#StreetFighter30thAnniversary: a influência de Street Fighter nos games de luta

Em 30 anos de história, a franquia nos mostrou como foi possível dar um Hadouken nos jogos de luta e redefinir o gênero.

em 26/08/2017


Seja na criação ou evolução de gêneros consagrados e na influência que representaram para diversos tipos de jogos, certamente a série Street Fighter é uma daquelas que refletem seu legado até os dias atuais. O jogo criou uma verdadeira legião de fãs ao longo dos anos e se espalhou pelo mundo muito além dos videogames, transformando-se em um verdadeiro ícone pop.


A força que a franquia exerce hoje foi conquistada não apenas pelo carisma e personagens renomados, como Chun Li, Ken e Ryu, mas também por ter sido um dos títulos a introduzir um novo conceito aos jogos de luta, com mecânicas que se tornaram tão populares que praticamente não conseguimos imaginar os jogos atuais do gênero sem elas.

Para entendermos melhor a contribuição de Street Fighter no gênero, sobretudo seu título mais icônico, Street Fighter II (1991), é possível dividir a história dos jogos de luta em momentos anteriores e posteriores ao lançamento do primeiro título, em 1987.

O início de uma nova era

Antes de 1987, outros jogos de luta já despontavam nos arcades, a exemplo de Heavyweight Champ (1976) e Karate Champ (1984), que iniciaram o clássico sistema de batalhas um contra um na tela com o objetivo de derrotar o oponente com socos e chutes. A movimentação ocorria em uma alavanca analógica de quatro eixos (cima, baixo, esquerda, direita) e botões para a realização dos ataques.

Os primeiros jogos de luta, como Karate Champ, utilizavam alavancas analógicas com quatro eixos de direção
Diferentes estilos de artes marciais também já eram conhecidos nos arcades com Yie Ar Kung-Fu e levados aos consoles com The Way of Exploding Fist, no Commodore 64, ambos lançados em 1985. Contudo, os primeiros jogos de luta utilizavam mecânicas simples e que não eram tão diferentes de outro gênero de luta famoso na época: os beat’em ups, os games de briga de rua em progressão lateral.

De Kung-Fu Master (1984) a Renegade (1986), que introduziu a profundidade de movimentação (descer e subir na tela além de andar para a esquerda e direita), a única diferença notória entre os beat’em ups e os jogos de luta estava apenas na progressão de tela. Nesse prisma, a ambição da Capcom era criar um jogo de luta que apresentasse novos conceitos e mecânicas e que realmente diferenciasse o gênero a ponto de torná-lo único.

A ideia da Capcom era oferecer algo diferente do que os jogos de luta e beat'em ups como Kung Fu Master haviam feito
Ao desenvolver o primeiro Street Fighter, os designers Takashi Nishiyama e Hiroshi Matsumoto colocaram em prática a ideia de um personagem central como participante de um torneio mundial de artes marciais. Até aí, tudo bem, não fosse a adição de movimentos diferenciados de luta e ataques especiais.

O feito foi possível graças à alavanca analógica de oito eixos, que agora incluía movimentos diagonais. Isso promoveu uma melhoria da movimentação, que passou a permitir agachamentos e saltos, além do direcionamento dos ataques na tela, agora divididos em golpes fracos, médios e fortes para socos e chutes, com seis botões disponíveis no arcade.

Oito direções e seis botões de ataque. A inovação na mecânica de jogo virou padrão no gênero
A nova proposta até gerou confusão na época. Com tantos botões disponíveis, muitos acreditavam que jogar Street Fighter seria complexo demais o que, de fato, era um pouco, mas não devido à quantidade de botões, e sim à própria dificuldade do jogo, que não dava brecha para o jogador assimilar os novos movimentos. Ainda, a inteligência artificial era brutal e, não à toa, o título é considerado até hoje um dos mais difíceis da história dos games. Contudo, a possibilidade de traçar estratégias e movimentações diferentes já era algo bastante promissor para o gênero.

Além de poder desferir ataques com intensidades diferentes, os jogadores mais hardcore também podiam utilizar ataques especiais que ajudavam muito nas lutas. O curioso é que tais movimentos eram um segredo do jogo, pois não havia informação nenhuma sobre eles. Foi assim que surgiu a cultura do Hadouken, a famosa esfera de energia lançada por Ryu com as mãos.

