Polêmica e sensacionalismo: afinal, podem jogos tornar alguém violento?

em 30/08/2013

A grande polêmica sobre a violência nos jogos não vem de hoje. No mundo todo, a cada oportunidade possível, somos lembrados de que nosso ... (por Unknown em 30/08/2013, via GameBlast)


A grande polêmica sobre a violência nos jogos não vem de hoje. No mundo todo, a cada oportunidade possível, somos lembrados de que nosso hobbie não é muito bem visto, e aqui no Brasil, o caso da família Pesseghini foi mais um prato cheio para os moralistas de plantão criticarem o público gamer.


Não vou comentar sobre o absurdo do caso, sobre toda a impossibilidade prática e teórica de uma criança aprender a dopar os pais, matar todos com tiros perfeitos na nuca, cometer suicídio e não ficar nem com resíduo de pólvora nas mãos… Acho que todos sabemos o quanto este circo foi armado. O fato em consideração, no momento, é a bendita foto de Assassin's Creed no perfil do garoto, e a eterna pergunta que não gostamos de responder: pode um jogo influenciar um comportamento violento?

Uma questão delicada

Talvez. Essa é a primeira afirmação que devemos fazer. Tudo se baseia em uma grande possibilidade, e, assim como filmes e livros têm um estranho poder de afetar o comportamento social individual e coletivo, seria um erro acreditar que os jogos eletrônicos, enraizados como estão em nossa cultura, não afetam o comportamento das pessoas.

Podemos ainda questionar se, seguindo essa linha de pensamento, os filmes de ação e violência não teriam também um enorme impacto na segurança pública. Novamente, talvez, mas os jogos nesse sentido têm um agravante que os faz potencialmente piores que os filmes. Antes que vocês joguem pedras em mim, permitam-me elaborar: lembra daqueles belos artigos sobre imersão e afins? É bem isso. Filmes são produtos estáticos, narrativas lineares que independem de nossa vontade e ações, enquanto jogos, como objetos lúdicos, estão diretamente ligados a nossas ações e nossas escolhas, criando um elo sentimental muito mais forte.

Se jogos criam sentimentos bons, criam também sentimentos ruins.
Neste ponto chega a primeira consideração que vocês, amigos leitores, devem estar fazendo: "eu sempre joguei e isso não fez de mim alguém mais violento". Naturalmente, para pessoas sem nenhum grande transtorno psicológico existe uma grande linha entre a realidade e a ficção, o problema está naquela minoria da população, que por problemas de saúde pode acabar imprimindo sobre a realidade situações fictícias, e replicando comportamentos violentos. Para estes, quanto maior o elo formado com a obra, maior o impacto sobre a realidade. Neste sentido, os jogos podem ser muito mais danosos que os filmes.

Entretanto, é preciso lembrar que na maioria dos crimes em que jogos foram de algum modo acusados, nada foi provado. Mesmo nos casos mais extremos, muitos outros transtornos de personalidade, abusos sofridos e problemas sociais são muito mais determinantes na hora do estabelecimento da causa. Num sentido mais amplo, é a sociedade que cria seus próprios monstros.

The Last of Us mostra como o ser humano pode ser monstruoso

É tudo marketing

Se nada foi provado contra os jogos, por que tanto auê? É aqui que entra o X da questão. Polêmica, propaganda, divulgação. Todos os veículos de mídia sobrevivem de notícias, e quanto maior o impacto destas notícias, maior o volume de audiência, logo, maior o valor do programa. Falem bem, falem mal, mas falem de mim.

Subindo um degrau nesta plataforma, temos também os ativistas, sempre malucos por uma publicidade gratuita. Grupos que se promovem defendendo bandeiras altamente contraditórias como a proibição de jogos eletrônicos. Para estes, a questão é igualmente simples: defender uma bandeira qualquer para tentar atrair aqueles que pensem em algo semelhante. Entretanto, para serem conhecidos, eles precisam de espaço de propaganda, e como o intervalo do jornal sensacionalista custa caro, nada melhor que fazer um belo protesto com confusão, que garantirá a eles não somente um espaço de propaganda, mas também um bloco do jornal, diretamente ligado ao crime cometido.

No topo da cadeia temos então os políticos. Ainda que alguns sejam legitimamente bem intencionados, outros estão apenas interessados em poder e mais poder. Para estes, defender estas bandeiras é sempre um bom negócio, primeiro pelo espaço de jornal que ganha um discurso inflamado sobre qualquer abobrinha, segundo pelos votos gratuitos advindos dos ativistas do segundo ponto, ao encontrarem alguém lá em cima que defenda a mesma bandeira.

Se você perceber bem, é um ciclo vicioso. O jornal ganha mais visualizações com as polêmicas, os ativistas mais seguidores com o jornal, os políticos mais votos com os ativistas, e todos, coletivamente, criam ainda mais polêmica, ainda que no fim absolutamente nada seja modificado.

A verdade social

Você sabia que 99% de todos os assassinatos cometidos são efetuados em menos de 24h depois do assassino ingerir um copo d'água? Igualmente, 98,7% dos sequestros e estupros são também cometidos em menos de 24h depois do criminoso ingerir um pedaço de pão. Sabe o que isso significa? Exato: absolutamente nada, e este é o ponto. Na retórica isso é chamado de uma falácia causal, ou seja, quando um fato usado como base não tem relação com o outro.

Se você prestar atenção nos jornais, muitos dos fatos indicados e glorificados são simplesmente copos de água. Peguemos a questão dos jogos. Assassinos gostam de jogos? Talvez, mas, quem não gosta? Digo mais, na história da humanidade, a maioria dos assassinatos foram cometidos sem que os criminosos tivessem qualquer contato, ou mesmo soubessem da existência de Call of Duty ou Assassin's Creed. Isso nos permite concluir que nunca foram os jogos que geraram violência, ou se foram, foram em quantidade mínima, comparados à violência criada no simples ato de viver. Expandindo a lógica: muito mais crimes foram cometidos por amor do que em nome do Super Mario, e nem por isso proibimos o casamento.

Mario curte ficar alto e praticar violência contra animais

Para vocês, leitores mais jovens, se vocês gostam de jogos de tiro e afins, tudo certo. Sabemos que partidas competitivas de Counter Strike são uma das coisas mais legais que existem, ainda assim, lembrem-se sempre de que isso é apenas um jogo. Se algum dia sua avó perguntar da violência dos games, não tenha vergonha em falar do copo d'água, garanta que você é uma boa pessoa por suas ações, e não pelos seus divertimentos.

Contudo, para você que é pai e acompanha nosso site (além do fato de você ser um paizão espetacular) é valido retornar a um ponto anterior. Para algumas pessoas, jogos podem sim desencadear processos violentos, e nesse sentido é advertido um certo cuidado. Existem inúmeros indicadores e índices classificadores de faixa etária e restrições de público, logo, se você se preocupa com algumas ações de seu filho, leve-o a psicólogo e não tenha vergonha de evitar que ele jogue certos tipos de jogo até estar mais velho, os consoles mais novos também contam com ferramentas de controle parental que bloqueiam determinados conteúdos.

Já para você, amado pupilo, que quer dar sua opinião ou colaborar com a conversa, é só comentar.

Revisão: Vitor Tibério
Capa: Daniel Machado

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