Discussão: Gerações de console ainda fazem sentido?

em 16/01/2013

Ao estudar-se a história dos videogames , a convenção mais aceita e prática para a distribuição de plataformas para jogos é o conceito de ... (por Bruno Grisci em 16/01/2013, via GameBlast)

Ao estudar-se a história dos videogames, a convenção mais aceita e prática para a distribuição de plataformas para jogos é o conceito de gerações. Existem diferentes critérios para realizar esta segmentação, no mais difundido estamos entrando na oitava geração. Este modelo tem servido bem por cerca de quarenta anos, mas será que ainda terá a mesma relevância em breve? Vejamos o que, de fato, é uma geração de consoles e alguns dos motivos que podem tornar essa segmentação histórica obsoleta.

Dividindo as gerações

Antes de vermos porque o seu uso pode não ser mais tão adequado, precisamos definir o que, afinal, são essas tais de gerações. Dada a quantidade de plataformas diferentes para jogos, surgiu a necessidade de organizá-las em grupos específicos que refletissem alguma característica marcante que possuíssem em comum, facilitando, assim, a sua identificação e possibilitando visualizar muito mais facilmente as diferentes linhas evolutivas, pontos de divergência e de ruptura, etc.

Teoricamente é possível organizar estas diferentes gerações utilizando-se qualquer característica. Imagine agrupar os consoles baseando-se no formato do controle ou na mídia utilizada, por exemplo. Mas nem todas são adequadas para uma classificação geral, por isso algumas se sobrepuseram. Por um período de tempo o número de bits dos processadores das máquinas foram utilizados como critério. O NES é 8-bits e o SNES 16-bits, por exemplo. Com o tempo, contudo, não fazia mais tanta diferença saber o número de bits do aparelho e este atributo foi deixado de lado.

A evolução dos controles de videogames
Com o aumento do poder de processamento surgiram outras formas de definir a qual grupo cada console pertenceria, sendo a capacidade gráfica o mais difundido, certamente por ser, literalmente, o mais visível ao jogador. Divisões por aspectos técnicos como esse são relevantes para acompanharmos a evolução tecnológica, mas falham caso queiramos observar o comportamento dos jogos em si. Um desenvolvedor pode optar por criar seus jogos em estilo retrô, o que não significa que eles pertençam a outras gerações.

Defenderei aqui que, tratando-se de gerações de consoles, o melhor critério que pode ser utilizado é, sem surpresa, o tempo. Gerações de humanos são definidas pela época em que viveram, pois estas pessoas, apesar de suas diferenças, moldaram o mundo juntas. Com consoles o princípio é o mesmo, o que pode ser mostrado com um exemplo simples, recente e bem conhecido, o Wii.

Não é segredo que o Wii não possui a mesma capacidade técnica do PlayStation 3 e do Xbox 360. Usando o critério dos gráficos, ele ficaria numa geração anterior aos seus concorrentes, talvez sozinho em uma intermediária. Alguém poderia dizer que o mais justo é organizar as gerações por inovações, e os controles de movimento colocariam o aparelho em um grupo separado e paralelo, nem anterior, nem posterior. Muito bem, são divisões válidas. Agora vamos considerar alguém 50 anos no futuro, fazendo uma pesquisa sobre a história dos videogames.


Digamos que ele veja nossa primeira divisão, onde haveria uma geração contendo Xbox 360 e PS3 e outra com GameCube, PlayStation 2, Xbox e Wii. A conclusão mais óbvia seria a que tais aparelhos conviveram dentro destes dois grupos. Mas será que isso é verdade? Quem foi mais impactado pelas vendas do Wii, o PS3 ou o PS2? O Wii Remote motivou o lançamento do Kinect para o Xbox 360 ou Xbox? A ausência dos títulos multiplataforma lançados nos dois consoles HD não influenciou em nada os negócios da Nintendo? Essas são apenas algumas das possíveis perguntas que mostram como os aparelhos que coexistem na mesma época influenciam fortemente uns aos outros e por isso devem ser agrupados numa mesma geração. Se fôssemos usar o outro critério, dos controles de movimento, teríamos outro resultado interessante. O PS3, graças ao Move, teria que participar de duas gerações ao mesmo tempo. Estranho.


