Consoles, games e redes sociais: os relatos de um viciado gamer

em 19/07/2013

É mais forte do que eu. Todos aqueles botões brilhantes, aquelas cores vivas e chamativas... Não sei dizer quando, como, ou porque passei ... (por Unknown em 19/07/2013, via GameBlast)

É mais forte do que eu. Todos aqueles botões brilhantes, aquelas cores vivas e chamativas... Não sei dizer quando, como, ou porque passei a dar tanta importância para meu reino em Game of Thrones Ascent. O objetivo? Nenhum. A história? Não justifica depois da décima leitura. Hoje, aqui, perante todos vocês eu admito: estou viciado em browser games.


No começo era tudo curioso, experimentei o jogo a convite de um “amigo”... (acho que todos caímos nessa). A desculpa era a mais simples: “me da uma ajuda aí cara, é só cadastrar”. No primeiro dia de jogatina, não me senti particularmente encantado pelo game. Sou fã da obra de Martin, admito, entretanto, aquele esquema de clicar em opções e esperar um grande tempo pra ver as coisas acontecerem (números aumentarem e desenhos aparecerem na tela) a princípio não me cativou e acabei me afastando.


Por que jogar algo assim quando temos tantas obras magníficas ainda não jogadas? Bem, amigo, o tempo prega suas peças. Lotado de tarefas e forçado a longos períodos de faculdade, eu cedi: entreguei-me totalmente ao vício. Foi somente com longos períodos de desintoxicação e meditação nos templos dos monges albinos do Tibet que consegui perceber a engenhosidade perversa por detrás do grande vazio ontológico de tais “games”.

Jogos para quem não joga

Já comentamos muito sobre a tentativa das desenvolvedoras de incluírem em seus jogos e serviços cada vez mais funções para integração com redes sociais. A princípio, esse amalgamento forçado pode soar como uma tentativa de expandir a experiência do jogador, contudo, devo voltar atrás para algo que nunca me antenei.

A verdade é que a crescente importância das redes sociais e do lucro de empresas como a Zynga (FarmVille, CastleVille e afins), pode indicar que, a longo prazo, os consoles podem perder espaço para as redes sociais. Para dar uma ideia, a renda da empresa (que está em queda) no primeiro semestre deste ano foi de estrondosos 263 milhões de dólares.

Todo esse dinheiro com jogos assim...
Soa maluco? Talvez, mas eu explico: você só tem uma cabeça - salvo raros casos da medicina, e, portanto, só consegue apreciar uma atividade por vez. Digo com propriedade: se antigamente eu dedicava grande parte do meu dia a jogos, hoje uma enormidade desse tempo é gasto no limbo do Facebook. Se rede social tivesse conquistas, eu teria platinado.

Não se trata apenas do tempo perdido em casa, mas também quando estou na rua com meu celular, ou na faculdade durante o intervalo entre as aulas. Carregar um portátil? Certamente carrego, mas grandes jogos demandam tempo e atenção, coisas que, para muitos, estão cada vez mais raras. Podemos então riscar da lista os RPGs e os jogos de ação.

Resident Evil 4 definitivamente não foi feito pra celulares.
Jogos realmente portáteis devem ser também portáteis em sua concepção, sem demandar longos períodos de compreensão ou raciocínio. É ai que entra a sacada dessa leva de consoles sociais e dos browser games. Enquanto os consoles lutam para manter sua atenção, permitindo que você interaja com seus amigos sem precisar sair do aparelho, os browser games permitem que você jogue alguma coisa em qualquer lugar, sem se preocupar com tempo, história ou qualquer coisa assim, utilizando para isso uma série de mecanismos realmente geniais.

Por trás das cores

Em um primeiro momento, como jogador, a primeira coisa que podemos perceber em jogos do gênero são as cores. É comum encontrar cenários vibrantes, desenhos bonitinhos, fofinhos e carismáticos. Eles servem para chamar sua atenção e ficarem gravados na sua cabeça. Quem ai não passou longos períodos jogando Candy Crush (ou semelhantes) para depois fechar os olhos e ficar vendo as imagens se repetindo na escuridão da sua mente? Curioso, no mínimo.

Além de bonitos, outro ponto fácil de perceber é que tais jogos não demandam atenção nem coordenação. Está esperando o ônibus? Ótimo. Na fila do banco? Também ótimo. Esperando a ambulância te resgatar de um acidente envolvendo uma motosserra e uma escada? Tudo bem, na maioria das vezes dá para jogar com um braço só.

Até aí tudo bem, mesmo uma mula cega perceberia, aí que entra o pulo do gato. Algo tão espetacular, visto que, quando compreendi isso, fui eleito pelos monges albinos como o novo grão mestre. Você já reparou nos timers? Aqueles mecanismos malignos que te fazem esperar entre uma ação e outra? Pois bem, aqui eles são o verdadeiro coringa do baralho.

Cronômetros: o segredo está aqui

Em qualquer jogo social de sucesso podemos perceber uma constante: entre uma ação e outra devemos, normalmente, esperar um certo tempo. Seja para ganhar novas vidas, para esperar sua plantação de couve hidropônica ficar pronta ou mesmo para ver seu exército voltar da guerra: tudo leva tempo.


