Ainda no stand do HoN, esbarramos com Gustavo Nader, diretor de dublagem de Diablo 3, mas o que ele estava fazendo nesse estande? Será que vamos receber uma dublagem de HoN à altura? Ele não pode contar detalhes dessa parte, mas falou muito de seu trabalho, do mercado atual e do profissional de dublagem, que muitos gamers têm vontade de se tornar.
A dublagem e a direção
GameBlast: Como está o mercado de dublagem e localização de jogos atualmente no Brasil?
Gustavo Nader: É um mercado extremamente proeminente. Em três anos, nos tornaremos o segundo maior mercado consumidor da América. E isto tudo faz com que as publishers olhem o Brasil como um lugar para se investir. Isto tem acontecido cada vez mais rápido. A maioria das publishers procura um dublagem de qualidade porque a dublagem do jogo é muito mais específica, muito mais difícil do que uma dublagem convencional.
GB: Por que a dublagem de jogos é mais difícil?
GN: Porque não se tem um recurso audiovisual. Temos apenas o recurso auditivo, na maioria das vezes, e aí cabe ao diretor saber onde se encaixa cada arquivo de áudio e o que acontece com ele. Às vezes fazem uma coisa lá fora que no Brasil não pode ser do mesmo jeito. É uma direção que requer uma interpretação e um entendimento muito mais amplo. Requer também que estejamos em contato com a equipe que localizou o produto e poder toda hora estar perguntando o que está acontecendo em determinada situação. Fazemos várias reuniões desse tipo. É um processo completamente diferente do que é a dublagem convencional, é muita direção. O papel do diretor artístico é unir todos os processos de trabalho de todas as áreas, ter a certeza do que quer do ator dentro do estúdio, o que demanda inúmeras horas de estudo do material e de uma análise crítica minuciosa para tomar a escolha da melhor opção dramática de cada fala.
GB: Como a localização tem influenciado os jogos atualmente? O mercado de localização e dublagem tem crescido de forma absurda...
GN: Influencia muito. Vamos pegar o exemplo de um projeto que eu trabalho, o World of Warcraft: é um mundo paralelo, não uma história na Terra, então é descabido e impensado chamar um personagem de Garrosh Hellscream, temos que chamá-lo de Garrocha Grito Infernal, ué. Não é uma terra inglesa nem americana. Outro exemplo é o World of Warcraft: Mists of Pandaria, em que tem frases que são flertes e na época fizemos uma versão de uma música famosa: "que isso pandinha, que isso" em vez de "que isso gordinha, que isso", entende? Colocamos uma cantada aí. Procuramos o que fica melhor em português pois às vezes uma referência lá fora não vai ficar tão legal na nossa língua.
GB: É um cuidado em transportar pra nossa cultura...
GN: É uma obsessão, é mais que um cuidado pra mim. É uma obessão em tal sentido que a qualidade tem que ficar acima de qualquer coisa. Quando o Diablo 3 saiu dublado no mercado a taxa de aprovação foi de 98% no site do cliente, a Blizzard. Eles já falaram comigo que sou eu quem faço os produtos deles no Brasil. Podem mudar de estúdio e de dubladores, mas a direção artística eles não trocam. Pela qualidade proporcionada.
GB: Eu sou muito muito fã de Diablo, e deve ser incrível fazer isso, ao mesmo tempo imagino que existam dificuldades em trabalhar com um mercado tão passional, certo?
GN: É sim, é uma responsabilidade você trabalhar com um produto que é um sonho das pessoas e que muitas pessoas economizam dois, três meses da forma como elas tem de arrecadação de renda pra poder comprar aquilo, pra poder ter acesso a um sonho. É preciso ter um cuidado com esse produto, é uma mitologia, não é uma coisa qualquer. Eu vejo uns trabalhos aí que saem que não têm a menor preocupação com isso, falam qualquer coisa, e não é. Isso é um produto que há dois anos ultrapassou a indústria do cinema, então se você não vende arma, não vende tóxico, você está trabalhando na terceira maior indústria do mundo. Ano passado dos 10 filmes mais assistidos do mundo 7 eram da cultura nerd. Estamos lidando com um mercado que é extremamente rico e extremamente interessado em coisas boas. O Diablo 3 foi eleito pelo Uol Jogos como o melhor jogo dublado ano passado. Eu conheço um dos jornalistas e ele me disse: "Gustavo, não teve discussão na votação, em todas as outras categorias a gente saiu na porrada, mas nessa do Diablo foi unânime".
