Discussão: A diversão deixou de ser prioridade nos videogames?

em 26/01/2013

Os videogames existem há muito tempo e já passaram por muitas mudanças, momentos críticos, bem sucedidos e inovadores. Mas sempre pareciam... (por Luciana Anselmo em 26/01/2013, via GameBlast)

Os videogames existem há muito tempo e já passaram por muitas mudanças, momentos críticos, bem sucedidos e inovadores. Mas sempre pareciam ter o mesmo objetivo durante todos estes anos: divertir seus jogadores. O problema é que atualmente muitas empresas têm dado atenção a diversos outros aspectos e aparentemente o lado divertido, lúdico e fantasioso dos videogames está sendo cada vez mais esquecido. Se antes os jogadores usavam os games para se refugiarem do mundo real, agora o realismo parece tomar conta dos videogames.

“Na minha época...”

Creio que todos já devem ter ouvido alguém falando “antigamente os videogames eram mais divertidos”. Mas no que se sustenta essa frase? Quer dizer, antes os jogos eram mais simples, difíceis, curtos e não tinham instrução alguma sobre o que fazer. Hoje nós temos jogos com gráficos impressionantes, longos, praticamente com histórias cinematográficas, mas que quase não oferecem desafio ao jogador e até dão dicas em excesso sobre o que fazer. É difícil achar só uma razão para o motivo de as coisas terem mudado tanto nos videogames, mas podemos tentar achar alguns argumentos chave.
A questão é que, antigamente, as limitações técnicas eram um grande empecilho, então imagine a criatividade necessária para driblar esse e outros pequenos problemas e tornar um jogo interessante. Imagino que quem teve a oportunidade de jogar consoles mais antigos lembra muito bem da dificuldade que os jogos apresentavam, certas coisas chegavam a ser absurdas, mas se pararmos para pensar, isso faz sentido. Porque afinal, tire a dificuldade sem noção e o que sobra? Um jogo bem curto, e com alguma sorte, legal na maioria das vezes. Ou seja, o segredo para agradar um jogador não estava só no entretenimento, a dificuldade ajudava, desafiando e prendendo os jogadores enquanto eles eram cativados pela parte divertida do jogo, ou em alguns casos, simplesmente ficavam frustrados com a péssima qualidade que muitos apresentavam.

É para jogar ou para assistir?

Hoje em dia, no entanto, o que mais vemos são títulos genéricos com grande enfoque nos aspectos técnicos. Os gráficos, por exemplos, estão sendo cada vez mais levados em conta pelos jogadores na hora da aquisição de seus jogos. Podemos citar como exemplo recente o Nintendo Wii, que foi alvo de preconceito pela limitação técnica que possuía comparada ao outros consoles de sua geração, o Playstation 3 e o Xbox 360.

Muitos simplesmente ignoraram o Wii, usando argumentos sem sentido e infantis em vez de perceber que mesmo não podendo oferecer o poder que os outros consoles ofereciam, ele conseguia trazer jogos incríveis e únicos como Super Mario Galaxy 1 e 2, The Legend of Zelda: Skyward Sword, No More Heroes, Xenoblade Chronicles e até mesmo o mais simples de todos, Wii Sports, conseguiu simplesmente justificar toda a existência do Wii e mais do que isso, era genuinamente divertido. Em contrapartida às suas críticas, o Wii foi o console mais bem sucedido em questão de vendas, mas mesmo assim foi abandonado pela própria Nintendo depois que a febre pela novidade passou, já que infelizmente a empresa não recebeu o apoio das third parties, que fez com que o PS3 e o Xbox 360 se mantivessem tão bem ao longo dos anos.


Será que as histórias elaboradas como roteiros de filmes, o uso de atores reais para captura de movimentos e gráficos cada vez mais realistas nos jogos está se aproximando tanto da indústria cinematográfica que está descaracterizando os videogames? Não que esses fatores citados sejam coisas negativas, afinal títulos como Uncharted, Heavy Rain, Alan Wake e Metal Gear 4 estão aí provar a ótima qualidade que podemos ter com essa mistura, mas até onde podemos levar essa combinação que tenta simular ao máximo a vida real e não perder o verdadeiro sentido lúdico que os videogames sempre tiveram?

