Fazendo uma homenagem (antes tarde do que nunca) a minha querida mãe e a todas às mães de gamers aficionados como eu, venho contar uma história curiosa que aconteceu comigo algumas semanas atrás. Na verdade, para contar esse relato, preciso voltar no tempo. Para ser mais específico, aos meus quatro anos de idade. Nessa bela época da vida em que as nossas preocupações são apenas comer, dormir, brincar, dormir, gritar, dormir, eu ganhei meu primeiro videogame. Era um Master System III, certamente um dos melhores consoles 8 bits que já existiram aqui em terras tupiniquins e o top de linha da época. Fiquei maravilhado! Quero dizer, criança fica maravilhada com qualquer coisa (exceto meias, porque nenhuma criança gosta de ganhar meias), mas aquilo era um videogame! E eu nunca tinha visto ou experimentado um, então era um mundo novo cheio de possibilidades se abrindo bem na minha frente.
A caixa era tão bonita! Ainda me lembro dela como se fosse hoje |
Para promover o console, a Tectoy teve a grande ideia de inserir na memória do Master System um único jogo que seria o suficiente para me conquistar e me iniciar no fantástico mundo dos videogames: Sonic The Hedgehog, versão 8 bits. O jogo do mascote azul da Sega era incrível! Eu ficava horas pulando, correndo e morrendo (mais do que poderia ser possível para um personagem eletrônico, na verdade, devido a minha inexperiência). Algumas fases do jogo pareciam tão complicadas de serem atravessadas que eu precisava até mesmo pedir ajuda para meu pai passá-las. Meu pai também não era exatamente um às com um controle de videogame na mão, mas com certeza, tinha mais coordenação motora do que um moleque de 4 anos. Ah! Que satisfação quando venci o jogo pela primeira vez (sozinho, dessa vez) e mandei a nave do Dr. Robtinik para o ferro-velho! Não tinha como uma criança ser mais feliz que eu. Valeu pela ajuda naquele chefão complicado, pai!
Tinha sérios problemas com esse chefão |
O estágio que traumatizou minha mãe |
Por esses e outros motivos, minha mãe não gosta muito quando acabo passando boa parte do meu tempo jogando ou comprando jogos, seja no PC, no Wii ou mesmo no 3DS. Eu até consigo jogar uma quantidade de tempo considerável, onde percebo que minha mãe se enfurece em silêncio, antes que ela diga: “Larga esse jogo, menino!”. Mas, às vezes, acho que tanta neura por causa dos jogos seja mais porque, como acontece com tantas outras pessoas, eles acabam tomando o tempo que poderíamos dedicar aos estudos ou a outras formas de lazer. Uma preocupação de mãe completamente compreensível, não é mesmo?
A reação da minha mãe a qualquer jogo |
Como meus pais sabiam que eu possuía uma bolsa em um projeto de desenvolvimento e simulação gráfica de cidades utilizando computação gráfica (meio óbvio, eu sei) na faculdade e como Bioshock Infinite se passava na cidade de Columbia, concebi a mentira mais mirabolante de todas. Olhei sério para minha mãe e ela me perguntou: “Está jogando, né?”e eu respondi, completamente dissimulado: “Não. Na verdade, estou testando um programa de simulação para interação com cenários que a faculdade forneceu para o projeto da bolsa”. Ok, eu sei. Essa foi a desculpa mais esdrúxula já feita na história das mentiras (ou certamente ficou no topo da lista). Mas acreditem, foi o melhor que consegui pensar naquele momento. Eu nem sequer esperava que minha mãe acreditasse na história mas, para minha surpresa, ela somente respondeu: “Ah, é mesmo? Deixa eu ver.” Gelei. Como assim, “deixa eu ver”? Tinha dito aquilo justamente para que ela não viesse ver o que de fato eu estava fazendo! Tentando continuar com minha mentira, resolvi arriscar e cedi o lugar na frente do PC para ela. Mostrei-lhe as teclas que ela precisaria usar para se movimentar na simulação e até resolvi lhe passar os fones de ouvido para lhe mostrar a qualidade do som daquele “trabalho acadêmico”. Sendo assim, minha mãe colocou os fones, usou as setas no teclado e começou o modo 1999 de Bioshock Infinite no meu lugar.
Ela chegou exatamente no momento em que Booker iria se sentar na cadeira no alto do farol e seria lançado para os céus. Olhando tudo com uma cara duvidosa e ao mesmo tempo espantada, podia ver a apreensão da minha mãe quando a cápsula do farol começou a subir pelos céus. Qual não foi a minha surpresa (e dela também) quando a visão de Columbia surgiu diante dos seus olhos! Eu fiquei impressionado não com a cena (que aliás, é uma das mais belas do jogo), mas sim com a cara da minha mãe! Com os olhos grudados na tela, boquiaberta, ela somente sussurrou duas palavras: “Que-lin-do...” Fiquei pasmo. Será que ela realmente achava que aquilo era uma “simulação” ou já havia percebido que se tratava de um jogo e estava me zoando desde o começo? Isso não interessava. Bioshock Infinite havia conseguido um feito impressionante que jamais eu pensei que seria possível: maravilhar a minha mãe.
Bonita essa "simulação gráfica", não é mesmo? |
Ela ficou muito admirada com o efeito das velas no cenário |
Com certeza, depois que meu espanto passou, fiquei com muita vontade de contar para ela sobre toda a verdade. Mas, preferi não contar. O problema é que não sou muito bom em guardar segredos (especialmente sobre uma experiência eletrônica tão excêntrica). Alguns minutos depois, falei bem despretensiosamente a ela: “Mãe, tu sabe que aquela “simulação” que você viu na verdade era um jogo?”. Por um instante, ela pareceu ficar completamente sem reação, como que digerindo aquela informação estranha. Então, quando eu pensava que ela ia me dar uma baita bronca, eis que apenas diz, bem calmamente: “Hmmm, foi o que imaginei. Mesmo assim, não deixa de ser bonito". Fiquei atônito e feliz ao mesmo tempo. Atônito por ela ter achado um jogo bonito e feliz por ela ser uma pessoa maravilhosa que merece esse gostinho de alegria proporcionado pelo mundo eletrônico dos games. Me senti muito contente ao perceber em que ponto o poder computacional chegou de poder criar coisas tão maravilhosas quanto um jogo que consegue se passar por “simulação de cidades”, deixando até a mãe de um gamer maravilhada. Além do mais, por mais boba que essa história possa parecer, ela demonstra como os jogos podem se aproximar da arte e não apenas permanecer no reino da diversão e provocar euforia nos mais entusiasmados ou mesmo nervosismo nos mais ansiosos (que não conseguem pular os troncos do meio de uma cachoeira). Se alguém ainda tinha dúvidas sobre a qualidade artística de Bioshock Infinite pode ter certeza que, se mesmo que uma pessoa que não gosta de games (mas não sabe que ele é um jogo) consegue achá-lo belo, realmente esse jogo tem um quê de surreal.
Ah! Ia quase me esquecendo: o modo 1999 de Infinite realmente é bem hardcore mesmo. Morri diversas vezes e fui jogado de volta ao menu de entrada do jogo. Sorte mesmo da minha mãe que apenas aproveitou as paisagens e os cenários fantásticos desse jogo antes de acabar levando uns balaços.
Minha mãe não teve a chance de conhecer nem um Handyman ou Elizabeth. Bom por um lado, ruim pelo outro |
Revisão: Leandro Freire
Capa: Felipe Araujo