Análise: Dandara (Multi) — explorando um incrível mundo sem direções

Acompanhe uma guerreira em uma aventura por um universo sem igual regido por mecânicas únicas.

em 06/02/2018

Quando o mundo de Sal cai na opressão, surge Dandara, uma guerreira para libertar o povo. Esse mundo fantástico é sem igual: a gravidade no Sal é livre, resultando em um lugar “sem direção”. Sendo assim, para avançar, Dandara salta por paredes e outras estruturas. Produzido pelo estúdio brasileiro Long Hat House, o jogo inova com sua interpretação diferenciada de metroidvania e mecânicas inusitadas.

Saltando por um universo incomum

O que me chamou a atenção em Dandara, desde o início, foi o seu conceito. Ao contrário de outros metroidvanias de plataforma 2D, a protagonista não caminha: saltar é o único meio de locomoção da heroína. Devido à estrutura do mundo, cuja gravidade é distorcida e sem direção definida, Dandara consegue se firmar em estruturas como paredes, tetos e plataformas flutuantes. É impressionante como um conceito tão único funciona bem e bastam alguns poucos segundos para sair pulando pelos cenários com grande agilidade e velocidade. Os controles são bem intuitivos: com a alavanca controlamos a mira, um botão salta e o outro ativa o ataque básico. Há, também, suporte à tela de toque no Switch e em dispositivos móveis.


Como era de se esperar de um mundo dominado por forças opressoras, Salt está repleto de inimigos. Alguns tentam atacar com golpes físicos, outros lançam projéteis. Dandara ataca com flechas de energia, mas há um porém: o alcance delas é bem reduzido, sendo assim, você é forçado a chegar perto dos inimigos para derrotá-los. Por causa disso, é necessário agressividade para sobreviver aos confrontos que, combinados com o fato de que a protagonista só se move ao pular, cria situações intensas. É muito comum, então, saltar para perto de um inimigo, atacá-lo, e rapidamente pular para algum outro canto escapando de investidas de outro oponente. É uma ótima mistura de posicionamento, agilidade e noção dos cenários.

O universo de Dandara é labiríntico, como era de se esperar de um metroidvania, e convida à exploração. O desenho dos mapas abusa da mecânica de salto da heroína e apresenta uma mescla constante de obstáculos naturais (como espinhos e plataformas) e inimigos. Ao contrário de outras aventuras similares, o maior desafio aqui é conseguir navegar com segurança pelos locais, abrindo atalhos para facilitar tentativas futuras. Há alguns poucos upgrades, porém aqueles relacionados à exploração alteram o mundo de alguma maneira — eles liberam novas áreas, mas também podem complicar ainda mais o caminho com novas armadilhas.


Gostei bastante da diversidade e criatividade da aventura. Em uma situação, por exemplo, precisamos girar plataformas em formato de cubo com o tiro de Dandara. Já em outra área, o desafio é saltar no momento correto entre plataformas circulares para evitar investidas inimigas. É notável como o jogo brinca com o fato de que a gravidade é sem forma no mundo de Sal, principalmente com as mudanças na câmera — teto e chão se confundem constantemente. Algo que me incomodou neste aspecto é o mapa: ele não reflete as mudanças da câmera, tornando complicado saber exatamente a direção de saídas em algumas salas. Por sorte, foram poucas as vezes em que acabei me perdendo por conta do mapa.

A dificuldade do jogo está entre moderada para alta, o que se justifica pela grande quantidade de perigos pelo caminho. Para piorar, ao morrer, Dandara perde todos os Apelos de Sal, itens utilizados para melhorar suas características. Para recuperá-los, precisamos navegar até o local da morte e tocar o “Espectro de Sal”, normalmente localizado em algum local de difícil acesso — e os acampamentos, que são os pontos onde recomeçamos a aventura, são bem espaçados. Isso me fez sentir tenso boa parte das vezes, afinal, morrer significava perder os preciosos Apelos de Sal. Essa mecânica, em combinação com a presença de atalhos nos cenários, me lembrou claramente conceitos da série Souls.


O mais curioso é que, em boa parte da aventura, ignorei as armas especiais adquiridas por Dandara por acreditar que elas eram fracas. Com o tempo, os inimigos foram se fortalecendo e fui forçado a utilizar os outros equipamentos da protagonista. Foi só nesse momento que eu percebi que há, também, variedade no momento de atacar. As armas são essenciais principalmente nos chefes: com padrões de ataques intricados, o ideal é usar todos os recursos para danificar os mestres.

Gostei dessas características, pois elas tornam a experiência intensa, mesmo com os vários trechos complicados — é muito recompensador saltar com precisão e derrotar inimigos rapidamente. Mas nem sempre é assim. O meu maior problema com Dandara foram alguns momentos que exigiram precisão não proporcionadas pelos controles, principalmente em salas que envolvem operar plataformas e enfrentar vários tipos diferentes de inimigos simultaneamente. Nessas situações mais frenéticas, foi comum eu pular para algum lugar que eu não pretendia, principalmente por causa do alinhamento semiautomático da mira do salto. Consegui superar essas partes com algum esforço, mas não sumiu a sensação de que os controles não dão conta em alguns momentos.



