Análise: Mega Man Legacy Collection 2 mostra que o robô azul ainda diverte – e a culpa não é da Capcom

A segunda parte da coletânea lançada em 2015 resgata os tempos de fundo do poço da série principal num tratamento xexelento por parte da Capcom e do estúdio Digital Eclipse.

em 14/08/2017

Costumo brincar que Deus, inspirado, criou o Mega Man. O diabo, com inveja, criou a Capcom e fez com que o robozinho fosse dela. Depois do sucesso nos anos oitenta, a série passou a sofrer com o desgaste. Apesar de resultar em alguns spin-offs, como Mega Man X e Battle Network, a série, nos últimos anos, foi claramente preterida pela empresa, que focava suas atenções em franquias mais modernas, como Monster Hunter ou que ainda tinham algum apelo comercial, como Street Fighter (ao menos até o V).


Mega Man Legacy Collection 2 é uma seleção dos games numerados da franquia. Sequência da primeira coletânea, que reuniu do primeiro ao sexto jogo, todos para NES, essa segunda compilação  reúne do sétimo ao décimo título, lançados para diversas plataformas entre 1995 e 2010. O estúdio Digital Eclipse foi o responsável por ambas as versões.

Mega Man 7 foi o primeiro da série principal lançado para SNES e, teoricamente, deveria ter apresentado uma série de inovações técnicas, o esperado de um jogo desenvolvido para um aparelho mais moderno e potente na época. O principal problema é que, um ano antes, a Capcom havia mostrado ao mundo Mega Man X, que promoveu uma revolução na franquia com novas mecânicas e ideias. Isso fez com que MM7 parecesse defasado já em seu lançamento, sem falar dos estágios pouco inspirados e chefes repetitivos.



O oitavo jogo, lançado em 1996 inicialmente para PlayStation e logo depois para o Saturn, conseguiu deixar um gosto ainda mais amargo na boca. Ele, paradoxalmente, mantém a essência da série que entrou em ostracismo e apresenta inovações sem alma alguma e que em nada contribuem para uma experiência diferenciada. O estágio  do Frost Man, por exemplo, tem um trecho em cima de uma prancha de neve, similar a uma das fases de carrinho na mina dos Donkey Kong Country, mas aqui parece ter ficado muito fora da atmosfera original do game, além do level design não ter nem um terço do brilhantismo das fases da franquia do gorilão.

A recepção negativa por parte da crítica (e com razão) de Mega Man 8 fez com que a série principal entrasse em hiato, com a Capcom dando mais destaque para os spin-offs, como os já citados X e Battle Network, além da série Legends e Zero. 2008 chega, e com ele, anúncio de Mega Man 9. Ao contrário dos últimos jogos, que aproveitaram os recursos e potência dos aparelhos mais modernos até então, MM9 seguiu na contramão e aproveitou a onda retrô dos games que persiste até hoje.

Lançado para WiiWare, PSN e XBLA, o nono game da franquia ressuscita a estética singular dos 8-bits e seu DNA tem o que há de mais puro dos jogos de plataforma. É realmente gratificante se aventurar por MM9 depois da monotonia e do pesadelo que foram MM7 e MM8, respectivamente. O design de fases é desafiante, mas não frustrante. Se o jogador perde, ele continua se sentindo estimulado a continuar. Eu gostaria de dizer que a coletânea Legacy como um todo é uma homenagem à era de ouro de Mega Man, mas o próprio nono título, seja lá em 2008, seja hoje, quase dez anos depois de seu lançamento, já consegue essa façanha ao apresentar uma nova experiência que apesar de carregar uma carga nostálgica, não é calcada inteiramente nela.



O décimo título, lançado dois anos depois, tem seu brilho próprio, embora menos intenso, visto que acabou surfando demais na onda de seu predecessor. Ele diverte e em alguns momentos pode até se mostrar superior tecnicamente, mas não contou com a mesma alma de quem retorna triunfante de um sono de uma década.

Considerando a coletânea como um todo, o mais interessante é que, mesmo sendo estágios consideravelmente curtos e jogos relativamente fracos ou até mesmo ruins, o jogador não vê o tempo passando. Em praticamente duas ou três sessões de jogatina, eu já tinha doze horas registradas. Isso dá uma média de umas cinco horas por jogatina. Isso é um indício de que, com todos os problemas, mesmo os gritantes, os games divertem e viciam por si só.

