American McGee se tornou famoso por sua participação nos jogos American McGee's Alice e Alice: Madness Returns, pela EA Games. Atualmente mora em Xangai, China, onde fundou a desenvolvedora de jogos Spicy Horse. Com vários títulos lançados, a próxima aposta da empresa Indie é Akaneiro, versão sombria e oriental de Chapeuzinho Vermelho. A empresa está buscando financiamento em uma campanha do Kickstarter, que está quase terminando. American McGee fala exclusivamente ao GameBlast sobre seu atual projeto, os enredos dos jogos Alice, o quesito China, a indústria indie e um pouco de si mesmo. Confira.
Akaneiro tem alguma semelhança visual com Chapeuzinho Vermelho, mas não é tão parecido em termos de roteiro. De onde vêm as idéias?
A primeira ideia para Akaneiro veio da leitura de um livro chamado Os Lobos Perdidos do Japão (The Lost Wolves of Japan, sem edição em português), que conta em detalhes a destruição de lobos no norte do Japão por volta de cem anos atrás. Este extermínio foi causado por pecuaristas ocidentais, que introduziram o consumo de carne bovina e criação de gado a um povo que era vegetariano - e que vivia em relativo equilíbrio com a natureza. Esta história incitou maior exploração e expansão - minha ideia sendo elucidar o aspecto homem versus natureza presente na realidade e fantasia que criamos.
Meu trabalho inicial foi expandido pelo diretor criativo do projeto, Ben Kerslake e seu parceiro de design, Matt Razzano. Eles também receberam apoio do meu parceiro criativo de longa data, R. J. Berg, que também fez parte dos dois projetos "Alice" (e é um co-fundador da Spicy Horse). Nossos projetos são sempre altamente colaborativos, como este.
Como a inclusão no Greenlight, da Valve, ajudou a finaciar o jogo Akaneiro? O patrocício está andando como esperado? Se não alcançarem a meta, cortarão os elementos extras que planejaram?
Cada tantinho de exposição, incluindo o anúncio do Greenlight, ajuda a chamar atenção para a campanha do Kickstarter. Até o momento, a campanha atraiu muito interesse e suporte. Estamos caminhando para os últimos dias e esperamos ver um aumento nas doações antes que o tempo acabe.
É importante ter em mente que a campanha do Kickstarter nunca se relacionou a cortar elementos. Se conseguirmos o suporte total poderemos manter a equipe de desenvolvimento focada em Akaneiro em tempo integral. Se não atingirmos o objetivo final do financiamento, o desenvolvimento desses elementos continuará mais lentamente.
Patrocinadores poderão projetar armas, armaduras e vilões em Akaneiro. Como isso funciona?
Incluímos vários prêmios especiais na campanha, o que permite aos jogadores comprarem Karma com desconto, acessarem o Spirit Pet Helpers, bicho de estimação só para quem participou da campanha, ter armas exclusivas e até projetar armaduras e inimigos.
Para as recompensas de design, patrocinadores precisam nos mandar suas ideias e nós as modelaremos em 3D e as adicionaremos ao jogo. É uma oportunidade única para as pessoas verem suas idéias ganharem vida dentro do jogo.
Para as recompensas de design, patrocinadores precisam nos mandar suas ideias e nós as modelaremos em 3D e as adicionaremos ao jogo. É uma oportunidade única para as pessoas verem suas idéias ganharem vida dentro do jogo.
Qual a relação entre Akaneiro pra iPad e Akaneiro: Demon Hunters? O novo Akaneiro também terá uma versão para iPad?
Alguns anos atrás publicamos uma versão de Akaneiro em storybook. Ela contém uma versão da história de Akaneiro em forma de narrativa interativa. Um dos objetivos da campanhado kickstarter é trazer o jogo completo para tablets. Temos esperança de dar aos jogadores a opção de jogar em tablets com Android ou iOS. Nossa tecnologia de rede exclusiva permite que jogadores usem a mesma conta para usar seus personagens de onde quiserem - seja internet, download de client ou tablet.
Quais as principais mudanças quando se faz uma transição de consoles e PCs para um mecanismo baseado em browser? Trabalhar com BigHead BASH, que é um multiplayer online, influenciou o gameplay de Akaneiro?
Aprendemos muitas lições durante a transição de console para online e mobile. Para nós, desenvolver o núcleo do jogo é muito parecido, então lidamos com esse aspecto com certa facilidade. No que se refere a online, monetização e outros elementos críticos para jogos web e mobile de sucesso, nós encontramos muito mais desafios - e oportunidades de ganhar novos conhecimentos. BigHead BASH foi nosso primeiro jogo desenvolvido sob esse novo modelo - e nos ajudou a identificar as fraquezas do nosso estúdio.
Desde o lançamento de BigHead BASH nós também desenvolvemos e lançamos outro título online chamado Crazy Fairies. Esse jogo melhorou muito as áreas onde BigHead BASH teve dificuldades. Com Akaneiro as coisas parecem ainda melhores. Os maiores desafios giravam em torno do modelo de monetização, de aspectos sociais e de rede do design do núcleo. Nós continuaremos a aprender e melhorar no caminho.
Você já trabalhou com algumas versões de clássicos infantis como nos jogos American McGee's Alice, Alice: Madness Returns, Grimm e Akaneiro. Compreendo que você considere essas histórias obscuras em sua essência, mas qual a relação entre o enredo do jogo e a história original? Você tem uma mensagem a passar?
