro é melhor que o filme" (sem basear em argumento algum). E devo admitir que muitas vezes é, pois o livro tem muito mais tempo para explorar personalidades, descrever situações e cenários. Quando temos essa troca de mídia, temos 700 ou 900 páginas (dependendo do livro) sendo adaptadas pra cerca de duas horas de filme. É bem difícil passar a exata mensagem do livro em todos os pontos. Eu gostei de The Lord of the Rings (O Senhor dos Anéis), e vocês? Eu nunca vi alguém reclamando sobre Twilight (Crepúsculo), sobre como o livro é melhor que o filme (mas deve ter por aí, o mundo é grande e os egos também), mas Harry Potter e O Senhor dos Anéis é possível encontrar em cada esquina alguém falando sobre como o livro é muito superior ao filme (mesmo que não saibam explicar a razão). Não posso colocar a culpa na idade, mas chega uma época em que as pessoas apenas deixam de se importar tanto com isso. E deixam de defender com tanta determinação seus "gostos".
O pseudo-cult dentro dos weeaboos, não é aquele que apenas falará sobre como animes e mangás populares são um lixo e aqueles obscuros que ele lê são "obras" incríveis, como ele terá um certo prazer em falar para você todos os pontos maravilhosos daquela "obra" (é, ele chamará de "obra" apenas). E o mesmo vem para os jogos: você que joga FIFA é apenas um lixo imoral, um resto da humanidade, e insira aqui todo o tipo de ofensa aparentemente intelectual. Mas se você quer ser um humano melhor para sociedade e encher o mundo de alegria e amor, deve jogar aquele jogo que nunca ouviu falar (e que talvez nem entenda por estar em japonês).
Nossos irmãos mais novos
Weeaboo ou otaku tem uma paixão incontrolável pelo 2D e em alguns casos por esposas imaginárias (as populares "waifus"). Gêneros específicos de anime como moe (coisas fofas) ou ecchi (conteúdo erótico leve), em sua grande maioria estão entre os favoritos. Coleções de action figures de seus personagens favoritos e prateleiras de mangás (por editoras nacionais ou não). A grande maioria que vemos nas ruas com camisetas de anime e suas mochilas com broches, geralmente não levam tão a sério quanto essa "elite" que coleciona action figures e são apaixonados pelo 2D. Apesar de weeaboo e otaku serem termos de significados bem próximos (e apesar de mais usados em cantos opostos do mundo), em minha cabeça eu opto por separar como dois públicos diferentes. O primeiro, aquele mais elitista, que conhece diversas obras; e o segundo, aquele mais "povão", que está com sua camiseta de anime e gorro na fila do evento pra passar o dia se empurrando. Pessoalmente, devo dizer que a maioria do segundo caso (o pessoal dos broches na mochila e camisetas) são mais "gente fina" e legais. Não que aqueles que tenham o gosto mais refinado sejam pessoas ruins, mas é realmente chato quando começam a querer forçá-lo a gostar daquele anime "whatever" ou começam a falar sobre como o mangá é melhor que a animação (olha aqui o "livro é melhor que o filme").E para você, caro leitor que conhece a cultura oriental, assiste animes e lê mangás, compartilhe sua história conosco: como começou, por onde começou, o que mais gosta atualmente? Quais jogos você costuma jogar, e por quê? Há algum jogo diferente dos populares que gostaria de recomendar?
Revisão: Leonardo Nazareth
Capa: Sybellyus Paiva