Os movimentos especiais viraram a marca de Street Fighter, ampliando as estratégias de combate
Sua origem remonta ao anime “Patrulha Estelar”, no qual Takashi Nishiyama se inspirou no canhão Hadouhou de uma das naves interestelares. Traduzindo, seria algo como “canhão de onda”. O designer trocou a terminação hou por ken, formando assim o Hadouken, ou o “punho de onda”. Os outros dois ataques especiais, embora sem origem confirmada, também ganharam sua parcela de fama: o Shoryuken e o Tatsumaki Senpukyaku (nosso querido “tchaqui tchaqui tchuguem”).

A popularidade dos ataques especiais ficou mais evidente, pois eles eram pronunciados no jogo ao serem executados. Essa mecânica ajudou a fixar os elementos únicos trazidos por Street Fighter e que foram absorvidos pelos demais jogos produzidos desde então. Ainda contribuíram para facilitar a assimilação das novas mecânicas pelos jogadores. A partir desse momento, os games de luta ganharam identidade própria.

As inovações do primeiro Street Fighter mudaram a concepção dos jogos de luta, embora muito ainda estava por vir com o segundo título da série

O fenômeno

Embora não tenha gerado o sucesso esperado, as inovações trazidas pelo primeiro Street Fighter foram reavaliadas com esmero pela Capcom. Na época, o gênero beat’em up entrava em sua era de ouro com os lançamentos de Double Dragon (Arcade, 1987), Final Fight (Arcade, 1989), Golden Axe (Arcade, 1989) e Streets of Rage (Mega Drive, 1990).

Ao analisar o bom desempenho de Final Fight, considerada uma franquia irmã de Street Fighter e também produzida pela Capcom, a desenvolvedora absorveu alguns de seus elementos para a continuação do jogo de luta. A princípio, o próprio Final Fight seria a sequência para Street Fighter, mas a diferença de jogabilidade entre ambos fez a Capcom desenvolver uma continuação voltada para a estrutura de jogos de luta criada pelo antecessor.

Final Fight inspirou a adaptação gráfica pela qual Street Fighter II passou durante seu desenvolvimento
As animações de personagens e cenários do novo game tomaram por base as estruturas utilizadas pelo beat’em up, assim como a melhoria dos efeitos gráficos e sonoros proporcionados pela tecnologia CPS-1 nos arcades. O título foi lançado em fevereiro de 1991 sob o nome Street Fighter II: The World Warrior.

O Hadouken chegava com tudo nos anos 1990, e viria para mudar de vez a estrutura dos jogos de luta
A evolução sobre o game original era mais do que notável e o segundo título da série foi o primeiro na história dos jogos de luta a possibilitar a escolha de oito personagens jogáveis, cada um deles com seus estilos próprios de combate e técnicas especiais, um feito que impressionou muita gente e foi o responsável por formar rodas de crianças e adolescentes em torno das máquinas de arcade de Street Fighter II.

O interessante foi a ambição da Capcom ao representar os lutadores como praticantes de diversas artes marciais espalhadas pelo mundo. A própria tela de seleção de personagens mostrava um mapa-múndi apontando o país de origem de cada lutador. Esse fator contribuiu muito para a popularização do jogo ao redor do globo.


A representação feminina também ganhou mais destaque nos videogames com a personagem Chun Li, lutadora chinesa que popularizou a adição de mulheres nos jogos de luta, medida que se espalhou para a maioria dos títulos lançados desde então. Os aspectos sonoros ainda tornaram mais fáceis assimilar a pronúncia dos ataques especiais, mas mesmo assim ocasionaram grandes pérolas, como o Tiger Uppercut, do Sagat, que para nós brasileiros era o “Tiger Robocop”.

Após o lançamento de Street Fighter II, os jogos de luta nunca mais foram os mesmos, tamanha a repercussão e inovação. A popularidade do jogo alcançou níveis tão altos a ponto de transformá-lo num verdadeiro fenômeno comercial, extrapolando o universo dos videogames para os animes, brinquedos, álbuns de figurinhas e diversos outros produtos. Para efeito de comparação, Street Fighter II foi o jogo mais vendido na história da Capcom até 2009, quando perdeu o posto para Resident Evil 5.