Lucros, rótulos e achievements importam tanto assim?

Também podemos ver por outro aspecto: videogames, querendo ou não, são parte de uma indústria, ou seja, os lucros importam. Da mesma forma que temos uma fraca e superficial indústria de música, filmes e livros que empurram material superficial em cima de crianças e adolescentes sem opinião formada e que são tão suscetíveis a esses tipos de mídia, temos também a indústria dos videogames, que faz basicamente o mesmo. Títulos genéricos não existem porque não há pessoas criativas ou com ideias inovadoras, e sim porque existe um grande interesse em oferecer algo rápido, fácil e sem conteúdo para que os jogadores sempre estejam à procura de algo mais significativo. O consumismo desenfreado que tomou conta da nossa sociedade apenas ajuda a contribuir intensamente para que isso continue a ocorrer e infelizmente se os próprios jogadores não se conscientizarem sobre isso e tomarem uma atitude, nós vamos continuar a receber os mesmos títulos esquecíveis ao longo dos anos.

A necessidade de separação por rótulos, que são verdadeiramente inúteis, que aconteceu nas gerações mais atuais, parece ter estabelecido barreiras entre os chamados jogadores “casuais” e “hardcore”. Antes as coisas eram mais simples, visto que nós éramos apenas jogadores, não importava se você passava seu dia inteiro com o videogame na mão ou se jogava só quando dava tempo ou vontade. Nessa era de achievements, parece que muitas pessoas levam os jogos mais como uma conquista em si do que algo para nos distrair ou nos entreter. Tudo bem, conquistas existem desde sempre e podem ser muitos divertidas, afinal quem nunca quis pegar as 120 estrelas em Super Mario 64? Mas o problema está centrado no fato de há muitos jogadores obcecados por conquistas, talvez na busca de se auto afirmar de alguma forma, e claro que as empresas se aproveitam como podem, criando objetivos cada vez mais inusitados e inúteis em vez de se concentrarem em melhorar o jogo por exemplo.

Há guerras que vem para o bem

Há quem culpe a rivalidade acirrada entre os consoles da atual geração que lança cada vez mais jogos vazios e parecidos para ganhar a “disputa”, mas, se voltarmos um pouco no tempo, vamos nos deparar com a famigerada “Console Wars”, o auge da guerra dos consoles, onde basicamente valia tudo, desde indiretas inocentes, até ataques diretos e sem muito senso moral. Talvez tenha sido ali que os incompreendidos fanboys realmente nasceram e começaram a exagerar no amor por suas empresas favoritas.

Anúncio nada sutil da Sega contra a Nintendo no auge do Console Wars
Se hoje muitas pessoas podem ter dois ou mais consoles de uma geração, antes a situação era diferente, parece engraçado demais para se acreditar, mas fato é que dificilmente alguém que tivesse um Super Nintendo ia querer um Mega Drive e vice-versa. Sim, esse é o nível que o Console Wars conseguiu atingir, a rivalidade extrema da Nintendo com Sega criou uma real rivalidade entre seus respectivos fãs. Mesmo assim, eu ouso dizer que isso foi uma das melhores coisas que poderiam ter acontecido, não sei se posso dizer que houve época mais produtiva, mais criativa e mais divertida do que essa no mundo dos games. O desejo de “vitória” das duas empresas era tanta, que eles tinham que se esforçar ao máximo parar cativar seus jogadores. O resultado não poderia ser outro senão ótimos jogos que figuram até hoje os mais clássicos e inesquecíveis, e que, mesmo após tantos anos, servem de inspiração para jogos atuais.

O que acontece agora então? Ainda há uma grande rivalidade, mas parece que o conceito de gerações de consoles parece estar se tornando obsoleto com o passar do tempo. Antes víamos a Nintendo “brigando” com a Sega, e então com a Sony e por fim, com a Microsoft, mas depois de anos perdendo esta disputa, a Nintendo parece ter se desligado um pouco desse conceito e resolveu fazer o que achava melhor. Atualmente, enquanto a Sony e a Microsoft continuam a disputar o reinado dos aspectos e melhorias técnicas, a Nintendo parece estar em seu próprio mundo, abandonou o conceito de gerações trazendo um console de hardware inferior e somente anos depois lançou um equivalente aos consoles que já estavam disponíveis há tanto tempo.