Se existe uma mensagem é a que ouvimos repetidamente desde que histórias são contadas. Contos de fadas contém o aprendizado social e cultural da humanidade; que remonta a antes de sermos capazes de escrever essas histórias de maneira permanente. Meu estilo pessoal de narrativa se alinha perfeitamente com o tom e com o conteúdo desses contos - especialmente os exemplos cautelosos destinados a crianças. Há um mistério e perigo na infância com os quais todos nós podemos nos identificar porque todos nós passamos por isso. Tocar nesse medo, nessa impotência e torná-las em algo que podemos superar é o coração de todos esses jogos e as jornadas contidas neles.
Akaneiro |
Qual a sua opinião sobre o filme Alice, do Tim Burton? Você vê alguma semelhança com o seu trabalho nos jogos da Alice?
A impressão que eu tenho é que essas histórias foram e devem sempre ser sobre Alice e sua jornada. Eu saí do filme do Tim Burton sentindo que ela era um peão no jogo de xadrez de outra pessoa. O visual, a música, os cenários e os efeitos especiais são, como é sempre o caso em um filme do Tim Burton, maravilhosos. A história, na minha opinião, carece do foco devido.
Se você fosse produzir um terceiro jogo da Alice, o que você faria para finalizar a história? Sei que você gostaria de colocar uma Alice que entra na mente das pessoas, mas a minha pergunta está relacionada ao que você já disse sobre o arco da narrativa estar incompleto. O que falta?
Ela está em uma jornada em direção ao controle do seu destino e potencial. A terceira parte encerraria a jornada. Vimos Alice dominar seu lado interno (seu próprio panorama psicológico) e externo (vencendo desafios do mundo real usando a maestria de seus poderes psicológicos). O próximo passo seria combinar essas duas habilidades e usar o poder resultante para moldar o mundo ao seu redor. Dessa forma Alice poderia se tornar um super-herói - abraçando sua responsabilidade como protagonista poderosa do mundo para fazer o bem.
Você está em Xangai há um bom tempo agora. Quais são os lados bons e ruins deste lugar em termos de produção de jogos? As restrições de internet afetam seu trabalho de algum modo?
Há pontos positivos e negavitos em termos de trabalho e vida em qualquer lugar do mundo. Para mim, viver na China significa um desafio diário quanto às minhas expectativas e meu conhecimento. É um lembrete constante do quão incrivelmente parecidos nós todos somos, independentemente de milhares de anos de separação cultural. Ao mesmo tempo, os constrastes e diferenças exigem flexibilidade e aceitação. Nosso estúdio se beneficia de ser um dos poucos estúdios independentes da região - permitindo-nos atrair desenvolvedores muito talentosos que de outra forma enviariam conteúdo e produção puramente ao mercado local.
Se você me perguntasse qual a coisa mais irritante quanto ao dia a dia da vida na China, eu responderia: "restrições da internet". É frustrante querer acessar algo simples como a busca de imagens do Google para simplesmente cair no Grande Firewall da China [nota: aqui ele faz uma piada com a Grande Muralha da China (Great Wall of China) e as restrições de internet, Firewalls]. Dito isto, coisas como essa estão constantemente melhorando. Estando aqui, com outros expatriados, e fazendo parte da grande expansão criativa e cultural, ajuda a conduzir mudanças na política do governo. Esta é outra razão pela qual eu amo estar aqui agora - porque eu sou capaz de testemunhar diretamente uma das mais significantes transformações governamentais e culturais que o planeta jamais conheceu.
Ví uma grande resposta sua no AMA do Reddit, na qual você reage à acusação de ter se tornado corporativo na China. Como você definiria indie?
Na nossa indústria, isso pode significar tudo, desde desenvolvedor individual que trabalha sozinho na sua garagem, até uma grande desenvolvedora e distribuidora como a Valve. A questão fundamental é: quem controla a tomada de decisões? Quando o distribuidor ou o financeiro dita as despesas, gestão de recursos (contratações e demissões), direção de arte e outros aspectos críticos do negócio, então é difícil dizer que você é independente. Hoje em dia, a Spicy Horse pode ditar todos os aspectos criativos e a direção de negócios sem a opinião de terceiros, então eu diria que somos "indie".
Como uma empresa desenvolvedora de jogos indie lida com a questão financeira? Algumas vezes você tem que fazer concessões no que você imagina que seria um jogo melhor em nome de criar um jogo mais popular ou lucrativo?
Ser uma empresa pequena e trabalhar com recursos limitados, muitas vezes resulta na tomada de decisões a curto prazo, em vez de pensar a longo prazo. É o lado mais frustrante quanto a ser limitado financeiramente - mas limitações também são boas. Elas nos levam a pensamentos inovadores e nos força a encontrar soluções mais eficientes para problemas em casos onde uma organização maior simplesmente "jogaria dinheiro e faria o problema ir embora".
Você já veio ao Brasil?
Eu nunca estive no Brasil, mas já contratei vários brasileiros no estúdio em Xangai. O que eles me contaram do Brasil me convenceu de que eu adoraria morar aí. Algum dia eu gostaria de visitar e experimentar por mim mesmo.
Sabemos que seu hobby é o violoncelo. Qual sua música favorita pra tocar? Você às vezes toca com outras pessoas, como uma banda ou quarteto?
O filme Mestre dos Mares tem várias músicas que eu particularmente gosto de tocar, principalmente as Suítes para Baixo e VIoloncelo. Eu nunca toquei em um quarteto, mas eu tenho uma amiga que é uma ótima pianista e às vezes tocamos juntos. Eu ainda não toco tão bem, mas ela é tão boa que me faz parecer bom!
Revisão: Vítor Tibério