Um importante museu de arte moderna de Nova York, o MoMA, adquiriu recentemente uma coleção de videogames para exibição pública em uma de suas galerias. O museu admitiu abertamente que considera videogames uma forma de arte. Essa afirmação foi feita tanto com a atitude da compra e exposição dos jogos quanto de forma verbalizada em seu site oficial. Mas, o que isso significa para nós, gamers, apreciadores e criadores de jogos? Esta é a questão que pretendo abordar aqui.
Um museu criterioso e vanguardista
O museu trata sua exposição, naturalmente, de forma muito séria. Além de dizer que videogames são arte com certeza, ele também os classifica como "design interativo", e a categoria design tem ganhado muito espaço na arte contemporânea, especialmente pelo MoMA, que tem uma abordagem mais moderna e que busca trazer o que há de relevante na contemporaneidade para suas galerias - e sofrendo muitas críticas por isso.
Pac-man foi um dos selecionados |
O museu escolheu criteriosamente 14 títulos e tem uma "lista de desejos" de 40 jogos no total. A curadoria contou com a ajuda de profissionais de diversas áreas para refinar a seleção e relevância dos jogos escolhidos. Assim como em todos os outros objetos em exposição no museu, busca-se uma "combinação de relevância histórica e cultural, expressão estética, solidez funcional e estrutural, abordagens inovadoras à tecnologia e ao comportamento e uma síntese bem-sucedida de técnicas e materiais ao atingir o objetivo estabelecido pela programação inicial", portanto um jogo que não se encaixe nessas exigências não seria incluído mesmo se tivesse alcançado imensa popularidade.
A escolha dos títulos possui critérios variados que incluem até a "elegância do código". Alguns dos traços centrais de design interativo que o museu considerou, e publicou em seu site, são: Comportamento: como a experiência geral do game, como cenários, narrativa, regras etc., age no sentido de estimular o jogador. O que um jogo pode incentivar, ensinar, educar ou que emoções pode induzir, que tipo de testes, experiências e questionamentos pode trazer; Estética: De acordo com a tecnologia disponível, qual o nível de experiência estética, beleza e elegância o jogo pode proporcionar. O quão inovador os designers foram dentro das limitações tecnológicas; Espaço: O espaço construído com código de programação e os sentimentos evocados, os possíveis novos graus de expressão e liberdade espacial no mundo virtual; Tempo: A essência do design interativo está no tempo e sua dinâmica. A escolha entre progressões lineares ou diversificadas, o tempo da experiência geral e a experiência virtual de tempo.
Nem todo mundo gostou da exposição
Xadrez também é arte? |
Como já era esperado, algumas pessoas não gostaram da exposição, mesmo sem sequer tê-la visitado. Se o museu diz - e age em prol de que - os videogames são arte, alguém vai discordar. Uma crítica relevante veio do jornalista Jonathan Jones, que fala sobre arte no The Guardian. Ele questiona a seriedade com que algumas pessoas estão levando a questão dos videogames. Sua primeira pergunta é quanto a um acadêmico que defende a noção de videogames como arte por sua dimensão de liberdade e autoria compartilhada, e não entende o que um professor universitário, uma pessoa nada jovem, estaria fazendo ao jogar videogames. Aí ele já mostra sua descrença em jogos em geral.
Para além da esfera do quase deboche, Jonathan Jones busca definir arte e contestar o museu, e argumenta que "um trabalho artístico é a reação de uma pessoa à vida", e que independente do material utilizado, arte deve ser um ato de imaginação pessoal. O mundo eletrônico seria um grande playground de interações entre jogador e programador, e nenhum dos dois possui o jogo. Se não existe artista, portanto não existe obra artística.
Outro argumento, inserido levemente no final do texto, é o de que existe uma diferença entre jogos e arte, e isso precederia a era digital. Um tabuleiro de xadrez pode ser magnífico e seu criador pode ser o artesão mais prendado de seu tempo, mas o jogo em si não é arte e muito menos gera arte, é apenas um jogo. E o mesmo vale para as peças "maravilhosas" escolhidas pelo MoMA.
O MoMA trouxe à tona uma discussão pertinente, mas nada nova
O site sobre entretenimento, Omelete, publicou um vídeo intitulado "Videogame é arte, sim!!!", com várias exclamações, onde ousaram entrar no campo das discussões e publicar sua posição perante a atitude do museu e citam, inclusive, o artigo de Jonathan Jones. Alguns de seus argumentos são de que "a arte depende do observador" e que "o conceito de arte varia com o tempo". Inegáveis, apesar de imprecisos.
O MoMA não foi o primeiro museu a pensar em jogos como arte. O Smithsonian American Art Museum, em Washington D.C., por exemplo, também trouxe a exposição The Art of Video Games, em 2012, com um histórico dos games e sua argumentação em torno da inclusão dos games no mundo da arte. Além disso, trazia entrevistas em vídeo com desenvolvedores e artistas.
Isso prova que, apesar de ousada, a iniciativa do MoMA não é a única e a discussão não começou agora. Um vídeo de 2010 do TED - uma conferência anual na Califórnia sobre tecnologia, entretenimento e design, referência em inovação e sem fins lucrativos - mostra uma jovem estudante de games, Kellee Santiago, também uma desenvolvedora da thatgamecompany, argumentando que videogames já são arte.
