A caixa de ceticismo: estamos levando os videogames muito a sério?

em 12/04/2013

Atualmente, o que vocês mais ouvem quando um console novo chega ao mercado? Normalmente são palavras de pessimismo, e a impressão que fica... (por Luciana Anselmo em 12/04/2013, via GameBlast)

Atualmente, o que vocês mais ouvem quando um console novo chega ao mercado? Normalmente são palavras de pessimismo, e a impressão que fica é de que a maioria das pessoas decreta e até mesmo deseja o fracasso dos novos videogames, sempre com argumentos tendenciosos e sem sentido. Parece até que hoje mais discutimos do que jogamos! Sinceramente, eu sinto falta de quando o lançamento de um console era simplesmente um dia especial e feliz. E é para relembrar essa época e avaliar os tempos em que vivemos que no texto de hoje teremos um esquema diferente: uma descontraída conversa sobre o assunto entre eu, Luciana Anselmo, e Thomas Schulze, cujas opiniões vocês podem ler nas caixas azuis.

Videogames se tornaram caixas de ceticismo? 

Thomas, eu estava vendo um vídeo do Brental Floss fazendo um unboxing do Wii U esses dias e, embora seja um vídeo de humor - como todos os vídeos dele -, percebi que ele toca em uma questão bem séria também. Em resumo, o Brental abre a caixa do seu Wii U e fala algo do tipo: “É apenas uma caixa cheia de ceticismo. É um dia especial de um console novo e tudo o que eu posso fazer é criticá-lo e ser pessimista.” Dá só uma olhada:

Nossa, esse vídeo é tão engraçado e ao mesmo tempo tão triste... Na nossa época, comprar um console novo era um grande evento, quase como se fosse o dia de Natal. Quando chega um videogame eu fico explorando cada recurso e quase pulando de alegria pela casa estilo a criancinha do Nintendo Sixty-Foooour! Em cada aquisição de console eu esperava o melhor dos meus novos sistemas. Hoje, mesmo antes do lançamento de um videogame, o pessoal já parece disposto a profetizar a sua morte, com previsões apocalípticas dignas de um Nostradamus! Nada contra a nova geração de gamers, mas acho tão estranho olhar em volta e notar que sumiu aquela magia no coração das pessoas...

 É, eu me lembro de achar que os videogames eram uma das coisas mais divertidas existentes no mundo. Os visuais eram mágicos e diferentes da realidade, as músicas eram sempre cativantes, a história muitas vezes envolvente e até emocionante. Quando criança, eu me divertia com coisas bem simples e que não precisavam de muito para serem especiais. O tempo foi passando, nós fomos crescendo, e claro, tudo muda. Com os videogames não foi diferente. Eles também mudaram com o tempo e aparentemente se tornaram cada vez mais sérios. E parece que todo esse processo de envelhecimento fez o pessoal abandonar esses sentimentos mais infantis de alegria.

Se você é jovem ainda, amanhã velho será

Quer saber, Lú, agora me pergunto se o abandono da magia e da inocência por parte dos jogadores e da própria indústria de videogames não é responsável, pelo menos em parte, por essa onda de frieza e pessimismo que parece ter tomado conta do mundo. Não sei aí em São Paulo, mas pelo menos aqui no Rio de Janeiro até meus amigos andam meio chatos, reclamando de tudo o tempo todo.
 Acho que está assim no mundo todo. Mas sabe, o pessoal parece estar querendo tornar a indústria de videogames mais adulta à força. Se considerarmos o começo da indústria dos videogames como sua infância, então podemos dizer que agora ela está passando por um período muito chato da adolescência. Se antes tudo era lúdico, novo, excitante e com muito a se aprender, hoje parece que a indústria quer parecer madura a todo custo e deixar seu passado pra trás!


É a mesma coisa de quando alguém acha que tem que começar a se esquecer de tudo o que gostava ou fazia quando era mais novo. Conforme vamos nos tornando adultos, até mesmo pela pressão da sociedade, acabamos nos forçando a ser mais maduros. Ironicamente, essa é uma das coisas mais infantis do mundo!

