Crônica

Minha mãe não gosta de games, mas adorou Bioshock Infinite

Fazendo uma homenagem (antes tarde do que nunca) a minha querida mãe e a todas às mães de gamers aficionados como eu, venho contar uma h... (por Unknown em 17/05/2013, via GameBlast)



Fazendo uma homenagem (antes tarde do que nunca) a minha querida mãe e a todas às mães de gamers aficionados como eu, venho contar uma história curiosa que aconteceu comigo algumas semanas atrás. Na verdade, para contar esse relato, preciso voltar no tempo. Para ser mais específico, aos meus quatro anos de idade. Nessa bela época da vida em que as nossas preocupações são apenas comer, dormir, brincar, dormir, gritar, dormir, eu ganhei meu primeiro videogame. Era um Master System III, certamente um dos melhores consoles 8 bits que já existiram aqui em terras tupiniquins e o top de linha da época. Fiquei maravilhado! Quero dizer, criança fica maravilhada com qualquer coisa (exceto meias, porque nenhuma criança gosta de ganhar meias), mas aquilo era um videogame! E eu nunca tinha visto ou experimentado um, então era um mundo novo cheio de possibilidades se abrindo bem na minha frente.

A caixa era tão bonita! Ainda me lembro dela como se fosse hoje

Para promover o console, a Tectoy teve a grande ideia de inserir na memória do Master System um único jogo que seria o suficiente para me conquistar e me iniciar no fantástico mundo dos videogames: Sonic The Hedgehog, versão 8 bits. O jogo do mascote azul da Sega era incrível! Eu ficava horas pulando, correndo e morrendo (mais do que poderia ser possível para um personagem eletrônico, na verdade, devido a minha inexperiência). Algumas fases do jogo pareciam tão complicadas de serem atravessadas que eu precisava até mesmo pedir ajuda para meu pai passá-las. Meu pai também não era exatamente um às com um controle de videogame na mão, mas com certeza, tinha mais coordenação motora do que um moleque de 4 anos. Ah! Que satisfação quando venci o jogo pela primeira vez (sozinho, dessa vez) e mandei a nave do Dr. Robtinik para o ferro-velho! Não tinha como uma criança ser mais feliz que eu. Valeu pela ajuda naquele chefão complicado, pai!

Tinha sérios problemas com esse chefão
Bem, muitos de vocês devem estar se perguntado por que meu pai entrou nessa história se o título dessa matéria fala sobre minha mãe. Será que o redator andou trocando as bolas, ou melhor, os pais? Não. Minha mãe observava todo aquele meu divertimento com muita alegria e com aquela satisfação que só uma mãe que dá um presente legal para o filho e vê ele feliz consegue ter. Mas um dia, ela cansou de ficar apenas olhando e, se até meu pai tinha experimentado o jogo e se saído razoavelmente bem, por que ela não poderia tentar, não é? E lá foi minha mãe, pegando o controle e começando o jogo do ouriço azul. Sem ofensas, naquele momento percebi que ela era habilidosa para muitos tipos de tarefas mas, definitivamente, não levava nenhum jeito com videogames. Controlando o pobre ouriço com dificuldade, a duras penas ela conseguiu chegar até o terceiro estágio do jogo. Isso foi realmente uma surpresa, para alguém que tinha caído de um penhasco umas 10 vezes, logo no início do jogo. Nessa altura do campeoneato, eu podia perceber que ela estava suando e estava muito inquieta. Nunca havia visto alguém ficar tão nervoso por causa de um jogo. Nem mesmo eu ficava desse jeito quando morria inúmeras vezes seguidamente. Foi então que minha mãe atingiu o ápice da cólera com o controle e o singelo corredor azul, quando próxima a um percurso de uma cachoeira, onde era necessária muita paciência e controle para pular de tronco em tronco e atingir o topo da queda d’água, ela começou a morrer diversas vezes, caindo por puro descuido. Acho que quando chegou na vigésima vez que ela tentava cruzar o percurso, comigo ao seu lado me coçando para agarrar o controle de suas mãos e terminar logo aquela fase, ela simplesmente gritou “Chega!”, largou o controle e saiu do meu quarto, deixando eu e o ouriço azul espantados.

O estágio que traumatizou minha mãe
Desde esse dia, minha mãe nunca mais jogou games. E não apenas não os jogou, começou a desprezá-los. Qualquer jogatina que mostrasse um nível maior de precisão era horrível aos olhos dela. Sempre que lhe perguntava o porquê de tanto desgosto, ela se lembrava da história da cachoeira e me dizia que games a deixavam nervosa. Mesmo assim, ela ainda joga alguns jogos que são, por assim se dizer, mais relaxantes e menos estressantes como Paciência e o Mahjong Titans do Windows. E devo dizer, ela é uma verdadeira craque nesses títulos! Vocês com certeza devem imaginar como que alguém que tem uma mãe que não gosta de games consegue gostar tanto deles e até escrever para um site como o Blast. Bem, digamos apenas que esse assunto não é o principal na hora da janta na minha casa e que sou rebelde mesmo.