Um mundo de várias referências

O foco de Dandara é justamente suas mecânicas únicas de movimentação e combate, porém o jogo conta com uma ambientação interessante, mesmo que com desenvolvimento narrativo tímido.

Segundo a trama, Dandara nasce no Berço da Criação com o propósito de livrar o mundo de Sal da opressão de Eldar. Isso pode parecer um tanto maniqueísta, ainda mais pelo fato da personalidade da heroína não se desenvolver durante a jornada, porém tudo faz sentido quando observamos a motivação original. A protagonista é levemente inspirada na figura histórica brasileira de Dandara, esposa de Zumbi dos palmares, que teve participação na luta contra a escravidão. O jogo faz paralelo justamente a isso e, nas entrelinhas, conta uma história de luta contra a opressão — até há pequenas tentativas de contar uma história pelos cenários, porém isso mal é abordado na aventura.


A inspiração do conceito do título influenciou também o visual. Particularmente, gostei bastante da protagonista Dandara: uma mulher negra de traços fortes com cabelo black power. Já seus adereços, como o cachecol e as cores vibrantes, me remeteram a ambientação de fantasia: a mulher salta estilosamente pelos cenários e esses elementos ajudam a compor essa sensação.

Já o mundo de Sal é intrigante, principalmente pela presença de cenários em que chão e teto se confundem. Pela aventura, Dandara explora locais memoráveis, sendo os meus preferidos uma espécie de museu no meio do deserto (com vários itens estranhos em exibição) e uma cidade futurista que tem como destaque as mensagens de ordem espalhadas por telas eletrônicas. O mundo é retratado com gráficos em pixel art agradáveis que remetem à era 16 bits, com muitas partículas e efeitos complementando a sensação de agilidade e fantasia. Algo legal é que os desenvolvedores colocaram várias referências à nossa cultura: uma das personagens é baseada na artista Tarsila do Amaral; grafites de Belo Horizonte, cidade onde está localizado o estúdio Long Hat House, aparecem pela área Vila dos Artistas; várias salas referenciam termos e locais do Brasil. Pode parecer um pouco estranho ou deslocado, entretanto tudo é possível em um mundo fantástico como Sal — e é especialmente divertido para nós, brasileiros, entendermos essas pequenas referências.


Para complementar a ambientação, Dandara conta com uma trilha sonora memorável. Pianos e tambores pontuam a jornada da heroína com composições que remetem à característica “sem forma” do mundo. A combinação de elementos me fez sentir em uma jornada por um mundo flutuante, mas com a urgência do desejo de ser libertado. Minha faixa favorita é “Hidden in Logic”, tema da cidade futurista Capital da Intenção: a combinação de elementos eletrônicos e piano me trouxe a sensação de explorar um local misterioso e repleto de tecnologia.
O estúdio brasileiro Long Hat House tem sede em Belo Horizonte e concebeu Dandara inicialmente como um jogo para celulares. A intenção era criar um jogo retratando a luta de Dandara dos Palmares, porém o estúdio mudou de ideia por acreditar que não conseguiria trabalhar de maneira satisfatória temas delicados, como escravidão. Sendo assim, o foco mudou para uma aventura de fantasia, porém a protagonista acabou sendo inspirada pela personagem histórica. Durante o desenvolvimento, a equipe acabou decidindo lançar o título também para consoles, o que exigiu adaptar os comandos para controles tradicionais.


Ousadia recompensadora

Dandara arrisca com uma mecânica de movimentação única para um metroidvania. Felizmente, a execução é excelente, resultando em um jogo ágil e muito divertido de jogar. A jornada da heroína apresenta vários momentos bem difíceis e intensos por um mundo bizarro — gostei das salas criativas em que as direções se confundem e também da dificuldade acentuada. Além disso, o trabalho visual e sonoro é notável, sendo ótimos incentivos para explorar o mundo de Sal. Dandara é uma experiência sem igual e isso é o que o torna excepcional.

Prós

  • Mecânica de movimentação única e ágil;
  • Mundo curioso com desenho que aproveita bem as habilidades da heroína;
  • Ação que incentiva agressividade, e apresenta dificuldade intensa;
  • Bom visual e ótima música.

Contras

  • Pequenos problemas com os controles em alguns momentos.
Dandara — PC/PS4/XBO/Switch/Mobile — Nota: 9.0
Plataforma utilizada para análise: PC
Revisão: Alberto Canen

é brasiliense e gosta de explorar games indie e títulos obscuros. Fã de Yoko Shimomura, Yuzo Koshiro e Masashi Hamauzu, é apreciador de roguelikes, game music, fotografia e livros. Pode ser encontrado no seu blog pessoal e nas redes sociais por meio do nick FaruSantos.
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