Em um primeiro momento, essa demora é uma pedra no sapato de muitos jogadores. Somos imediatistas para mantermos nossa atenção, então, jogos sociais trabalham com dois ciclos de tempo, que chamarei aqui de longos e curtos.

Ciclos curtos são aqueles de recompensas pequenas, mas quase imediatas. Eles servem para manter a atenção do jogador que deseja passar um tempo prolongado em seu jogo. Seja colhendo seus tomates para receber ouro (medido em um belíssimo contador sempre presente na tela), produzindo recursos para expandir seu império, ou resolvendo pequenos casos para subir no ranking mundial de investigação. Tanto faz, todas as suas ações são premiadas com pequenas recompensas, mesmo quando você erra.


Nos ciclos longos estão as ações de maior duração: fazer grandes construções, esperar uma nova leva da colheita, receber aquele grande carregamento de armas... Em geral, ações que podem levar várias horas para se concretizarem, mas que garantem grandes recompensas para os jogadores e permitem, para aqueles que passam o dia ocupado em outras tarefas, seus jogos terão progredido quando voltarem para casa. Lembra do que falamos sobre apreciar uma atividade por vez? Pois é, este ciclo se rompe com isso, te fazendo jogar enquanto não joga.

Além de tudo o que dissemos, para quem vai ao consultório médico e fica esperando olhando o relógio, todos sabem: é certa a compra de uma bebida na maquina de refrigerantes... Você até pagaria para ser atendido imediatamente. Nos jogos sociais, a coisa funciona do mesmo modo. Você pode esperar várias e várias horas para ver sua cidade se desenvolver, ou pode pagar alguns centavos em seu cartão de crédito e, como em um passe de mágica, estará tudo pronto, uma recompensa imediata por poucas rupias.

Gratuitos, porém caros

Curiosamente, todos esses jogos são gratuitos e, mesmo assim, as desenvolvedoras conseguem um alto retorno financeiro. Mais curiosamente ainda, muitos desses jogos trabalham com políticas de fidelização, garantindo para o jogador que frequenta o jogo diariamente grandes recompensas (e até cash) a cada mês ou semana em que este tenha jogado todos os dias. Isto faz com que entrar no jogo se torne um hábito e ao mesmo tempo lhe diz: você sempre pode ser mais.

Qual a mágica? Conhecer seu público alvo. Jogos mais masculinos tendem à competitividade, desenvolver ranks e incentivar a compra de equipamentos “premium”, que te darão vantagens sobre outros jogadores. Games mais femininos trabalham com aspectos visuais, como embelezar sua fazenda, obter animais bonitinhos, comprar roupinhas para seu avatar, entre outros. É tudo muito simples, ao clique de um botão, e aceita crédito, paypal ou boleto.

Verdade seja dita: já me senti tentado a comprar créditos para obter um ovo de dragão. Tive de pensar dez vezes enquanto olhava a bandeira da MasterCard para fechar a janela e voltar para minha vida. O custo era baixo, a recompensa era grande, mesmo assim resisti. Sou um grão mestre e devo me manter saudável, entretanto, nem todos conseguem.


Colocar dez reais em um jogo desses pode parecer pouca coisa, mas no passar dos dias, não é raro encontrar pessoas que gastaram mais de cinquenta, sessenta reais (valores de um título completo para PC ou consoles) em um jogo que jamais gastariam. Normalmente, se você puder escolher entre comprar um bom livro, uma roupa bacana, ou gastar a mesma grana em Colheita feliz, muitos escolheriam o livro e a roupa, e mesmo assim, no final das contas teriam comprado o pato virtual.

Aprecie com moderação

A essa altura, qualquer um já percebeu. Não sei dizer se estas ferramentas foram criadas propositalmente ou não, mas elas constroem uma dupla realidade no jogo que pode atrair qualquer tipo de jogador. Tem tempo? Maravilha, jogue em ciclos curtos e longos. Não tem? Acesse o jogo de manhã e quando você voltar as coisas estarão prontas. Esperar também te recompensa: altamente viciante.

Não estou dizendo que estes jogos sejam uma perda completa de tempo, afinal, estes foram desenvolvidos calculadamente para serem jogados nos pequenos “buracos” dos horários de uma vida agitada e, ainda assim, podem acabar se tornando verdadeiras manias, fazendo com que você fique grudado no relógio esperando o próximo ciclo. Portanto, recomendamos doses saudáveis de moderação.


Inúmeros são os títulos deste gênero lançados a cada mês para os mais diversos públicos e cobrindo as mais diversas temáticas. Portanto, é natural esperar que o mercado seja predatório e que muitos dos jogos do qual você gosta possam sumir no mês seguinte. Entretanto, no apagar das luzes, o modelo é consolidado e deve aumentar.

Não estranhe se começarem a surgir mais minigames integrados às redes sociais dos consoles, como aplicativos que te permitam jogar social games em sua própria conta no Miiverse, acessado pelo celular e descolar uma fazenda para seu avatar da Live. O gênero está aí, firme e forte e já concorrendo com jogos maiores. Em suma, roubando sua atenção ainda que te deixando "livre".

Bem, amigos, é chegada minha hora. Meu reino me espera para mais um ciclo de desenvolvimento. Quer compartilhar sua história, seus medos, seus casos? Comenta aí e, quem sabe não criamos os Gamistas Anônimos?

Revisão: Jaime Ninice
Capa: Sybellyus Paiva

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