Por esses e outros motivos, minha mãe não gosta muito quando acabo passando boa parte do meu tempo jogando ou comprando jogos, seja no PC, no Wii ou mesmo no 3DS. Eu até consigo jogar uma quantidade de tempo considerável, onde percebo que minha mãe se enfurece em silêncio, antes que ela diga: “Larga esse jogo, menino!”. Mas, às vezes, acho que tanta neura por causa dos jogos seja mais porque, como acontece com tantas outras pessoas, eles acabam tomando o tempo que poderíamos dedicar aos estudos ou a outras formas de lazer. Uma preocupação de mãe completamente compreensível, não é mesmo?

A reação da minha mãe a qualquer jogo
Bem, mais uma vez os leitores devem estar se perguntando porque ele está perdendo o foco da matéria e está falando tanto da mãe e não conta de uma vez a história envolvendo Bioshock Infinite, não é? Estamos chegando lá. Estava eu, sentado na frente do meu computador, fazendo alguns trabalhos da faculdade e, quando finalmente havia terminado todas as minhas tarefas acadêmicas (ou pelo menos encontrado uma forma de resolvê-las em outro momento), resolvi abrir o Steam e jogar alguma coisa. Como já havia ouvido e lido muita coisa sobre o incrível e quase insuperável modo hardcore de Bioshock Infinite, 1999, resolvi testá-lo. Sabia que não seria uma tarefa nem um pouco fácil vencê-lo, ainda mais para um jogador que consegue ter problemas até no easy de alguns jogo. Porém eu estava disposto a experimentar novas experiências. Então, iniciei o jogo, respirei bem fundo e me preparei para o pior. Ironicamente, o pior não foi a surra que eu poderia levar no jogo, mas sim a cara de desaprovação da minha mãe olhando para a tela do computador. Fiquei tenso na cadeira. O que eu poderia fazer? Ela certamente iria reclamar que eu estava jogando, que era um preguiçoso, que devia continuar estudando, coisa e tal. Então, pensando em escapar de tantas broncas, resolvi contar uma mentirinha muito singela.

Como meus pais sabiam que eu possuía uma bolsa em um projeto de desenvolvimento e simulação gráfica de cidades utilizando computação gráfica (meio óbvio, eu sei) na faculdade e como Bioshock Infinite se passava na cidade de Columbia, concebi a mentira mais mirabolante de todas. Olhei sério para minha mãe e ela me perguntou: “Está jogando, né?”e eu respondi, completamente dissimulado: “Não. Na verdade, estou testando um programa de simulação para interação com cenários que a faculdade forneceu para o projeto da bolsa”. Ok, eu sei. Essa foi a desculpa mais esdrúxula já feita na história das mentiras (ou certamente ficou no topo da lista). Mas acreditem, foi o melhor que consegui pensar naquele momento. Eu nem sequer esperava que minha mãe acreditasse na história mas, para minha surpresa, ela somente respondeu: “Ah, é mesmo? Deixa eu ver.” Gelei. Como assim, “deixa eu ver”? Tinha dito aquilo justamente para que ela não viesse ver o que de fato eu estava fazendo! Tentando continuar com minha mentira, resolvi arriscar e cedi o lugar na frente do PC para ela. Mostrei-lhe as teclas que ela precisaria usar para se movimentar na simulação e até resolvi lhe passar os fones de ouvido para lhe mostrar a qualidade do som daquele “trabalho acadêmico”. Sendo assim, minha mãe colocou os fones, usou as setas no teclado e começou o modo 1999 de Bioshock Infinite no meu lugar.

Ela chegou exatamente no momento em que Booker iria se sentar na cadeira no alto do farol e seria lançado para os céus. Olhando tudo com uma cara duvidosa e ao mesmo tempo espantada, podia ver a apreensão da minha mãe quando a cápsula do farol começou a subir pelos céus. Qual não foi a minha surpresa (e dela também) quando a visão de Columbia surgiu diante dos seus olhos! Eu fiquei impressionado não com a cena (que aliás, é uma das mais belas do jogo), mas sim com a cara da minha mãe! Com os olhos grudados na tela, boquiaberta, ela somente sussurrou duas palavras: “Que-lin-do...” Fiquei pasmo. Será que ela realmente achava que aquilo era uma “simulação” ou já havia percebido que se tratava de um jogo e estava me zoando desde o começo? Isso não interessava. Bioshock Infinite havia conseguido um feito impressionante que jamais eu pensei que seria possível: maravilhar a minha mãe.