GB: Como é a equipe de dublagem? Quantas pessoase funções?
GN: Temos uma equipe de tradução e localização que tem tradutores e um lider de projeto. Na parte da dublagem a gente tem uma estrutura maior: uma empresa de dublagem com um estúdio, nele temos o técnico, o mixador, a secretária, a gerente do financeiro e o gerente da casa. Na parte artística, temos a direção e os dubladores. No Diablo 3 a gente teve um envolvimento entre artístico, pessoal e técnico de 150 a 170 pessoas mais ou menos.
GB: Quantos dubladores no Diablo 3?
GN: Aproximadamente 110 dubladores.
Para quem pensa em se tornar um dublador
GB: Como é a seleção de um dublador?
GN: Eu recebo o material original, converso com o editor de conteúdo da língua original e, dentro das orientações estabelecidas, ele me dá total liberdade pra escolher as pessoas que eu mais considero aptas a realizar o trabalho. Faço testes com essas pessoas, mas normalmente já sei quem vou chamar porque a gente já conhece o trabalho dela, já vi alguma coisa parecida e penso "nesse caminho que a gente vai trabalhar, modificar isso, modificar aquilo" e aí eu mando o teste e batemos o martelo.
GB: Como está o mercado de dubladores? Você diria que é fácil encontrar bons profissionais ou eles estão em falta?
GN: O mercado de dublagem é composto por vários profissionais muito talentosos, tanto no Rio quanto em São Paulo. Percebo muito carinho com a profissão e com a necessidade de sempre se aprimorar para poder fazer papéis diversificados e de maneira artística. Acredito que os profissionais queiram sempre desafios maiores e mais inovadores.
GB: Como se começa uma carreira de dublador?
GN: Nem sempre se começa de um jeito específico... Algumas pessoas do teatro, tevê ou que costumam fazer locução buscam a dublagem para um maior desenvolvimento de sua capacidade profissional. Por vezes, tem pessoas que iniciam a carreira na própria dublagem.
GB: Qual dica você daria para alguém que quer seguir na profissão de dublador?
GN: Estude muito. A pessoa pode até ter algum talento natural para a profissão, mas o exercício diário e a persistência em realizar o ofício são os que fazem com que nós possamos ser bons profissionais. Seja educado e trate as pessoas com urbanismo. Busque seu espaço e saiba que o seu espaço é só seu: não precisa tirar o de ninguém ou destruir o que alguém construiu. Talvez, o melhor conselho seja: ser humano.
Um pouco mais sobre Gustavo Nader
GB: Como você iniciou sua carreira? Tem algum trabalho de dublagem que você fez e considera marcante?
GN: Eu comecei há 21 anos, com um filme chamado “Tira no jardim da infância”, eu sou cria da dublagem. Fiz vários personagens que eu acho marcantes: Sam “Pirralho” Dullard; Ron Stoppable; Eddie, da Era do Gelo; Digger, da Lenda dos Guardiões; Imperador Hakan II, do Diablo III. E o ator Shia LaBeouf em um dos muitos filmes que fiz ele: Paranóia. Considero Paranóia um de meus melhores trabalhos. Ah... E o Leronard, do The Big Bang Theory!
GB: Como foi a transição de dublador para diretor de dublagem?
GN: Foi um processo natural. Como nunca tive uma voz conceituada como uma voz de galã, eu sempre busquei um senso estético artístico muito apurado. Sempre fui à procura do que eu achava mais natural, entender o senso da obra como um todo. Quando apareceu uma oportunidade na forma de um convite, aceitei. E tem sido uma experiência maravilhosa.
GB: Você ainda trabalha como dublador ou apenas como diretor? Vi que você dublou Regular Show. É um trabalho passado ou atual?
GN: Trabalho ainda com dublagem convencional, mas acredito que daqui a algum tempo não mais poderei fazer isso. O mercado tem visto o meu trabalho com muito bons olhos e eles buscam sempre uma pessoa qualificada para gerenciar este tipo de trabalho. Ah... Ainda faço o Fantasmão.
E você, leitor, gostaria de se tornar um dublador? Comente.
Revisão: Vitor Tibério
Capa: Felipe Araújo