Te digo uma coisa: nunca deixei de fazer nada por causa das opiniões dos outros. Eu sei do que gosto e não preciso provar para ninguém que sou adulta. E com certeza não é o simples fato de parar de assistir desenhos, ler HQs ou deixar de jogar Mario ou Pokémon para jogar um game “realista” qualquer que atesta a maturidade de ninguém!
Essa é a melhor postura possível, Lú! Acho que as pessoas estão se esquecendo da verdadeira razão por trás da existência dos videogames: eles não surgiram para serem rotulados, para separar os jogadores hardcore dos casuais, ou as crianças dos adultos. Videogames existem, antes de qualquer coisa, para nos divertir. São um passatempo de apelo universal com o intuito de agradar adultos, adolescentes e crianças sem distinção, e acho que só podem ser apreciados completamente quando são encarados assim. 
E tem outra coisa: antigamente a tecnologia não permitia que os videogames se estendessem muito além das limitações da época, então os desenvolvedores tinham que se esforçar bastante para fazer com que tudo fosse divertido, interessante e que nos envolvesse de alguma forma. O que também implicava em jogos extremamente difíceis para que não percebêssemos o quanto esses games eram curtos e simples. Não sou cega, eu sei que nessa época tivemos muita coisa ruim e bizarra, mas tínhamos muitas coisas inesquecíveis também, então tudo se equilibrava de alguma uma forma, e o mercado ficava bem balanceado. Sei lá, talvez seja porque tudo o que é novo parece ter um gás maior, uma grande energia e entusiasmo, seja para causar uma boa impressão ou porque quando fazemos algo novo nos esforçamos para que seja feito da forma mais perfeita possível. Agora quando o tempo passa e a novidade se torna rotina, o esforço de antes entra em declínio e começamos a nos sentir mais acomodados porque pensamos que já entendemos e sabemos tudo que estamos fazendo.

A cultura da seriedade

 Olha Lú, vou ser sempre o primeiro a dizer que videogames são peças essenciais de nossa cultura, mas parece que hoje em dia a galera “madura” está mais preocupada em debater do que em jogar, não é? Quer dizer, olha como repercutiu aquela declaração da ministra da cultura sobre videogames. E todo mundo se irritou tanto com isso... 

Nossa, é verdade, com toda essa polêmica de “jogos são cultura” o que mais vemos por aí são discussões sobre o assunto, tanto nas rodinhas de amigos como nos veículos especializados. Entendo e concordo que seja importante estabelecer uma opinião sobre isso e que mais importante ainda é fazer os outros entenderem e respeitarem o espaço que os games alcançaram ao longo do tempo. Mas, pensa bem, será que não estamos chegando ao ponto de levar tudo muito a sério? (ainda mais uma política)

É fato que todos os tipos de entretenimento podem ser educativos e filosóficos, mas no conceito geral, todos de alguma forma são concebidos para nos divertir, distrair e fascinar. Talvez a mudança de foco tente refletir as mudanças que o próprio desenvolvimento dos videogames sofreu. Afinal, o processo de se fazer um jogo hoje em dia é muito mais trabalhoso do que nas décadas passadas, em que pequenas equipes desenvolviam seus jogos com baixíssimo orçamento. Para fazer um jogo hoje, há muito investimento e muita pesquisa envolvida. Os desenvolvedores têm uma grande preocupação com os detalhes, mas ainda assim acredito que o objetivo final seja de nos proporcionar horas divertidas e nos entreter, e não causar grandes discussões por aí.

Fora que o que mais vemos hoje são jogos que tentam chegar ao máximo de realismo possível. Isso não é algo ruim por si só, mas causa um efeito chato nas pessoas. Tenho a sensação de que elas querem transformar esses games caríssimos e “realistas” em algo que eles não são e colocá-los em um pedestal superior ou algo assim, como se eles fossem melhores que os jogos do passado. A indústria e os jogos podem ter passado por grandes mutações, mas ela é e sempre foi apenas isso: uma indústria de entretenimento. Então se A ou B a rotulam como cultura ou não acaba sendo indiferente, não acho que um jogo novo e adulto seja mais ou menos cultura que os jogos antigos, e certamente não são mais maduros só porque contam com maiores investimentos.

Da guerra dos consoles à guerra dos jogadores 

É engraçado lembrar que a clássica “Console Wars” entre Nintendo e SEGA nos anos 1990, mesmo sendo bem agressiva e acirrada, não causava esse sentimento destrutivo que existe hoje, né? Lembra que o pessoal defendia seus consoles com unhas e dentes, mas ninguém fazia essas análises “adultas” e torcia pelo fim da Nintendo e da SEGA? 