É quando passamos a análise do individual para o todo. Eu não consigo levar essa coleção a sério. Uma série de indagações permeiam a minha mente e me fazem lamentar cada vez mais pelo fato do Mega (sem o Man para os íntimos) ser uma marca pertencente à Capcom. Por que separar a coleção em duas partes, já que os jogos são incrivelmente simples e leves, o que os faz ocupar menos espaço e, portanto, poderiam ser aglomerados em um único título? Mega Man Anniversary Collection foi lançado para a sexta geração de consoles e conseguiu encaixar todos os oito lançados até então numa única mídia. Eu duvido que o nono e o décimo jogo sejam tão pesados assim para terem feito com que o lançamento tenha sido dividido em duas partes.



Além disso, por que não encaixar Mega Man & Bass? Ele pode não ser numerado, mas se insere  entre o oitavo e o nono game e com certeza seria  uma adição que balancearia as duas versões, já que a primeira edição do Legacy Collection tem seis jogos, ao contrário dos quatro desta segunda. A meu ver, isso só pesa contra a Capcom e, consequentemente, contra o produto final propriamente dito. Por mais divertido que seja, poderia ter sido melhor. Isso sem falar de outros detalhes, como a queda de quadros que deu para sentir ao jogar em tela cheia. Pelo amor de deus, o mais recente desses jogos tem pelo menos sete anos. Esse tipo de port deveria ser otimizado a ponto de fazer com que uma torradeira conseguisse rodar o jogo no máximo sem problemas. O fato de serem quase quatro gigas ocupados no disco rígido também pesa contra.

A cereja no bolo, no entanto, é o fato de não sair para o Nintendo 3DS. Vamos lá, a primeira compilação saiu para o 3DS e nessa segunda o único que não teve lançamento individual para um aparelho da Nintendo foi o Mega Man 8. A versão de Wii do MM9 foi, inclusive, a mais bem avaliada em relação às dos outros consoles, segundo o Metacritic. Seria esperado ao menos uma justificativa do motivo de isso ter acontecido, mas fazer o quê? É a Capcom.



Acredito que o maior diferencial dessa coletânea sejam os desafios que consistem em versões remixadas das fases e chefes que aumentam o fator de replay, mas nada que torne essa coletânea estritamente diferente ou sequer superior às demais. O mesmo vale para as galerias com ilustrações raras e o player com as músicas dos quatro jogos presentes que, na minha opinião, deveriam poder ser desbloqueadas só depois de fechar cada um dos jogos, o que estimularia mais o jogador a fechar todos . Dar tudo de bandeja desse jeito só reforça a impressão de que o título foi compilado nas coxas.

O certo seria dar duas notas: uma delas referente aos jogos em si e a outra julgando a maneira como a coleção foi feita. Como eu acabei me divertindo com três dos quatro jogos presentes – o sétimo pode não ser uma experiência inesquecível, mas ao menos entretém - seria hipocrisia descontar a decepção em relação ao acabamento dado. Legacy Collection não é a coletânea o que o Mega Man merecia, mas, julgando a forma como ele é tratado por sua dona, é o que o simpático robô precisava. É irônico pensar que o melhor tratamento que ele recebeu em anos foi a Nintendo que deu ao colocá-lo no Super Smash Bros..

Prós:

  • Mega Man 9 e 10;
  • Os jogos continuam divertidos, independentes do tratamento.

Contras

  • Não ter Mega Man & Bass;
  • Mercenarismo da Capcom em dividir em duas partes;
  • Ignorar um lançamento para o 3DS.
Mega Man Legacy Collection 2 – PC/PlayStation 4/Xbox One – Nota: 7,5
Plataforma utilizada na análise: PC
Revisão: João Paulo Benevides


É jornalista formado pelo Mackenzie e pós-graduado em teoria da comunicação (como se isso significasse alguma coisa) pela Cásper Líbero. Tem um blog particular onde escreve um monte de groselha e também é autor de Comunicação Eletrônica, (mais um) livro que aborda história dos games, mas sob a perspectiva da cultura e da comunicação.
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