Pitfall 35 anos: o legado do primeiro aventureiro

Criado a partir de uma ideia simples, o título apresentou mecânicas inovadoras para a época e conquistou seu espaço na história dos videogames.

em 27/04/2017

A trajetória dos videogames é formada por momentos que definem a maneira como nos relacionamos com os jogos, suas mecânicas e evoluções através dos tempos. Desde o início desse processo, o intuito sempre foi criar algo cativante, divertido e que proporcionasse imersão. Se hoje, sentar em frente à televisão, ligar um videogame ou um console portátil e passar horas jogando parece algo trivial, tamanha a diversidade de títulos disponíveis no mercado e o crescimento de seu público consumidor, bem como o avanço tecnológico, devemos isso a alguns representantes dessa história que iniciaram, muitas vezes com ideias simples anotadas num pedaço de papel, o alicerce que sustenta a inovação e jogabilidade.


E foi na selva, entre crocodilos, pântanos e buracos, que um jovem aventureiro começou sua corrida contra o tempo para entrar no rol dos títulos que definiram uma geração e serviram de inspiração para as seguintes. Em 1982, há exatos 35 anos, nascia Pitfall! Pitfall Harry’s Jungle Adventure, para o saudoso Atari 2600.

O conceito de um clássico

Não, você não leu errado. O nome original era esse mesmo – com dois “Pitfall” no título e o primeiro com ponto de exclamação — desenvolvido pela Activision através do programador David Crane. Vários donos de Atari ou quem jogou na época devem se lembrar da capa estampada no cartucho, ou mesmo de suas inúmeras variantes publicadas naquelas “fitas” que vinham com mais de um jogo. O próprio Atari da Polivox vinha com Pitfall, mas sem mencionar na capa o nome da desenvolvedora.

A arte das capas dos cartuchos de Atari seguiam esse padrão, com uma imagem e diversas informações
A ideia por trás do jogo surgiu em 1979, quando Crane concebeu a tecnologia para representar, realisticamente em uma tela, um homem correndo. Três anos depois, ele buscava por uma empresa que pudesse transformar o conceito em uma experiência através dos videogames.

Foi a partir de uma premissa básica que constituiu-se a estrutura que viria a se tornar o primeiro Pitfall: um desenho feito em papel — conforme relato do próprio Crane em entrevista concedida à revista Edge — de um personagem correndo sobre uma linha horizontal. Daí, veio a ambientação (uma selva representada por algumas árvores) e o motivo da correria (a coleta de tesouros). Então vieram os obstáculos e inimigos para desviar. Pronto: aí estava o conceito de Pitfall, desenhado em dez minutos.

O homem por trás do clássico: David Crane criou o conceito de Pitfall em dez minutos numa folha de papel
Com mais de quatro milhões de cópias vendidas, o título foi o primeiro grande sucesso da Activision, fundada também em 1979 por ex-programadores da Atari, tornando-se a primeira empresa terceira (third party) da história. Como a Atari não colocava nos créditos dos jogos os nomes de seus desenvolvedores, alguns deles decidiram sair e criar uma desenvolvedora independente, entre eles o próprio David Crane. No mesmo ano do lançamento de Pitfall, a Activision também lançou o clássico River Raid e, no ano seguinte, nada menos que o super conhecido Enduro.

Pitfall figurou entre os grandes sucessos do Atari na década de 80

Um salto para o futuro

Muito além do nome e da popularidade, Pitfall! Pitfall Harry’s Jungle Adventure foi um dos pilares para o desenvolvimento da jogabilidade em progressão lateral. É claro que em uma versão mais básica e que depois acabou sendo aprimorada por clássicos como Super Mario Bros. (NES) e até mesmo a mudança de tela em The Legend of Zelda (NES) vista anos depois. Ainda sem a chamada progressão contínua, Pitfall trazia ao todo 255 telas, cada uma apresentando um desafio, seja correr e saltar sobre um tronco de árvore ou agarrar-se em cipós para atravessar um buraco.

A meta era alcançar o maior número de pontos e coletar todos os 32 tesouros no comando do personagem Pitfall Harry. Embora parecesse fácil, o jogo ainda trazia um cronômetro, obrigando o jogador a fazer tudo isso em menos de 20 minutos. Sem falar nas opções de caminhos possíveis, muitos deles passando por dentro dos buracos, que apresentavam passagens subterrâneas que o levavam a um tesouro ou a uma área sem saída. Some a isso o fato de possuir apenas três vidas e enfrentar uma série de obstáculos, como crocodilos, áreas com areia movediça, cobras, escorpiões, e você tinha uma aventura completa num cartucho com uma limitação de código de até quatro quilobytes (4 kB).

