Analógico

Mais do que a soma do conjunto: o que torna um jogo memorável

em 02/08/2013

Por anos e anos, jogadores e críticos se digladiam em um embate intelectual, questionando-se qual o melhor jogo já lançado. Enquanto, ofic... (por Unknown em 02/08/2013, via GameBlast)

Por anos e anos, jogadores e críticos se digladiam em um embate intelectual, questionando-se qual o melhor jogo já lançado. Enquanto, oficialmente, The Legend of Zelda: Ocarina of Time ocupa a posição - ao menos para a maioria dos críticos (e me incluo nisso), outras grandes obras são sempre trazidas a tona nas discussões entre jogadores.


Gosto pessoal a parte, alguns nomes tornam-se mais constantes nestas listas e jogos como Metal Gear Solid e Shadow of the Colossus se fazem presentes em quase toda conversa sobre o assunto, e muitos, em seus respectivos lançamentos foram considerados superiores a Ocarina of Time.

Ainda que, no apagar das luzes, o título emblemático da série Zelda continue soberano, podemos passar dias discutindo sobre o melhor jogo já lançado, entretanto, a consideração traz a tona uma questão ainda mais fundamental: afinal, em frente a jogos muito mais modernos, e belos, o que faz com que tais obras antigas continuem apontadas como melhores?

Revolucionários

O primeiro ponto que podemos traçar em comum. Todos os jogos considerados geniais foram, de algum modo, considerados revolucionários, não somente em seus respectivos gêneros, mas também para a indústria de jogos como um todo. Enquanto Ocarina of Time introduziu grande parte das mecânicas e conceitos ainda utilizados pelos jogos de aventura modernos, tanto em jogabilidade quanto narrativa, Metal Gear Solid trouxe ao mundo um novo conceito de jogos de furtividade, Shadow of the Colossus apresentou seu gigantesco mundo introspectivo habitado apenas por chefes gigantes. Alguns grandes feitos para cada título.

Estendendo um pouco este raciocínio, podemos ver que, por trás de tudo isso, são jogos que não se prenderam a amarras durante sua elaboração, jogos onde seus respectivos criadores tiveram grande liberdade artística, até por não seguirem padrões pré-estabelecidos, mas sim criando novas formulas a serem seguidas. Resumindo, eles tomaram a dianteira.

Um verdadeiro marco no mundo dos games
Além disso, podemos perceber que grande parte dos títulos considerados revolucionários surgiu entre a quinta e a sexta geração, época que compreende do Nintendo 64 até o PlayStation 2. O que temos aqui? Um novo potencial de hardware sendo explorado. Enquanto Ocarina of Time e Metal Gear Solid surgiram no começo da era dos jogos 3D nos consoles, Shadow of the Colossus surgira na geração seguinte, quando o hardware já era mais potente, permitindo cenários enormes, inteligência artificial mais poderosa a renderização de inimigos gigantescos.

Alguns podem se questionar, se esta sétima geração não trouxe benefícios semelhantes. De fato, ela permitiu cenários ainda maiores, mas, a grosso modo, não tivemos nenhuma grande revolução em nenhum dos gêneros. A maior parte dos jogos simplesmente seguiu a fórmula estabelecida por algum jogo anterior, de modo mais bonito e com mais detalhes, mas ainda seguindo as regras definidas previamente.

Bonitos

Outro ponto inquestionável em todos os títulos é sua qualidade visual. Não estamos falando de contagem de polígonos, mas sim de direção artística. É muito comum para o público mais jovem associar beleza ao quesito técnico de contagem de polígonos e shaders, mas basta comparar uma foto muito feia com um desenho bonito para ver que não é preciso poder gráfico para fazer algo belo. Trabalhando com estilos próprios, coesos com o tom de cada obra, é interessante perceber a paleta de cores e objetos em cada um dos títulos.


Enquanto Zelda trabalha com cores vivas e verdejantes para a infância de Link e cores um pouco mais sóbrias para os cenários de sua vida adulta, enquanto Metal Gear abusava do cinza e Shadow of The Colossus de cores mais apagadas e introspectivas. Um dos maiores engodos dessa geração é ver jogos que, por facilidades de hardware, abusam de cores e efeitos que no geral não condizem com a idéia da obra.

Ainda nisso, são jogos que envelheceram relativamente bem. Enquanto títulos mais realistas, considerados lindos em suas épocas, como GTA 3 e Battlefield, aparentam hoje serem tortos e esquisitos, a direção artística dos títulos menos realistas tende a segurar a obra viva por mais tempo. Psicologicamente, o motivo é muito simples, o realismo melhora a cada geração, logo, o padrão de comparação sobe, já jogos que são bonitos em sua natureza não possuem nenhuma linha de evolução direta, ou, traduzindo, os gráficos de Twilight Princess em Ocarina of Time não fariam da obra melhor, pelo contrário, poderiam destoar da proposta do título. Imagine Ursinhos Carinhosos com filmagens de ursos reais… Sacou?

Ok, Ursinhos Lutadores seria melhor que Ursinhos Carinhosos.