O sucesso foi tão grande que Street Fighter II tornou-se um ícone em vendas e popularidade

O bug que virou regra

Em questões de jogabilidade, Street Fighter II mostrou novos rumos para o gênero, ampliando a mecânica dos ataques especiais, agora menos potentes que no original, e parte integrante das estratégias de combate. A intensidade dos ataques ficou mais perceptível, sobretudo na execução das técnicas especiais. O sistema de arremesso também foi introduzido pelo segundo título da Capcom, ampliando a gama de ataques disponíveis.

No entanto, uma das características mais marcantes foi a introdução de uma margem de erro em relação à execução dessas técnicas, possibilitando espaço para um contra-ataque. Por exemplo: ao soltar um Hadouken, Ryu fica vulnerável à eventual possibilidade de oponente saltar e atacá-lo, assim como é possível defender-se do Tiger Uppercut do Sagat e atacá-lo no intervalo de tempo em que ele retorna à sua posição de luta. Atacar o oponente nesses momentos causava mais dano que o normal.

A mecânica do contra-ataque aprimorou a estratégia de combate em Street Fighter II
Outro elemento que tornou-se padrão nos jogos do gênero foi o sistema de combos, sequência de ataques que causam mais dano ao adversário. A inclusão da mecânica, no entanto, não foi algo pensado pela equipe de desenvolvedores. Em entrevista concedida à revista Edge em 2002, o produtor Noritaka Funamizu explicou que os combos originaram-se durante uma checagem de bugs (erros) durante o estágio bônus em que era preciso destruir um carro.

Ao realizar um soco, Funamizu notou que era possível aplicar um segundo golpe durante o balanço de tempo do ataque anterior, iniciando uma sequência. “Pensei que fosse algo impossível de fazer de forma útil à jogabilidade, já que o balanço de tempo era difícil de conseguir”, disse o produtor. Mal sabia ele que a partir dali nasceria o sistema de combos que conhecemos hoje.

Um erro que se tornou uma das maiores mecânicas de combate nos jogos de luta
Tanto que nos títulos posteriores, como Street Fighter II: Champion Edition (1992), Street Fighter II Turbo: Hyper Fighting (1992) e Super Street Fighter II: The New Challengers (1993), o sistema foi reformulado e aplicado às mecânicas de combate, bem como em todos os outros jogos da série Street Fighter e jogos de luta de outras desenvolvedoras.

O desenvolvimento de Street Fighter II, contudo, ocasionou o rompimento da equipe de designers, com Takashi Nishiyama saindo da Capcom para posteriormente ser contratado pela SNK. Dessa forma, enquanto Yoshiki Okamoto foi o responsável por liderar a equipe de produção de Street Fighter II, Nishiyama foi o nome por trás da criação de seus principais rivais: Fatal Fury e Art of Fighting, cuja união deu origem à franquia King of Fighters.

Depois de Street Fighter II

O cenário dos jogos de luta mudou depois de Street Fighter II. O empenho não só da Capcom, mas de outras produtoras, como a própria SNK e a Midway Games, responsável por Mortal Kombat (1992), colocou o gênero como um dos mais importantes e lucrativos dos anos 1990.

O título da Capcom, por mais que os jogadores pedissem por uma sequência, tamanha a quantidade de ports e versões atualizadas que Street Fighter II teve para diversas plataformas, ainda foi capaz que introduzir mais um elemento: a adição de personagens secretos. Por mais que os quatro chefes finais (Balrog, Vega, Sagat e Bison) já estivessem inclusos nas novas versões do game, uma brincadeira de 1º de abril da revista EGM criou uma onda de suspeitas sobre o tal mestre de Ryu e Ken como personagem jogável.

Muita gente caiu na brincadeira da EGM e passou horas jogando Street Fighter para habilitar o suposto mestre de Ken e Ryu
A pegadinha foi levada tão a sério pela Capcom que, em 1994, ao lançar Street Fighter II: Turbo, o suposto personagem secreto, Akuma, aparecia ao iniciar a luta contra Bison, atordoando o oponente e assumindo o lugar como chefe final do jogo.

Explicações sobre sua aparição seriam detalhadas com o lançamento da série Street Fighter Alpha, a partir de 1995, quando a Capcom começou a trabalhar melhor os diálogos, histórias e motivações envolvendo cada personagem. A série Alpha também trouxe outra mecânica inovadora para os jogos de luta: a possibilidade de bloquear ataques no ar.

