Que Watch Dogs, a nova série queridinha da Ubisoft está fazendo sucesso, todo mundo já sabe. Com um enredo e mecânicas que prometem revolucionar o gênero Sandbox, o game tem tudo para ser um arrasa quarteirões. Muitos ficam de boca aberta a cada novidade, inclusive este redator que vos escreve, com o último trailer divulgado. E posso contar que minhas expectativas foram nas alturas depois de assisti-lo. Se você também se empolgou ao ver o vídeo, não deixe de conferir o especial de hoje, com direito a muitas reflexões, análises pontuais e, é claro, um pouco de especulação.
Desde a sua primeira aparição, na E3 do ano passado, Watch Dogs causou uma sensação diferente. Um misto de familiaridade e adoração. Tudo o que pensei quando anunciaram o título foi: “Até que enfim! Finalmente um jogo que retrata vários aspectos da nossa contemporaneidade”.
Especificamente falando, gosto de vários tipos de jogos, mas aqueles que possuem alguma espécie de crítica social embutida tem um lugar especial no meu coração gamer, e acredito que no de muitos outros jogadores. Assim como a maioria, também compartilho da ideia de que os games são obra de arte. Em decorrência disso, eles também devem estabelecer relações com a sociedade em que são produzidos.
O mais recente trailer de Watch Dogs mostrou exatamente isso: o quanto nossa sociedade atual é refém da tecnologia, já que dependemos dela para praticamente tudo. E mais, de como isso pode ser usado contra nós. Ainda que o que é visto no jogo esteja um pouco distante da nossa realidade, ele apresenta um futuro com o qual devemos nos preocupar.
Brincando com câmeras
O trailer começa com o estiloso protagonista Aiden Pierce andando pelos becos da cidade. Só eu achei o jeitão dele de caminhar parecido com o do John Constantine? O sobretudo que o diga. Não que isso seja ruim, longe disso, eu simplesmente adorei o design do cara. Anyway, ele entra em uma loja de conveniência como quem não quer nada e conversa com o atendente.
Vendendo os "bagulho". |
Nesse ponto ficamos sabendo que será possível vender itens “achados” pelas ruas. O grosso da economia do jogo ainda permanece um mistério, mas já sabemos que também é possível hackear caixas eletrônicos para descolar alguns trocados. O dinheiro poderá ser usado para comprar hardware, itens básicos (como remédios) e também armas, além de outros acessórios que não ficaram tão evidentes no vídeo. Ao que tudo indica, teremos bastante liberdade para montar um arsenal bem diversificado e adequá-lo ao nosso estilo de jogo, seja ele mais agressivo ou mais analista.
Mas o interessante mesmo nesse primeiro momento é quando o protagonista pretende invadir um quarteirão dominado pelos “caras maus”. O lugar está cercado por grades e vigias, além de lotado de câmeras de vigilância. Essa é a grande sacada aqui: a tecnologia usada para proteger o local é justamente a porta de acesso para ele ser invadido. Hackeando o sistema de segurança das câmeras, o protagonista consegue uma visão panorâmica de todo o lugar.
E o interessante é que você pode ir alternando entre as câmeras à medida em que avança pelo local. Na exploração, fica nítida a herança de Assassins’s Creed, já que você tem que abater os inimigos silenciosamente, mas aqui o uso de elementos do cenário é fundamental. Como você tem acesso a praticamente tudo que estiver ligado, as possibilidades de ação são inúmeras. Ainda não há como saber ao certo como será o nível de IA dos inimigos, ou de como eles reagirão às suas diferentes opções de ação, mas desde que você aja com cuidado, tudo ficará bem.
Outro ponto muito legal é o fato de poder usar objetos do cenário nos combates. Você pode hackear alçapões e usá-los como cobertura em um tiroteio, sem falar na possibilidade de descobrir locais que podem ser facilmente explodidos. A mecânica de combate parece fluida e muito eficiente, assim como o sistema de mira. Ao que tudo indica, a Ubisoft está realmente se esforçando para apresentar a melhor jogabilidade possível para os fãs.
