Entrevista: Conheça o trabalho de Gustavo Nader, diretor de dublagem do Diablo 3

em 08/06/2013

Como já sabem, o GameBlast deu as caras pela CG Extreme , evento de computação gráfica que ocorreu no Rio de Janeiro e trouxe vários pro... (por Amèlie Poulain em 08/06/2013, via GameBlast)

Como já sabem, o GameBlast deu as caras pela CG Extreme, evento de computação gráfica que ocorreu no Rio de Janeiro e trouxe vários profissionais internacionais para dar palestras, como Tom Isaksen e Nathaniel Howe, que conversaram com a gente e contaram dos seus trabalhos. Também havia estandes com uma galera muito interessante, no da Unity conversamos com Jay Santos que falou dessa plataforma. No estande da Heroes of Newerth (HoN), conhecemos o trabalho de James Byron que nos concedeu a entrevista sobre esse belo trabalho.

Ainda no stand do HoN, esbarramos com Gustavo Nader, diretor de dublagem de Diablo 3, mas o que ele estava fazendo nesse estande? Será que vamos receber uma dublagem de HoN à altura? Ele não pode contar detalhes dessa parte, mas falou muito de seu trabalho, do mercado atual e do profissional de dublagem, que muitos gamers têm vontade de se tornar.

A dublagem e a direção


GameBlast: Como está o mercado de dublagem e localização de jogos atualmente no Brasil?
Gustavo Nader: É um mercado extremamente proeminente. Em três anos, nos tornaremos o segundo maior mercado consumidor da América. E isto tudo faz com que as publishers olhem o Brasil como um lugar para se investir. Isto tem acontecido cada vez mais rápido. A maioria das publishers procura um dublagem de qualidade porque a dublagem do jogo é muito mais específica, muito mais difícil do que uma dublagem convencional.

GB: Por que a dublagem de jogos é mais difícil?
GN: Porque não se tem um recurso audiovisual. Temos apenas o recurso auditivo, na maioria das vezes, e aí cabe ao diretor saber onde se encaixa cada arquivo de áudio e o que acontece com ele. Às vezes fazem uma coisa lá fora que no Brasil não pode ser do mesmo jeito. É uma direção que requer uma interpretação e um entendimento muito mais amplo. Requer também que estejamos em contato com a equipe que localizou o produto e poder toda hora estar perguntando o que está acontecendo em determinada situação. Fazemos várias reuniões desse tipo. É um processo completamente diferente do que é a dublagem convencional, é muita direção. O papel do diretor artístico é unir todos os processos de trabalho de todas as áreas, ter a certeza do que quer do ator dentro do estúdio, o que demanda inúmeras horas de estudo do material e de uma análise crítica minuciosa para tomar a escolha da melhor opção dramática de cada fala.

GB: Como a localização tem influenciado os jogos atualmente? O mercado de localização e dublagem tem crescido de forma absurda...
GN: Influencia muito. Vamos pegar o exemplo de um projeto que eu trabalho, o World of Warcraft: é um mundo paralelo, não uma história na Terra, então é descabido e impensado chamar um personagem de Garrosh Hellscream, temos que chamá-lo de Garrocha Grito Infernal, ué. Não é uma terra inglesa nem americana. Outro exemplo é o World of Warcraft: Mists of Pandaria, em que tem frases que são flertes e na época fizemos uma versão de uma música famosa: "que isso pandinha, que isso" em vez de "que isso gordinha, que isso", entende? Colocamos uma cantada aí. Procuramos o que fica melhor em português pois às vezes uma referência lá fora não vai ficar tão legal na nossa língua.

GB: É um cuidado em transportar pra nossa cultura...
GN: É uma obsessão, é mais que um cuidado pra mim. É uma obessão em tal sentido que a qualidade tem que ficar acima de qualquer coisa. Quando o Diablo 3 saiu dublado no mercado a taxa de aprovação foi de 98% no site do cliente, a Blizzard. Eles já falaram comigo que sou eu quem faço os produtos deles no Brasil. Podem mudar de estúdio e de dubladores, mas a direção artística eles não trocam. Pela qualidade proporcionada.

GB: Eu sou muito muito fã de Diablo, e deve ser incrível fazer isso, ao mesmo tempo imagino que existam dificuldades em trabalhar com um mercado tão passional, certo?
GN: É sim, é uma responsabilidade você trabalhar com um produto que é um sonho das pessoas e que muitas pessoas economizam dois, três meses da forma como elas tem de arrecadação de renda pra poder comprar aquilo, pra poder ter acesso a um sonho. É preciso ter um cuidado com esse produto, é uma mitologia, não é uma coisa qualquer. Eu vejo uns trabalhos aí que saem que não têm a menor preocupação com isso, falam qualquer coisa, e não é. Isso é um produto que há dois anos ultrapassou a indústria do cinema, então se você não vende arma, não vende tóxico, você está trabalhando na terceira maior indústria do mundo. Ano passado dos 10 filmes mais assistidos do mundo 7 eram da cultura nerd. Estamos lidando com um mercado que é extremamente rico e extremamente interessado em coisas boas. O Diablo 3 foi eleito pelo Uol Jogos como o melhor jogo dublado ano passado. Eu conheço um dos jornalistas e ele me disse: "Gustavo, não teve discussão na votação, em todas as outras categorias a gente saiu na porrada, mas nessa do Diablo foi unânime".