Em 1997, chegava aos arcades o tão aguardado Street Fighter III: New Generation, trazendo duas novas adições à jogabilidade. A primeira foi a possibilidade de bloquear (parry) o ataque do oponente e iniciar um contra-ataque em seguida, estratégia também que é válida para combos especiais, que podiam ser anulados sem causar dano ao jogador. A segunda adição foi o Super Art, técnica especial com sequências de ataque mais poderosas.

Além dos novos sistemas de batalha, Street Fighter III era um primor gráfico para 1997
Um fato que prejudicou a popularização de Street Fighter III foi que a quinta geração de consoles (PS, Saturn, N64, 3DO e Atari Jaguar) não suportava a placa de processamento do jogo, o que restringiu sua repercussão apenas para os arcades da época. Posteriormente, novas versões do jogo chegaram aos consoles, porém, sem o mesmo impacto.

Silêncio e redenção

Entre o lançamento de Street Fighter III e Street Fighter IV (2008), passaram-se incríveis onze anos e a Capcom avaliou bastante a aceitação dos jogos de luta para uma nova geração de jogadores. O quarto título da série trouxe de volta personagens consagrados e uma jogabilidade mais parecida com os primeiros Street Fighter.

O visual 2.5D chamou a atenção, mas o título também trouxe novos movimentos e estratégias
Além de manter os já populares combos, super combos e sequências de ataques especiais, Street Fighter IV, agora com visual em 2.5D, foi além com o seu novo sistema de ultra combo: uma variante dos ataques sequenciais super poderosos, desta vez com animações cinematográficas de cair o queixo que exibem alterações nos ângulos de câmera e que colaboravam com a representação da extensão de poder de cada personagem.

Outro sistema inovador foi o Focus Attack, mecânica que tinha por objetivo equilibrar a jogabilidade e impedir os jogadores de usarem combos a todo momento. Agora, era possível absorver os ataques do oponente num primeiro momento, tendo sua barra de vida regenerada em seguida, e desferir um contra-ataque poderoso. Esse novo sistema tornava as partidas mais equilibradas, indo de encontro ao que o produtor Yoshinori Ono chamava de “ler os movimentos do oponente antes de atacar”, técnica inspirada no boxe.

Alternâncias de câmera e a devastação dos ultra combos tornaram mais dinâmicas as lutas em Street Fighter IV
Apesar do longo hiato, a franquia conseguiu voltar com tudo, agradando veteranos e oferecendo uma oportunidade para que novas pessoas conhecessem Street Fighter. Ao mesmo tempo em que trouxe elementos capazes de atrair jogadores mais casuais, o jogo oferecia mecânicas e estratégias complexas para torná-lo importante também no cenário competitivo.

O que temos hoje

O direcionamento maior para o ambiente on-line e disputas competitivas em torneios foi a principal prioridade no desenvolvimento de Street Fighter V (2016). O mérito do quinto título da série principal foi tornar as mecânicas de combate mais passíveis de entendimento, o que consequentemente melhora a experiência de todos os tipos de jogadores.

A novidade ficou por conta do sistema V-Gauge, que trouxe três modos de execução de ataques, com movimentos únicos, aumento de atributos e movimentos de contra-ataque de acordo com o preenchimento da respectiva barra na tela.

Street Fighter V trouxe uma jogabilidade mais acessível e foco no cenário competitivo
Em termos de contribuições para os jogos de luta, Street Fighter V definitivamente colocou a franquia como uma das mais promissoras do gênero para os e-sports, um feito notável e mais do que merecido para uma série tão importante.

Após 30 anos, Street Fighter é, reconhecidamente, um dos maiores influenciadores para a evolução dos jogos de luta em todas as gerações pelas quais passou. A franquia tornou-se referência do gênero, tal qual Mario é tido como um ícone para os jogos de plataforma. Esse reconhecimento só foi possível pois a série foi capaz de estabelecer as estruturas dos jogos de luta e redefinir o significado do gênero.

Diversos outros jogos de luta surgiram ao longo dessas três décadas, cada um trazendo sua própria contribuição. No entanto, negar a participação de Street Fighter na história do gênero seria como negar a própria história dos videogames como um todo e, com certeza, continuaremos torcendo para que a saga de Ryu e Ken continue a nos proporcionar grandes evoluções e momentos marcantes.



Revisão: João Pedro Boaventura

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