Desde o advento do mundo dos games, a conclusão de títulos considerados difíceis foi sempre considerada motivo de orgulho entre muitos jogadores. Terminar jogos como The Simpsons naquele arcade da sua rodoviária, Super Ghouls’n’Ghosts em seu Super Nintendo ou até algum bizarro título de Atari (que muitas vezes era desenvolvido sem preocupação alguma com a possibilidade do jogador finalizar o jogo), tornou-se um tipo de troféu moral, e criou um certo nicho de mercado para jogos “difíceis”.
O que é dificuldade?
Desde o surgimento (ou talvez descoberta acidental) do conceito de dificuldade, muitos gêneros se viram buscando e desenvolvendo mecanismos para aumentar o nível de desafio em um game: inserção de inimigos mais resistentes, plataformas móveis, inteligência artificial agressiva... Toda sorte de artifícios que obrigassem o jogador a considerar o peso de cada apertar de botão. Estava lançada a corrida pela dificuldade.Nesta brincadeira, enquanto títulos como Castlevania tornaram-se instantaneamente um sucesso de crítica e público, outros, menos afortunados, foram classificados como obras injogáveis. Às vezes títulos que carregavam as mesmas mecânicas e premissas básicas tinham recepções radicalmente diferentes. Como pode?
O arco do machado faz um caminho perfeito para acertar este chefe |
A nível de comparação, o gênero plataforma pode servir bem de exemplo: enquanto títulos como Megaman, Metroid e o já citado Castlevania se preocupavam com a colocação exata de cada objeto e inimigo no cenário, games como Street Fighter 2010 (sim, isso veio antes de Street Fighter 2, e era um jogo de plataforma), simplesmente jogavam todos os desafios que podiam ao mesmo tempo. In your face.
Em Street Fighter 2010, a localização dos inimigos é caótica |
Resident Evil – Um clássico ultrapassado?
Sendo um dos primeiros títulos relevantes de Survival Horror (e talvez o grande responsável pela popularização do gênero), Resident Evil, lançado em 1996 para o PlayStation (e portado posteriormente para o N64), trazia em sua gloriosa apresentação live action uma clara mensagem sobre a abordagem do jogo: zumbis, sangue e terror.
A série, que ao longo dos anos ganhou diversas continuações, filmes e spin-offs, foi pioneira em vários conceitos de ambientação e jogabilidade. Enquanto os primeiros jogos tridimensionais dos consoles permitiam ao jogador uma movimentação rápida e estratégias de combate simples para derrotar todos os inimigos, Resident Evil trazia uma jogabilidade condizente com sua ambientação aterrorizante.
Munição limitada, número de saves limitado, corredores estreitos e uma movimentação travada. A ideia toda era passar ao jogador a sensação de opressão e medo e, dentro da proposta, tudo funcionava muito bem. A obrigatoriedade de parar para poder atirar, de saber quando lutar e quando correr e até mesmo de quando salvar o jogo, mantinham o jogador sobre pressão constante. Morrer não significava apenas um reload, mas várias horas de desafios a serem superados novamente.
Parar para atirar era uma forma de deixar o jogador vulnerável |
Com o passar dos anos, entretanto, mesmo tendo atualizado (com louvores) algumas de suas premissas básicas nos capítulos pós Resident Evil 4, a série acabou ganhando um certo status de antiquada. A fórmula de sucesso, que antes cativara muitos jogadores, parecia já não fazer mais tanto sentido.
Alguns acusaram o jogo de mudar demais suas raízes, outros falaram que tirar o foco dos zumbis tradicionais teria sido o começo do fim da série. Pessoalmente discordo: o problema parece estar em nós.
A questão fundamental, neste caso, é que esta abordagem parece ter envelhecido mal. Embora em seu tempo, a jogabilidade de Resident Evil tenha sido o grande padrão de qualidade do gênero, hoje, quando comparada a títulos mais modernos – como, por exemplo, Dead Space – estas travas impostas sobre a jogabilidade parecem perder um pouco do sentido.
Dead Space segue a linha de RE, mas com controles muito melhores |
Dark Souls – Fruto de uma nova escola
A dupla Demon’s Souls e Dark Souls pode ser considerada uma das grandes pérolas desta última geração. Ainda que não tragam grandes inovações per se, o modo com que os desenvolvedores expuseram os elementos dos títulos tornaram rapidamente a série um grande expoente. Dark Souls é, sem dúvidas, um jogo difícil.
Em uma primeira olhada superficial, os títulos da From Software se assemelhariam muito a um Fable, talvez até Zelda. A movimentação aberta, utilização de diversas armas, escudos e o vasto arsenal mágico disponível ao jogador não parecem realmente próprias para um jogo difícil. Na verdade, para quem assiste um bom jogador em sua jornada, o jogo pode parecer até simplório.
Diferente de Resident Evil, os mecanismos de dificuldade de Dark Souls encontram-se no outro extremo da linha. Se RE se caracteriza por impor uma atmosfera restritiva ao jogador, Dark Souls é completamente liberal em sua jogabilidade, mas cobra do jogador uma total atenção.
Calcular mal tempo de uma esquiva costuma ser fatal |
O que entra em questão aqui é a impiedade do jogo. Sem jamais tentar te atrapalhar, ele apenas expõe as regras (tempo de resposta entre cada ataque, peso de cada arma, resistência de cada escudo) e espera do jogador respostas adequadas a cada ocasião. Você dificilmente se verá em uma situação sem saída, apenas deverá jogar de modo inteligente, sem apertar botões aleatoriamente. Ná prática, podemos dizer que o maior mecanismo de dificuldade presente em Dark Souls é o próprio jogador.
De lá pra cá
Alguns jogadores mais antigos podem dizer que estamos ficando mal acostumados com essas jogabilidades mais liberais. Entretanto, novamente (e humildemente) discordo. Como vimos, não só foram só as mecânicas dos jogos que evoluíram, mas sim o próprio conceito de dificuldade e a capacidade dos consoles. Com isso, é natural que os jogadores anseiem por mais liberdade.Se antigamente era preciso impor ao jogador travas para que este se sentisse desafiado, hoje em dia estamos trabalhando com processos muito mais refinados. Em um comparativo (meio besta, eu sei): antigamente dávamos ao jogador uma pedra, e pedíamos para ele cortar o queijo enquanto pulava em um pé só; hoje, por outro lado, estamos dando ao jogador a faca e o queijo, mas obrigando que ele aprenda a cortar o queijo em cubinhos.
Naturalmente, grandes clássicos serão sempre clássicos. Está muito longe de mim questionar a qualidade de um título como Resident Evil, ainda assim, pelo bem dos jogos, estes precisam evoluir, e eu, particularmente, não sinto falta alguma de ter que ficar plantado no lugar para atirar contra um zumbi à queima roupa. Mas, e para você, amigo leitor, como é a dificuldade ideal?
Revisão: Leandro Freire
Capa: Douglas Fernandes