Para esse vídeo existir, o crítico de cinema Roger Ebert publicou que "Videogames nunca serão arte". Conhecido por sua erudição, Ebert argumenta que "enquanto houver um filme ou livro bom ele não gastará seu tempo jogando" e que "ninguém conseguiu citar um jogo que valha a comparação com grandes poetas, cinegrafistas, escritores, pintores ou compositores". Além disso, ele argumenta que, apesar da tecnologia, os jogos não são novos, são parte da nossa história cultural tão antiga quanto nossa própria linguagem, por exemplo, e que nunca foram considerados arte. Jogos como xadrez ou go existem há séculos e ninguém os quis considerar arte. O mesmo vale para o baralho. Poucos cientistas sociais ou historiadores da arte se deram ao trabalho de citar os jogos, e os poucos que o fizeram os retratam como diversão, algo entre "inofensivo" e "muito danoso à juventude". Mas nunca arte.
Kellee Santiago, em seu vídeo, cita Ebert e o contradiz sem medo, pois se ninguém citou até agora um jogo que valha, ela o faria. E definiu arte pela sua interação com o ser humano e sua capacidade de evocar sentimentos. Começou sua argumentação com Braid, que traz à tona questões como os erros e a impossibilidade de mudarmos pequenas atitudes, e seus efeitos na vida. Citou também Flow e Flower, da thatgamecompany, por sua sutileza e por expressar sentimentos íntimos de seus criadores. Por fim, no auge de seu discurso, Kellee afirma que os videogames são o surgimento de uma nova mídia, e que temos a sorte de vivenciar uma transformação global nas comunicações, na forma de nos expressarmos. O quão excitante é viver essa era de mudanças e presenciar o surgimento de uma nova arte.
Eu acrescentaria que os jogos não são novos, mas os videogames são. E trazem consigo um mar de possibilidades. Muitas já exploradas e uma quantidade incalculável ainda a ser descoberta. As possibilidades narrativas trazidas pelos videogames são inegáveis. Sua interatividade traz uma vivência jamais conhecida a não ser que uma civilização muito evoluída tenha passado pela Terra sem deixar rastros. Não sabemos até onde os videogames podem nos levar.
Então, é arte ou não é?
Para responder a essa pergunta precisaríamos definir arte. O Omelete nos diz que o conceito de arte varia com o tempo. Não sei se o conceito varia, mas os exemplos definitivamente sim. Se no futuro críticos (e, não se enganem, o mercado artístico - o dinheiro - tem um grande poder de manipulação) decidirem que certos games definem a nossa época, provavelmente a exposição do MoMA não terá sido em vão.
Quanto à crítica de que videogames não podem ser arte porque não têm um autor, não têm um dono, a resposta é simples: o cinema também não, já que também depende de uma equipe enorme - apesar de muitas vezes ser infinitamente menor do que um jogo grande. E o cinema sofreu as mesmas dificuldades dos videogames em seus primórdios, tanto que é considerado "A Sétima Arte" porque alguém resolveu fazer um manifesto e incluir essa nova mídia na alta cultura. A fotografia entrou em oitavo, não oficialmente. Veja bem, o filme é composto de fotografias, e mesmo assim ela teve que vir depois. Advinha quem entrou em décimo? Sim, os videogames (em nono ficaram os quadrinhos). Essa escala é pra lá de não-oficial, mas quem dita o certo e o errado quando se trata de cultura?
Para definir arte precisaríamos de uma leitura extensa de filósofos, críticos, artistas, etc. E talvez nem assim. Existe um sentimento geral sobre o que é arte, mas como questão fundamental, ninguém consegue uma resposta precisa. O termo veio do grego techne, que falava sobre técnica, mas também era uma primeira forma de se falar sobre ars, que virou arte, artesanato, etc. Os gregos não valorizavam os artesãos e só fazia arte quem não era bom o suficiente pra ir pra guerra - estes sim eram os heróis. No Renascimento, séculos depois, surgiu a grande arte, que era dissociada do utilitarismo, e servia ao bel-prazer do apreciador. Conhecemos as belas-artes. Hoje temos uma infinidade de teóricos definindo o indefinível: o que é arte? Quem são os artistas? Eu poderia gastar incontáveis parágrafos para essa definição e ainda não chegar a lugar nenhum.
Quando um museu relevante como o MoMA faz uma exposição permanente sobre games e afirma que os mesmos são arte, o que acontece é o que chamamos de argumento de autoridade. Pessoas respeitadas na área dão seu parecer e para que alguém contra-argumente precisará de opiniões sólidas e embasadas, pois foi alguém com muito conhecimento prévio que afirmou.
Ebert, depois de dizer que não gastava seu tempo com games e que eles nunca seriam arte, arrependeu-se simplesmente de ter tocado no assunto. E esse arrependimento foi a coisa mais certa de todo seu discurso, pois, independente da conclusão, o que importa é a discussão. Enquanto os games estiverem na boca do povo, na boca das autoridades intelectuais, no MoMA e na boca dos críticos de arte, eles estão vivos enquanto expressão humana.
Revisão: Vitor Tibério