Mas quem pode realmente culpá-los ou dizer algo pejorativo? Essa companhia está na ativa há mais de um século, tem muitas franquias solidamente estabelecidas e bem sucedidas e o mais importante é que eles se arriscam. A Nintendo, geração após geração, se arrisca ao tentar inovar as coisas, às vezes dá extremamente errado como com o caso do Virtual Boy, e às vezes dá incrivelmente certo como o DS e o Wii. A questão é que eu sinto falta dessa inovação por parte das outras empresas. Eu não estou aqui para defender a Nintendo e culpar a Sony e a Microsoft. Eu vejo essas e outras empresas do mesmo jeito em principio: Todas elas têm suas qualidades e defeitos e uma complementa a outra, de forma que a rivalidade entre elas deveria trazer algo bom como o que tínhamos no auge do “Console Wars”. Eu não quero ver novamente empresas copiando ou simplesmente melhorando o que já foi feito, o que eu quero, e acredito que muitos concordarão, é que essas empresas se arrisquem, pensem fora do padrão e parem de lançar o mesmo jogo dezenas de vezes com apenas algumas diferenças de enredo e personagens.

Nós também mudamos

Algo que eu pude perceber foi uma mudança acontecendo comigo também, se antes eu me divertia muito com videogames, hoje é difícil não me entediar e parar de jogar depois de algum tempo. Então eu tenho que me perguntar, foram os jogos que mudaram ou foram os jogadores? É lógico que assim como eu, aqueles que já jogam videogames há muito tempo, tendem a se iludir achando que “na nossa época era bem melhor”, mas deixando a nostalgia de lado e levando as coisas mais racionalmente, podemos perceber que aquele velho entusiasmo não permanece em todos nós depois de alguns anos.

 Mas não se enganem achando que essa redatora abandonou seu amor por videogames, afinal seria no mínimo estranho isso acontecer e eu ainda continuar aqui escrevendo sobre games, acredito apenas que meu gosto se modificou com o tempo e se tornou mais seletivo. Afinal, eu comecei a jogar Atari antes mesmo de aprender a falar direito, e, depois de tantos anos jogando e de ter passado pela maioria dos consoles lançados ao longo dos anos, a tendência não tem como ser muito diferente, você aprende a perceber onde existem boas qualidades e defeitos medíocres por si próprio e realmente tende a ser mais chato e seletivo ao escolher o que gosta. Mas isso é algo bom, e pelo o que eu pude perceber, isso está acontecendo com muitos jogadores, quem sabe não é hora deixar a acomodação de lado e começarmos a mudar as coisas então?

Rumo a uma nova esperança

Para onde estamos indo então? Que rumo o ramo de videogames está tentando seguir? Jogos com gráficos cada vez mais realistas, com roteiros cinematográficos, vários DLCs disponíveis... mas onde fica a diversão no meio disso? Antes tudo era tão simples, que a diversão era a única arma que os desenvolvedores tinham para cativar os jogadores. O problema é que agora temos tanto e ao mesmo tempo nada, de que adianta todos esses fatores técnicos tão maravilhosos, se a maioria dos jogos nos entediam tão facilmente?

No entanto, uma pequena esperança parece estar se formando ao redor dos jogos indies, que aparentemente tem aquela essência que os games mais antigos tinham. São jogos mais simples, de baixo orçamento, nem sempre podem oferecer o poderio gráfico mais avançado e muitos são bem casuais, mas eles de algum jeito estão resgatando aquele sentimento tão presente antigamente, aquela diversão genuína e descompromissada que há algum tempo eu não vejo em grandes franquias. É claro que eu sei que há jogos maravilhosos atualmente, esse texto não está aqui para renegar isso, é que me parece que isso ocorre com poucos jogos, parece que muitas franquias perderam seu verdadeiro espírito por assim dizer. Talvez haja algo maior a se aprender com estes pequenos jogos independentes, talvez nós não precisemos de tudo para termos algo verdadeiramente bom.
Os videogames passaram por uma longa jornada até aqui



















Revisão: Mateus Pampolha

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