A recompensa pela invasão não poderia ser outra: informação. Depois do tiroteio, Aiden hackea um sistema e obtém registros para completar sua missão. O controle da informação será um elemento chave ao longo de todo o jogo. Quem nunca ouviu aquela clássica frase de que “conhecimento é poder”? Pois é, parece que isso vai ser levado bem a sério aqui.
Uma cidade inteira como playground
O trailer também deixa a sensação de que a cidade inteira pode ser controlada em seus aspectos mais ínfimos. Você pode controlar desde as já citadas câmeras de vigilância, passando por telefones, caixas de banco, sinais de trânsito e o que mais estiver à disposição.
E isso é extremamente útil em alguns momentos. Como vimos no vídeo, Aiden é reconhecido por um comerciante (ao ter sua imagem mostrada no noticiário) e imediatamente precisou iniciar uma fuga (ligação direta é coisa do passado). Esse, ao menos para mim, foi o grande momento do trailer, onde o personagem manda uma mensagem clara: a cidade inteira está sob o meu controle.
Além de poder mexer com os sinais de trânsito para dispersar atenções indesejadas ou mesmo causar confusão, você também poderá ativar barreiras que literalmente vão arrasar os carros que estiverem em seu encalço. Tudo isso deixa as perseguições policiais muito mais interessantes do que simplesmente sair atirando à revelia.
Em GTA, por exemplo, se você fizer muita coisa errada e os policiais começarem a te perseguir nos níveis mais altos, não há muito o que fazer (não sem trapacear, pelo menos). Passando aquela clássica mensagem de que ninguém é invencível perante a lei e, mais cedo ou mais tarde, você será punido. Mas isso parece que não vai funcionar em Watch Dogs.
Se no jogo da Rockstar você é o cara errado, aqui é diferente. Já que Aiden parece lutar em prol de um mundo melhor, nesse caso, nem a polícia será capaz de deter sua determinação. E isso ficou bem claro no vídeo.
Novamente, como a Ubisoft gosta de incorporar mecânicas de outros jogos em suas novas produções, em Watch Dogs você também terá que despistar os seus perseguidores e se tornar anônimo em meio à multidão. Mas, ao que tudo indica, isso vai ser bem mais difícil em uma metrópole abarrotada de câmeras e civis.
Espero que tudo isso funcione perfeitamente na versão final do título. E que inúmeras outras surpresas nos aguardem, seja fugindo da polícia ou brincando de controlar uma cidade.
O Big Brother aqui é você
Se George Orwell, escritor do brilhante "1984" pudesse ver Watch Dogs, ele daria pulos de alegria. Já que o jogo inverte os conceitos de sua grande obra. No livro, todo um país é controlado pelo “Grande Irmão”, um sistema ditatorial que sabe de cada detalhe de sua vida, por meio de pesada vigilância.
No título da Ubisoft, você é o “Grande Irmão”. Os seus Ministérios são a tecnologia e a habilidade de hackear os dispositivos. Por meio deles, você pode saber de tudo o que acontece ao seu redor, além de poder observar praticamente qualquer coisa. Um prato cheio para os voyeur de plantão.
Ok, nem todo mundo está familiarizado com o conceito de voyeurismo e, ao contrário do que a maioria pensa, essa prática não está apenas relacionada com questões sexuais, mas sim com o ato de se sentir atraído pela privacidade do outro.
Como ficou bem claro no trailer, você vai poder invadir a privacidade alheia de diversas formas: hackeando seus celulares, tendo acesso assim às mensagens de texto, além da possibilidade de ouvir conversas e controlar câmeras de vigilância internas, podendo ver o que se passa no interior das residências. Essas são só as formas que tivemos acesso pelo vídeo, muitas outras podem vir por aí.
O que eu chamo a atenção é para as implicações que essas mecânicas provocam. Hoje em dia, vivemos em uma sociedade vigiada, onde cada um se esconde por trás de seu laptop, smartphone ou tablet com acesso à internet. O voyeurismo nunca teve tantas ferramentas disponíveis. E essa é uma das críticas que o jogo apresenta.
