O conceito de imersão
A grosso modo, imersão é a capacidade de uma obra de fazer com que o expectador mergulhe mentalmente em seu universo. Quase como um superpoder, obras imersivas são capazes de produzir efeitos sinestésicos, fazendo com que o público perca momentaneamente o chão da realidade, prendendo então sua atenção.Embora o termo seja repetido como um verdadeiro mantra a cada jogo apresentado, tal conceito jamais foi exclusividade dos jogos digitais. Dos mais antigos escritores, aos modernos cineastas de Hollywood, a possibilidade de absorver intelectualmente alguém sempre foi o Santo Graal dos produtores de entretenimento.
O discurso
Para alguns desenvolvedores, entretanto, a parte gráfica seria a grande responsável pela imersão do jogador. Nas palavras de David Cage – designer de títulos como Heavy Rain e Indigo Prophecy, a capacidade de trabalhar com mais polígonos, na prática, se traduziria em melhores expressões faciais e, portanto, uma melhor representação da emoção. Assim, a ideia por trás de todo jogo seria trazer experiências cinematográficas interativas para sua sala de estar.Entretanto, se só essa alta contagem de pixels na tela definisse nossa capacidade de empatizar com toda obra, como conseguíamos isso antigamente? Teríamos nós experimentado falsas ou inferiores sensações de imersão com os grandes títulos dos consoles de 8 e 16 bits, ou ainda com um bom livro? Certamente que não.
Não é preciso ir longe para perceber que o conceito de imersão em uma obra está associado a muito mais do que sua apresentação visual. Não é raro pegarmos jogos com um altíssimo investimento na parte gráfica, pelos quais tudo que sentimos é tão somente uma contemplação apática. Artisticamente, nosso senso de apreciação está diretamente relacionado a diversos elementos que são parte da composição... Na prática, é só comparar uma péssima foto como uma boa pintura impressionista, e percebemos que o valor não está no foto realismo.
Dissonância Ludonarrativa
Você já deve ter visto obras que, por mais visualmente impactantes que sejam, acabam por não despertar nenhuma aspiração sincera por parte do jogador. Jogos em que o investimento em texturas e modelos supera em muito o trabalho feito em programação, design ou narrativa. Estas experiências aparentemente desconexas, são o que chamamos de dissonância ludonarrativa.O termo, cunhado por Clint Hocking – ex-diretor criativo da LucasArts e da Ubisoft, descreve a situação onde nosso cérebro percebe uma incompatibilidade entre os elementos narrativos, visuais e mecânicos que estão sendo apresentados. Traduzindo: quando a jogabilidade contraria a história e ambientação do título.
Liberdade enjaulada
Sendo uma das mais criticadas encarnações da série, Final Fantasy XIII é um dos grandes exemplos dessa inconsistência entre elementos internos. Durante a introdução, somos apresentados a um mundo caótico, repleto de eventos e termos complexos. Ao jogarmos, entretanto, somos obrigados a seguir em linhas retas, quase sem explicações, apenas enfrentando inimigos dispostos de modo conveniente no meio do caminho.Reparou no mapinha ali em cima? |
O fim do mundo pode esperar
Vale lembrar que esta dissonância está presente em todos os títulos, em maior ou menor escala, e, por mais que obtenhamos experiências definitivamente imersivas, o realismo absoluto nos jogos é um tanto utópico. Ainda que não pequem em suas mecânicas fundamentais, mesmo os melhores games apresentam pequenas falhas de consistência entre as reações do mundo para com os atos do personagem, entretanto, estas podem até abrir um sorriso sincero do jogador ao escalar montanhas com um cavalo, ou ignorar solenemente a erupção de trevas na cidade vizinha enquanto se diverte em uma taverna.Cavalos não ligam para a física. |
Por mais que todos gostemos de ver belas imagens em alta definição, é inegável que estas têm sido utilizadas para esconder o grande vazio de muitas obras, recauchutadas anualmente com novas texturas para serem vendidas como novos jogos. Assim sendo, não devemos esquecer dos pequenos detalhes que fazem de muitas obras verdadeiramente inesquecíveis. Eventos que acontecem dentro do game, as vezes sem chamar a atenção, de simples trejeitos linguísticos, a coesão entre elementos visuais e narrativos - a verdade é que estes detalhes são muito mais determinantes, do que a frágil camada de verniz que é a apresentação visual.
Revisão: Leandro Freire