Bonita essa "simulação gráfica", não é mesmo?
Pensei que assim que a cápsula pousasse no santuário da entrada de Columbia, minha mãe largaria os controles e os fones e voltaria aos seus assuntos, então gentilmente falei para ela que precisava continuar minhas “tarefas com a simulação” e pedi licença para voltar a usar o computador. Mais um vez me surpreendo e chego a soltar um risinho quando minha mãe afasta as minhas mãos do teclado e faz “shhh” para que eu fique quieto! Não conseguia acreditar, ela realmente queria continuar no jogo? Sim, ela queria. Tanto queria que ela se demorou no santuário, admirando os vitrais, as velas, enfim, todo o cenário que a cercava. Aceitou o batismo, relutantemente, para entrar na cidade e ficou completamente absorta ao percorrer os jardins que a separavam da entrada de Columbia. Ficava me dizendo, baixinho, durante boa parte de sua caminhada, elogios do tipo: “É perfeito”, “Incrível”, “Olha aquelas pessoas”, “Olha o céu!”. Eu apenas ficava concordando, sem acreditar no que estava presenciando. E quando eu achava que não era possível que ela ficasse mais maravilhada, ela abre a porta que dá para a praça central de Columbia e, ao vislumbrar a cidade pela primeira vez, seus olhos quase saltam para fora! Ela exclama, calmamente, um abismado “Meu Deus!” e fica um bom tempo parada, sem movimentar Booker.

Ela ficou muito admirada com o efeito das velas no cenário
Depois dessa primeira incrível impressão da “simulação”, minha mãe ainda ficou alguns minutos caminhando e reparando em cada detalhe de Columbia. Tudo aquilo a deixava simplesmente maravilhada: as pessoas, o cenário e até mesmo o movimento das folhas das árvores! Mas, depois de algum tempo, ela acabou se cansando de tanto caminhar, retirou os fones lentamente e passou o controle do computador de volta para mim. Ainda impressionado, me arrisquei e perguntei: “Então, o que achou?”. Com uma cara séria, mas confiante, ela me respondeu: “Olha, nunca tinha visto algo tão perfeito. É simplesmente incrível. E a qualidade do som me deixou impressionada”. Fiquei bobo. Realmente nem sabia o que dizer. Será que contava a verdade sobre o jogo ou simplesmente deixava minha mãe sair maravilhada dessa experiência bizarra? Resolvi ir pelo caminho mais simples e apenas respondi: “Que bom que você gostou”. Afinal, não seria justo eu estragar a alegria dela, ainda mais que ela resolveu abandonar a “simulação” no momento mais oportuno, ou seja, antes do inferno acontecer e Booker começar a ser perseguido e virar alvo das armas dos policiais.

Com certeza, depois que meu espanto passou, fiquei com muita vontade de contar para ela sobre toda a verdade. Mas, preferi não contar. O problema é que não sou muito bom em guardar segredos (especialmente sobre uma experiência eletrônica tão excêntrica). Alguns minutos depois, falei bem despretensiosamente a ela: “Mãe, tu sabe que aquela “simulação” que você viu na verdade era um jogo?”. Por um instante, ela pareceu ficar completamente sem reação, como que digerindo aquela informação estranha. Então, quando eu pensava que ela ia me dar uma baita bronca, eis que apenas diz, bem calmamente: “Hmmm, foi o que imaginei. Mesmo assim, não deixa de ser bonito". Fiquei atônito e feliz ao mesmo tempo. Atônito por ela ter achado um jogo bonito e feliz por ela ser uma pessoa maravilhosa que merece esse gostinho de alegria proporcionado pelo mundo eletrônico dos games. Me senti muito contente ao perceber em que ponto o poder computacional chegou de poder criar coisas tão maravilhosas quanto um jogo que consegue se passar por “simulação de cidades”, deixando até a mãe de um gamer maravilhada. Além do mais, por mais boba que essa história possa parecer, ela demonstra como os jogos podem se aproximar da arte e não apenas permanecer no reino da diversão e provocar euforia nos mais entusiasmados ou mesmo nervosismo nos mais ansiosos (que não conseguem pular os troncos do meio de uma cachoeira). Se alguém ainda tinha dúvidas sobre a qualidade artística de Bioshock Infinite pode ter certeza que, se mesmo que uma pessoa que não gosta de games (mas não sabe que ele é um jogo) consegue achá-lo belo, realmente esse jogo tem um quê de surreal.

Ah! Ia quase me esquecendo: o modo 1999 de Infinite realmente é bem hardcore mesmo. Morri diversas vezes e fui jogado de volta ao menu de entrada do jogo. Sorte mesmo da minha mãe que apenas aproveitou as paisagens e os cenários fantásticos desse jogo antes de acabar levando uns balaços.

Minha mãe não teve a chance de conhecer nem um Handyman ou Elizabeth. Bom por um lado, ruim pelo outro
Revisão: Leandro Freire
Capa: Felipe Araujo


Escreve para o GameBlast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.
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