Nós poderemos invadir a privacidade de quem quisermos, com apenas alguns comandos. O recente trailer brinca com essa possibilidade: Aiden invade o computador central de uma residência e se depara com um homem, sentado no sofá conversando com um manequim roubado. Precisa dizer mais? É o típico comportamento de uma sociedade onde as pessoas abdicam do contado pessoal e só se comunicam online, causando distúrbios como carência excessiva e comportamentos considerados inadequados.
E o voyeurismo não se limita às residências, como eu disse, a cidade inteira é o seu playground. Ao hackear as centenas de câmeras espalhadas por Chicago, você pode saber de tudo o que está acontecendo: vigiar possíveis criminosos – que, como vimos, podem se revoltar com isso – além de inúmeras outras ações.
Acontece que a grande diferença aqui, é que você não pode apenas observar, mas agir. Voltando à metáfora do Big Brother, você pode decidir suas ações, como se fosse o “chefão”. E isso muda todo o universo do jogo, que está recheado de escolhas morais. Ao ouvir conversas, ou observar pessoas, você ficará sabendo de detalhes sobre suas vidas, alguns podendo até influenciar diretamente no bem estar da sociedade.
Por exemplo: ao hackear uma câmera de segurança, você percebe que alguns homens estão se preparando para assaltar inocentes. Quem decide o que fazer com essa informação é você. Lembra-se daquele comerciante que o reconheceu e acionou o alarme? Você pode tanto deixar o pobre homem em paz quanto estourar sua cabeça. Interfira ou deixe as coisas seguirem seu rumo, tudo depende do seu humor.
Quem tiver um forte senso de justiça, irá perambular pela cidade ajudando pessoas (ainda que esteja invadindo suas privacidades). Por outro lado, aqueles que desejam manifestar seu lado sombrio, podem escolher vigiar a vida de todo mundo e causar um verdadeiro pandemônio em Chicago. As escolhas morais são o tempero perfeito para todas essas mecânicas apresentadas.
Os males de uma sociedade vigiada
A violência é um tema recorrente em nossa sociedade. E o medo dela pode levar à medidas extremas. Imaginem, por um minuto, que após os ataques à Maratona de Boston (ou mesmo ao World Trade Center) os EUA decidissem radicalizar as medidas de segurança e instalassem câmeras de vigilância em todos os quarteirões das cidades. Apesar de contar com uma boa justificativa, a segurança e o bem estar público, essa medida é a mola propulsora para medidas totalitárias e mesmo ditatoriais.
Um Estado que tem o poder de vigiar abertamente sua população, até mesmo em seus momentos mais particulares, pode muito bem abusar desse poder. A linha é muito tênue, e pode acarretar em decisões nada benéficas para o bem comum. E não é exatamente isso o apresentado em Watch Dogs? Ao que tudo indica, Aiden é um adversário desse sistema. E caberá a você ajudá-lo nessa tarefa herculana.
Lembro-me de uma conversa que tive com um amigo há alguns anos. Falávamos utopicamente sobre os jogos no futuro poderem evoluir a ponto de dizermos: “Nossa, aconteceu isso comigo ontem” e o outro respondesse “Sério? Comigo foi totalmente diferente”. O que era apenas um devaneio, parece se tornar realidade com o presente título da Ubisoft.
A produtora mesmo afirmou que os eventos aleatórios são o grande destaque do jogo, mais importante ainda é a sua atitude perante esses eventos. Cada escolha poderá interferir ou dar início a uma série de novos eventos imprevistos. Já imaginou cenário melhor para lutar contra o governo?
No fim das contas, Watch Dogs tem tudo para ser uma fantástica, inesquecível e inigualável experiência. A possibilidade de lutar contra um sistema ditatorial utilizando suas próprias ferramentas é um tapa na cara dos conformistas de plantão. Talvez, após jogá-lo, algumas pessoas percebam que há ideologias e atitudes muito mais importantes do que bisbilhotar a vida alheia. Aguardemos.
Revisão: Jaime Ninice
Capa: Felipe Araújo