O gênero estratégia em tempo real (ou RTS, real time strategy) afasta muitos jogadores por conta de sua complexidade e curva de aprendizado. Tooth and Tail, título independente lançado para PlayStation 4 e PC, pega os conceitos básicos de RTS e os destila em uma experiência compacta. Comandos simples e poucas características para administrar fazem com que o jogo tenha partidas ágeis, sem deixar de ser também complexo e interessante.
Guerra por comida
O mundo repleto de animais de Tooth and Tail está com problemas para produzir e cultivar cereais, o que fez com que a carne entrasse no cardápio de todos. Mas aí apareceu outro dilema: que espécie vai virar comida? A tensão só cresceu e um conflito começou quando o filho do líder dos Longcoats foi devorado por um grupo inimigo. Sendo assim, as várias facções entraram em guerra para decidir quem vai virar alimento.Tooth and Tail tem animais cartunescos como personagens, porém o tema principal da ambientação é bem sombrio. O conceito claramente foi baseado em um conflito soviético, principalmente por conta do visual das facções e dos biomas dos mapas — os gráficos utilizam o estilo pixel art, o que traz um visual agradável. A música conta com composições que remetem a conflitos armados soviéticos com o ótimo uso de piano e instrumentos de corda. Fiquei com a sensação de estar participando de um conflito simultaneamente alegre e mórbido.
Já nos combates, o objetivo é bem simples: ganha quem destruir todos os moinhos dos oponentes. Para isso, temos que construir um pequeno exército de animais variados para atacar as áreas inimigas ao mesmo tempo que fazemos mais fazendas e expandimos nosso território. Como em todo jogo de estratégia em tempo real, é essencial balancear os recursos e unidades para sair vitorioso.
Experiência focada
O diferencial de Tooth and Tail, e uma das minhas características preferidas do jogo, é que ele te coloca diretamente dentro da ação. Ao invés de ditar ordens e comandos por meio de um cursor no mapa, controlamos diretamente o líder do exército. É nossa responsabilidade explorar o terreno, criar unidades, expandir fazendas e comandar os guerreiros. Os comandos são bem simples e pensados para controles: um botão para criar estruturas, outro para vendê-las; um gatilho comanda todo exército, o outro controla somente um tipo de unidade.Simplicidade é o mote do jogo, o que torna as partidas bem acessíveis. Durante os confrontos, temos que nos preocupar com poucas coisas: a comida (que é o dinheiro do jogo), as estruturas que criam unidades e o exército em si. Algumas ações são automatizadas, como aliados atacando automaticamente quem estiver no alcance. Não é necessário decorar e entender conceitos complicados, como melhoria de estruturas, por exemplo. Por conta disso, rapidamente entendi as mecânicas e já estava expandindo meu exército. Os mapas são gerados proceduralmente, são relativamente pequenos e há grande foco na agressividade, o que faz com que as partidas sejam rápidas (entre cinco e quinze minutos).
Controlar diretamente um comandante é uma experiência interessante e me lembrou um pouco os jogos da série Pikmin. Você é responsável por tudo, desde o reconhecimento do solo inimigo até coordenar as investidas contra a base inimiga. Assumir o papel do comandante faz com que seja muito difícil fazer várias ações simultaneamente, ao contrário de outros RTS em que você simplesmente dá várias ordens, o que faz com que o ritmo e andamento das partidas seja bem único — é necessário avaliar com cuidado as ações para evitar situações impossíveis de revidar.