Caso usássemos o tempo para realizar a classificação, esses problemas seriam reduzidos. Ordenando os consoles cronologicamente eles estariam juntos de seus “rivais” de fato, aqueles que realmente interferiram em seus trajetos, seja servindo de inspiração para novas ideias (os achievements são um exemplo), seja disputando o público ou até mesmo “roubando” fatia do seu mercado. Por isso mesmo essa é a divisão mais conhecida, na qual Xbox 360, PlayStation 3 e Wii pertencem à sétima geração.

Limites diluídos

Apesar de tudo, a divisão cronológica apresenta suas falhas. E é aqui que a própria ideia de gerações começa a perder força, justamente porque a tendência é ser cada vez mais difícil classificar as plataformas. O primeiro motivo é a dessincronização temporal.

Não que os lançamentos tenham sempre sido sincronizados. O Dreamcast apareceu cerca de dois anos antes do PlayStation 2, e o Xbox ainda levou mais um ano para surgir. O Wii U já está sendo comercializado e os sucessores das outras empresas ainda são rumores. Esse período de transição é normal e não chega a prejudicar a divisão, afinal o que é um ano de separação para produtos que conviverão por cerca de seis ou sete anos. Mas, ainda com o Wii U, temos uma situação interessante: o aparelho será influenciado tanto pelos consoles atuais (inclusive pelo próprio Wii), o que está acontecendo hoje, tanto pelos que ainda chegarão. Claro, ainda é muito cedo para analisar como será esta trajetória, mas é um ponto a se observar.

Às vezes a questão não é a data de lançamento, mas a de descontinuação. O PlayStation 2 pertence à geração passada, mas só foi descontinuado pela Sony este ano. Até agora, não apenas continuou recebendo alguns jogos como ainda é muito fácil ter acesso a um, especialmente no Brasil. O DS é um caso até mais interessante, mesmo após o início das vendas do 3DS ainda é muito popular e, mais que isso, recebeu dois novos jogos da principal franquia da Nintendo para portáteis, Pokémon, enquanto seu sucessor terá que aguardar até outubro para ter um título da série. E o PSP, então, que por vários meses teve vendas mensais superiores às do PS Vita?

Com o Virtual Console clássicos como Kid Icarus tornaram-se acessíveis em aparelhos modernos como o 3DS.
Claro, nada impede você de comprar um Atari semana que vem, mas não é o mesmo efeito que o cenário descrito acima provoca. Mas consoles mais antigos ainda podem aparecer na nossa equação graças à distribuição online. Serviços como Virtual Console, Xbox Live Arcade e gog.com permitem o acesso a jogos antigos com a mesma facilidade dos atuais. Se considerarmos que os games são mais importantes que os consoles, este torna-se outro indício de que os limites entre as gerações estão mais permeáveis. Nada impede alguém de possuir um hardware moderno e utilizá-lo apenas para jogos de quinze anos atrás.

O mundo dos jogos não gira apenas em torno dos consoles

A ideia por trás da utilização de gerações pressupõe que os consoles avançarão de forma mais ou menos contínua. Aqui cabe a dúvida sobre agrupar consoles de mesa e portáteis nos mesmos grupos, dadas as suas diferenças evidentes, mas como ambos evoluem de maneira semelhante não chega a ser um problema. Mas e quanto a famílias? O DS teve diversas versões: original, Lite, DSi e DSi XL. Para efeitos de classificação, todos são o mesmo console, pertencendo à mesma geração. O mesmo ocorre com o PSP. Mas o DSi recebeu, mesmo que poucos, jogos exclusivos que não rodam na versão Lite. Não é algo a ser considerado? E isso nem surgiu recentemente, acessórios como o Sega 32X já seguiam o mesmo caminho.

Apesar disso, devido à concentração da produção de hardware dedicado a games em um número reduzido de empresas, a divisão ainda é algo relativamente simples de se fazer se relevarmos os problemas apontados anteriormente. O que aconteceria, entretanto, se várias alternativas começassem a aparecer no mercado, algumas com propostas bem diferentes? É o que está acontecendo agora.

Sempre existiram aparelhos “desgarrados” (podemos citar o CD-i como exemplo), e marcas como Polystation mais parecem paródias. Mas algumas vezes realmente surgem novos produtos com relevância e visibilidade maior, como foi o caso do Zeebo, que apesar de ter fracassado no Brasil encontrou um público em países como México e Índia. A situação agora é ainda mais interessante, com o surgimento de novos projetos, alguns de grandes companhias, que deverão ter mais apelo junto aos jogadores.