Claro que lembro! O problema real parece ter começado de leve na época do GameCube, PlayStation 2 e Xbox, e ficou bem intenso e quase insuportável na geração seguinte. O que aconteceu com o lançamento do Wii foi inacreditável: a Nintendo ganhou o rótulo de infantil só porque ela tinham um foco diferente. Ou seja, tantos anos de empresa foram simplesmente jogados no lixo porque não quis “seguir o rebanho”. Engraçado como as pessoas têm memória curta, não é? Esquecem que se não fosse a Nintendo, a indústria de jogos dificilmente existiria ou ao menos seria do jeito que é hoje. A Big N foi precursora em quase tudo que se trata de videogames.

Mas Lú, não acha que os jogos modernos da Sony e Microsoft estão empurrando os videogames para frente e estabelecendo novos padrões de excelência em tecnologia? Por exemplo, David Cage e seu Heavy Rain me impressionaram bastante nessa geração, contando uma história interessantíssima e envolvente. E temos outros exemplos nessa linha, como os fantásticos Mass Effect e The Walking Dead com suas escolhas morais que aumentam a imersão do jogador, ou Red Dead Redemption e Alan Wake com seus roteiros que nada devem para o cinema. Esses jogos acabaram me impressionando mais do que qualquer coisa que a Nintendo fez no Wii, então será que essas experiências mais séries não são os videogames do futuro, e agora servirão de tendência? 

Isso lá é verdade. Mas, apesar de discordar de algumas escolhas da Nintendo na geração Wii, respeito muito a Big N por ter sempre uma identidade própria. A empresa está aí há décadas, tem as franquias e os personagens mais famosos, sendo facilmente a empresa mais influente da história dos videogames. Ainda assim, sempre houve e sempre haverá espaço para todos os tipos de jogos. Talvez o maior diferencial da Nintendo, e um exemplo a ser seguido, é que a companhia amadureceu e seguiu seu próprio caminho, tomando suas decisões sem se importar com a opinião alheia. Enquanto isso, a maior parte da indústria e dos jogadores ficam presos nessa infantil atitude de se levar a sério demais e se esquecem da diversão.


A Nintendo realmente acabou ficando meio afastada desses jogos mais focados na narrativa na geração passada, mas as pessoas se esquecem que essa sempre foi a postura da Big N. Se distanciar de obras mais adultas e focadas na narrativa não é algo que aconteceu exclusivamente no Wii, e nem por isso a empresa deixou de ser a maior lançadora de tendências. Nos próprios tempos do SNES, inegavelmente um dos melhores e mais amados consoles de todos os tempos, quem queria jogos focados na narrativa buscava diversão no PC, onde desenvolvedoras como a LucasArts lançavam excelentes games para o pessoal mais adulto, como Grim Fandango, Full Throttle e The Dig. Acho que os videogames são ótimos justamente porque há uma imensidão de estilos de jogo, e cada gamer sempre pode escolher qual plataforma o diverte mais. A diferença é que nos anos 80-90 não havia essa verdadeira obsessão em rotular jogos mais maduros como jogos superiores.  
Exatamente! No fim das contas, videogame foi feito para divertir, é entretenimento e não algo a ser analisado friamente e dissecado com inúmeras discussões que não levam a nada! Isso não é amadurecer. Para tanto, você tem que lembrar de quem você é (como diria o sábio Mufasa), pelo que você já passou, o que fez, o que gosta e não simplesmente tentar esquecer o passado. A indústria de games deveria se lembrar do que já foi e se tomar como exemplo. Sua base é o que não deveria ter sido para trás, é ela que pode trazer o verdadeiro amadurecimento e quem sabe algo de bom não sai daí um dia. Mas olha Thomas, a gente está aqui reclamando que todo mundo só discute e leva tudo a sério... e no fim, estamos fazendo o mesmo. :)
Verdade! Mas até que essa discussão teve sentido e foi a algum lugar não é? Aposto que pelo menos os leitores vão gostar. Mas vamos fazer o seguinte então, enquanto nossos queridos leitores leem e comentam sobre a nossa discussão, vamos fazer o que tanto falamos e vamos nos divertir com um multiplayer de Mario Kart 7!
Colaboração: Thomas Schulze
Revisão: Rafael Becker
Capa: Daniel Machado

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