Variedade na estratégia
O controle do exército também é simplificado. As unidades se movimentam para o ponto indicado pelo líder e atacam automaticamente oponentes que estejam no alcance. Um toque no gatilho indica ataque, já segurar o botão é traduzido como retirada. É possível comandar o exército todo de uma vez ou somente um tipo de unidade, o que dá margem para divisão de tarefas. É sempre muito legal liderar um grande exército de animais variados em uma grande investida, porém é um pouco difícil criar estratégias mais complexas por conta das opções limitadas de controle fino das unidades — veteranos de RTS vão ter dificuldade nesse aspecto.Sem a possibilidade de controlar minuciosamente os membros da tropa, a principal maneira de montar estratégias é feita pela escolha dos integrantes do exército. Tooth and Tail conta com 20 tipos distintos de unidades e é possível escolher até seis para os combates. As classes são bem criativas: esquilos com pistolas, furões armados com canhões portáteis, cobras venenosas, um javali com lança-chamas, gaviões com metralhadoras e assim por diante. Cada um dos tipos de unidades tem características únicas e as opções de combinações são bem vastas.
Com tantas possibilidades, consegui montar muitas estratégias diferentes. Em uma partida usei esquilos e lagartos como distração enquanto ataquei pelo outro lado com sapos explosivos e camaleões (que ficam invisíveis enquanto não estão atacando). Já em outra, próximo à minha base, escondi minas terrestres, montei torres com metralhadoras e em seguida atraí o exército inimigo para essa armadilha. Algo que me incomodou é que as características das unidades têm explicações bem simples e não achei que são suficientes para entender completamente como elas funcionam. Sendo assim, precisei de “tentativa e erro” para entender como usar certas unidades.
Lutando sozinho ou contra os outros
Tooth and Tail conta com multiplayer local com tela dividida e multiplayer online para até quatro jogadores, sendo que este último é dividido em partida simples e partidas ranqueadas. As partidas que joguei foram boas e não apresentaram lag, porém foi um pouco complicado encontrar oponentes até o momento, principalmente no modo ranqueado — o motivo disso é que o online é dividido por regiões e atualmente há poucos jogadores no Brasil. É provável que isso seja alterado no futuro, o que facilitará encontrar partidas.O jogo também conta com uma campanha solo e explora cada uma das quatro facções envolvidas no conflito. A modalidade é bem legal pelo fato de cada missão ter um objetivo distinto: em uma precisei roubar comida para alimentar o meu exército, em outra foi necessário libertar prisioneiros, em uma terceira situação contratei mercenários para acabar com o inimigo. A variedade é grande e todas as missões contam com um objetivo opcional adicional, que costuma ser bem difícil. Entre uma fase e outra, exploramos o quartel da facção e é possível conversar com NPCs para entender melhor as motivações de cada grupo.
A campanha solo é interessante, porém tem vários picos de dificuldade desagradáveis. Foram vários os momentos em que eu não conseguia passar de jeito nenhum das missões, principalmente por ter a sensação de que o jogo não me dava ferramentas suficientes para sair vitorioso — bastavam alguns poucos minutos para ser derrotado brutalmente. Tentei mudar de estratégia e levar em consideração uma dica que o jogo dá para cada missão, mas mesmo assim não consegui completar certos estágios. Isso fez com que a experiência no modo solo fosse bem frustrante, e parece ser consenso nos fóruns do jogo que a dificuldade é alta demais — torço para que os desenvolvedores atenuem um pouco esses problemas.
Estratégia única e divertida
Tooth and Tail cumpre o que promete ao oferecer estratégia em tempo real acessível e ágil. É bem divertido montar um exército de animais para atacar os oponentes e há vastas opções de estratégia por conta da variedade de unidades. O foco é claramente o modo multiplayer, que oferece muitas modalidades de jogo. Já o modo história é interessante, porém a experiência é atrapalhada pelos grandes picos de dificuldade. Sendo assim, Tooth and Tail consegue agradar tanto quem não joga títulos de estratégia quanto veteranos do gênero que procuram algo diferente.Prós
- Sistema de RTS acessível;
- Muitas opções de montagem de estratégias;
- Direção de arte e temática excelentes;
- Ótimo visual e música.
Contras
- Picos de dificuldade no modo história;
- Algumas mecânicas têm explicações insuficientes.
Tooth and Tail — PS4/PC — Nota: 8.5
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Alberto Canen