GB: Como é a equipe de dublagem? Quantas pessoase funções?
GN: Temos uma equipe de tradução e localização que tem tradutores e um lider de projeto. Na parte da dublagem a gente tem uma estrutura maior: uma empresa de dublagem com um estúdio, nele temos o técnico, o mixador, a secretária, a gerente do financeiro e o gerente da casa. Na parte artística, temos a direção e os dubladores. No Diablo 3 a gente teve um envolvimento entre artístico, pessoal e técnico de 150 a 170 pessoas mais ou menos.

GB: Quantos dubladores no Diablo 3?
GN: Aproximadamente 110 dubladores.

Para quem pensa em se tornar um dublador


GB: Como é a seleção de um dublador?
GN: Eu recebo o material original, converso com o editor de conteúdo da língua original e, dentro das orientações estabelecidas, ele me dá total liberdade pra escolher as pessoas que eu mais considero aptas a realizar o trabalho. Faço testes com essas pessoas, mas normalmente já sei quem vou chamar porque a gente já conhece o trabalho dela, já vi alguma coisa parecida e penso "nesse caminho que a gente vai trabalhar, modificar isso, modificar aquilo" e aí eu mando o teste e batemos o martelo.

GB: Como está o mercado de dubladores? Você diria que é fácil encontrar bons profissionais ou eles estão em falta?
GN: O mercado de dublagem é composto por vários profissionais muito talentosos, tanto no Rio quanto em São Paulo. Percebo muito carinho com a profissão e com a necessidade de sempre se aprimorar para poder fazer papéis diversificados e de maneira artística. Acredito que os profissionais queiram sempre desafios maiores e mais inovadores.

GB: Como se começa uma carreira de dublador?
GN: Nem sempre se começa de um jeito específico... Algumas pessoas do teatro, tevê ou que costumam fazer locução buscam a dublagem para um maior desenvolvimento de sua capacidade profissional. Por vezes, tem pessoas que iniciam a carreira na própria dublagem.

GB: Qual dica você daria para alguém que quer seguir na profissão de dublador?
GN: Estude muito. A pessoa pode até ter algum talento natural para a profissão, mas o exercício diário e a persistência em realizar o ofício são os que fazem com que nós possamos ser bons profissionais. Seja educado e trate as pessoas com urbanismo. Busque seu espaço e saiba que o seu espaço é só seu: não precisa tirar o de ninguém ou destruir o que alguém construiu. Talvez, o melhor conselho seja: ser humano.

Um pouco mais sobre Gustavo Nader


GB: Como você iniciou sua carreira? Tem algum trabalho de dublagem que você fez e considera marcante?
GN: Eu comecei há 21 anos, com um filme chamado “Tira no jardim da infância”, eu sou cria da dublagem. Fiz vários personagens que eu acho marcantes: Sam “Pirralho” Dullard; Ron Stoppable; Eddie, da Era do Gelo; Digger, da Lenda dos Guardiões; Imperador Hakan II, do Diablo III. E o ator Shia LaBeouf em um dos muitos filmes que fiz ele: Paranóia. Considero Paranóia um de meus melhores trabalhos. Ah... E o Leronard, do The Big Bang Theory!


GB: Como foi a transição de dublador para diretor de dublagem?
GN: Foi um processo natural. Como nunca tive uma voz conceituada como uma voz de galã, eu sempre busquei um senso estético artístico muito apurado. Sempre fui à procura do que eu achava mais natural, entender o senso da obra como um todo. Quando apareceu uma oportunidade na forma de um convite, aceitei. E tem sido uma experiência maravilhosa.

GB: Você ainda trabalha como dublador ou apenas como diretor? Vi que você dublou Regular Show. É um trabalho passado ou atual?
GN: Trabalho ainda com dublagem convencional, mas acredito que daqui a algum tempo não mais poderei fazer isso. O mercado tem visto o meu trabalho com muito bons olhos e eles buscam sempre uma pessoa qualificada para gerenciar este tipo de trabalho. Ah... Ainda faço o Fantasmão.

E você, leitor, gostaria de se tornar um dublador? Comente.

Revisão: Vitor Tibério

Capa: Felipe Araújo

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