Desafiadores e divertidos

Nem muito fáceis, nem insanamente difíceis, todos os títulos acima encontram-se em um ponto realmente cuidadoso em termos de design. Além de contarem com inimigos muito bem estabelecidos para os jogos, temos em todos os títulos uma curva de dificuldade razoável, que, ao mesmo tempo permite ao jogador divertir-se, mas cobra por seus erros. Ainda que, questionavelmente, Metal Gear não seja um passeio para jogadores mais iniciantes, ele ainda está no contexto da proposta do gênero, sendo adequado para os jogadores que procuram o estilo.

Esse padrão de dificuldade evidencia outra coisa muito bem desenvolvida em cada um dos títulos: os controles. Você pode não perceber, mas experimente pensar em quantas ações de reflexo e alta velocidade você realiza com suas mãos a cada jogatina. Parar, sacar a arma, mirar, atirar, desviar, jogar a bomba dentro da boca do monstro… Uma infinidade de coisas ao toque de poucos botões. Perceba, os controles são tão intuitivos que você até esquece deles, ainda que prezem pelo uso adequado de cada botão, evitando que o jogador fique apertando botões aleatoriamente para ver a ação acontecer. Espetacular, não?

Psycho Mantis segue como um exemplo de genialidade

Mais do que tudo isso, Epona

Por fim, chegamos ao ponto mais curioso de tudo isso. Se você perceber bem, tudo dito acima pode ser encontrado em outros jogos - bons jogos, sem dúvidas, mas que muitas vezes ficam só nisso: bons. Obras quadradinhas, que embora ofereçam experiências interessantes, não demonstram nada de realmente novo, sendo apenas reiterações de conceitos antigos, ou experiências muito bem planejadas… planejadas até demais.

Em entrevista recente, Shigeru Myamoto revelou que, originalmente, o design de Ocarina of Time seria baseado em um hub com pinturas, semelhante ao de Super Mario 64. Ainda que divertido, é fácil perceber o quanto a obra perderia com isso. A ideia de uma Hyrule a ser explorada, lugares, pessoas e eventos surgiu, curiosamente, com o advento da Epona - o cavalo que acompanha Link em suas jornadas. Curioso como uma peça surgida ao acaso pode alterar todo um planejamento, não?


O resultado final é ainda mais interessante. Acima de tudo que foi dito, acredito eu, o ponto chave de todos esses jogos não é a diversão, a dificuldade, a beleza, nem nada assim. Eles colaboram? Obviamente, mas, acima de tudo isso, existe um fator invisível em todas essas obras: elas são feitas para serem apreciadas, mas isso não é bem pensado, é algo, talvez, inconsciente. Desculpe-me Joruney, mas um jogo com um design feito totalmente para ser artístico não atinge o nível de obras que são artísticas por natureza.

Quantas vezes nós, como jogadores, não nos permitimos deixar os objetivos de lado para explorar cada canto da belíssima terra de Hyrule? Sim, um mundo todo a ser conhecido, criado por causa de um cavalo. Cavalgar, olhar o cenário, a paisagem, a vida de cada habitante. Ocarina of Time é uma obra na qual você se perde, passa horas e horas contemplando aquela realidade, sem se preocupar em buscar itens, ou fazer qualquer coisa com objetivo… apenas contemplar.

E a surpresa ao descobrir Lake Hylia?
Neste ponto, acredito que Ocarina ainda é superior a qualquer obra, mas tal fenômeno também está presente nos outros títulos descritos, de modos diferentes. É fácil perder-se em Solid Snake, personificando o personagem para resolver cada enigma ou, ainda, no mesmo estilo de Zelda, perder-se no belo mundo de Shadow of the Colossus, cavalgar horas e horas apreciando os campos, seguindo apenas a luz de uma espada, em busca do próximo gigante a ser derrotado. Resumindo (e evidenciando a repetição), a chave é perder-se.

Além de obras magnificas sob todos aspectos de design, títulos memoráveis fazem com que o jogador se perca de algum modo, seja em seus cenários, suas histórias, seus sentimentos. Não são coisas muito propositais, simplesmente acontece. Entretanto, seria errado encarar isso como algo friamente planejado.

O fato é que, como já comentado anteriormente, tais obras não seguiram escolas de design, mas foram pioneiras, e muito do que vemos nas telas surgiu simplesmente de "Eponas" em cada jogo: ideias que alguém teve e que resultaram em coisas muito únicas na experiência final, sendo que, quando replicadas como conceitos nas iterações mais modernas, tornando-se parte do processo de design, perderam, de algum modo, o encanto e talvez até a coesão com o perfil da obra.

Um pouquinho de saudosismo

É difícil falar sobre jogos antigos. Naturalmente, muito de nossas memórias são acrescidas de um sentimento de saudades de um tempo que passou, e isso colabora ainda mais para tornar estas experiências antigas inesquecíveis. Entretanto, em minha defesa, assim como o saudosismo pode contaminar um pouco das nossas memórias sobre um jogo fazendo com que ele seja ainda melhor, ele pode também ser usado como juiz.

Quantos títulos antigos, que eram espetaculares em suas épocas, não sobrevivem ao teste do tempo? Pegar um Star Wars: Galactic Battlegrounds, Aero Fighters ou ainda Road Runner (o famoso Papa Léguas) e ver que eles não são mais tudo aquilo. No final, o tempo apenas determina o que vira vinho e o que vira vinagre.

E para você, querido assecla, o que faz de um jogo memorável?

Revisão: José Carlos Alves
Capa: Daniel Silva

Escreve para o GameBlast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.
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