Project Shield é a aposta da Nvidia para entrar no mercado de portáteis.
É o caso do Project Shield, portátil da Nvidia que parece um controle de Xbox com uma tela acoplada. A Nvidia, sendo desenvolvedora de placas de vídeo, não deixaria de investir neste aspecto em seu primeiro console. Rodando o sistema Android, o aparelho traz as funcionalidades de um tablet (e a tela é touchscreen) e deve chegar até o fim do ano. Mais curioso é o caso dos “consoles independentes”. Financiados através do site Kickstarter pelos próprios jogadores, Ouya e GameStick pretendem ser opções mais baratas e abertas do que o hardware das grandes empresas. Também utilizando o sistema operacional do Google, ambos são um caso a parte, não apenas têm diferenças de preço e forma, assim como o Shield da Nvidia possuem muitos pontos de intersecção com as plataformas mobile, chegando ao ponto de vários jogos famosos nesse cenário, como Angry Birds, serem seus carros-chefe.

O pequeno Ouya
Esse tipo de console esporádico torna complicado o conceito de geração, pois não necessariamente seguirão o mesmo caminho de seus “colegas” mais famosos. Uma opção, que em geral é o que acontece até agora, seria ignorá-los, mas ao fazer isto estaríamos desconsiderando parte significativa da realidade que vivemos hoje no mundo dos videogames. O Ouya pode muito bem vir a ser um dos maiores símbolos de dois movimentos atuais e muito fortes dos jogos: financiamento coletivo e cena indie. Não é algo que possa simplesmente ser ignorado.

Por falar em movimentos atuais, não podemos esquecer que os próprios consoles são apenas uma parte do todo. Criar gerações apenas compostas por consoles e tentar generalizá-las é um erro. O computador existe como plataforma relevante há tanto tempo quanto os consoles de mesa, mas costuma ser deixado de lado nessas linhas do tempo artificiais. Uma pena, já que foi onde gêneros importantes como adventure, estratégia e simulação floresceram, além de ofertar a maioria dos títulos multiplataforma de hoje em dia. Ocorre que não é fácil organizar as gerações de computadores para jogos por não existir uma centralização. A sua evolução é contínua em relação a dos consoles. Também temos fenômenos como World of Warcraft e Team Fortress 2 que, com nove e seis anos de idade, tempo suficiente para um geração completa, continuam com a mesma relevância de quando foram lançados. Isso que nem falamos de jogos online e sociais. Ou mesmo o streaming de games realizado pela OnLive, que aposentaria o conceito de evolução de hardware pessoal dedicado a games.

Ciente do cenário dos PCs que inclusive ajudou a criar com o Steam (outro fenômeno que merece ser representado), a Valve planeja seu “Steam Box”, um computador que possa ser ligado facilmente à televisão e seja otimizado para jogos e o uso de controles. Uma espécie de casamento entre dois mundos.

Razer Edge, o novo tablet dedicado aos games
E se as plataformas mobile, smartphones e tablets, são tão significativas para o mercado de games atual, se elas recebem versões de títulos de consoles e vice-versa, por que deixá-las de fora? Já temos o Xperia Play, celular da Sony da linha PlayStation. A Razer até mesmo criou o Razer Edge, tablet dedicado a games com o poder de um computador e a possibilidade de acrescentar controles físicos. Utilizando Windows 8, ele rodará a maioria dos jogos atuais para o sistema operacional da Microsoft. Mas as gerações mobile seguem outras regras, com atualizações anuais, muitos modelos e diferentes sistemas operacionais, o que não significa ausência de compatibilidade nos jogos.
Como pode ser notado, as gerações de console tais quais as conhecemos hoje podem ser úteis para representar uma pequena parte da enormidade que os videogames tornaram-se, mesmo assim com ressalvas. Considerando a expansão de plataformas disponíveis, dessincronização nos lançamentos, novos movimentos e mercados, propostas e objetivos diferentes, o avanço do mobile, do indie, do online, novos controles e jogos que exploram os limites da capacidade gráfica convivendo com a ressurreição de clássicos de décadas atrás, talvez seja melhor para quem procura um modo coerente de organização dessa tal de história dos videogames em sua completude buscar um outro método.
Revisão: Bruno Nominato 

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