Em cada tela do jogo, um desafio a ser superado, como saltar sobre buracos, lagos e animais perigosos

O jogo começava daquela maneira bem das antigas, sem introdução ou tutoriais. Era o jogador e a selva e a linha de aprendizado evoluía naturalmente. O típico conceito de ligar e jogar. Mesmo com as limitações técnicas da época, os elementos visuais cumpriam bem o seu papel de situar o jogador no cenário multicolorido, até mesmo com alguns efeitos animados, uma proeza para o Atari 2600. Os cipós usados por Pitfall Harry foram criados com uma repetição de pixels únicos em movimento, um feito criativo e significativo no sistema.

Novidade até então, a progressão do jogo podia ocorrer tanto da esquerda para a direita como no sentido oposto. Na questão sonora, só havia a ocorrência de trilhas ao agarrar-se nos cipós (aquele grito no estilo Tarzan) e o som de quando perdíamos uma vida. Elementos simples, mas que davam o charme necessário. O tempo de jogo, inclusive, era bem maior que muitos títulos lançados para o Atari, embora muitos deles fossem versões portadas de jogos de fliperama (arcade).

Além de percorrer a superfície da selva, o jogador podia descer em túneis para encontrar tesouros escondidos

No lugar certo, na hora certa

Em 1982, o mundo vivia o boom dos videogames e a Atari planejava expandir cada vez mais sua influência. Muitas empresas entraram no ramo do desenvolvimento de jogos e isso culminou com a criação de títulos mal produzidos e sem criatividade. Nesse prisma, antes do crash de 1983, que quase afundou de vez a indústria, encontrar exemplos como Pitfall mostrava o empenho de algumas desenvolvedoras em proporcionar boas experiências e até mesmo recompensar o jogador.

Aqueles que alcançavam mais de 20.000 pontos em Pitfall podiam enviar uma foto da tela do jogo a Activision, que os colocava no Explorer’s Club (Clube dos Exploradores), com direito a receber em casa um emblema exclusivo do jogo. Um incentivo que, de certa maneira, nada mais era que o princípio do sistema de conquistas que temos na geração atual.

Ostentação na época era conseguir um emblema destes, entregue pela Activision aos jogadores que alcançassem a marca dos 20.000 pontos
Outro fator que ajudou muito a recepção de Pitfall entre o público foi o sucesso do filme Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida, lançado pouco tempo antes. A semelhança com a ambientação e história do herói interpretado por Harrison Ford tornou o jogo o número um na Billboard por 64 semanas seguidas. Em agosto de 1982, a revista Arcade Express considerou Pitfall como "o melhor jogo de aventura até então produzido para o Atari". O título ainda recebeu o prêmio de melhor jogo de aventura na quarta premiação anual Arkie Awards. Aliás, que outro jogo poderia ter tido o ator Jack Black, ainda com 13 anos de idade, como protagonista no comercial de TV? Sem palavras.


O primeiro aventureiro e seu legado

Com todo esse sucesso, Pitfall foi relançado em inúmeras versões para os mais variados aparelhos da época, como o MSX, Commodore 64, Atari 800, ColecoVision e Intellivision. Algumas dessas adaptações inclusive chegaram ao mercado com outros nomes, como “Trapfall”, ou parte de compilações de vários jogos em um único cartucho. A sequência, Pitfall II: Lost Caverns, foi lançada em 1983 com mais conteúdo e uma aventura que apresentava o final da história, diferente dos demais jogos de Atari, que “congelavam” ou repetiam a seleção de fases. O título acabou sendo relançado nos fliperamas da Sega em 1985 e saiu para NES dois anos depois sob o nome Super Pitfall.

Em Pitfall II, a exploração ficou ainda maior, com mais conteúdo e enredo que apresentava o final da história

Na geração 16-bits, a Activision lançou, em 1994, Pitfall: The Mayan Adventure para SNES e Megadrive, desta vez com Harry Jr. como protagonista, em busca do pai que foi sequestrado, aparecendo no ano seguinte também para Sega CD, Sega 32X, Atari Jaguar e no Windows 95. O título foi relançado em 2001 para GBA com a inclusão da versão original de Pitfall. Outras versões compreendem Pitfall 3D: Beyond the Jungle, para PSX e GBC, e Pitfall: The Lost Expedition, lançado para Xbox, GC e PS2. Uma adaptação ainda saiu para Wii em 2008.

Na geração 16-bits, o título também deu as caras em Pitfall: The Mayan Adventure, que trouxe boa jogabilidade e ambientação
O serviço Microsoft Game Room para X360 também trouxe o Pitfall original em 2010, lançado depois para Windows Phone, iOS e Android, desta vez com a jogabilidade de um jogo de corrida sem fim, ao estilo Temple Run.

Homenagens

Um ano após seu lançamento, em 1983, Pitfall recebeu uma série animada chamada Pitfall Harry, trazendo os personagens Harry, sua sobrinha Rhonda e o leão covarde da montanha, Quickclaw, em episódios semanais no canal CBS. Já a série South Park fez uma referência a Pitfall no episódio “Red Hot Catholic Love”, quando um dos personagens procura por um documento especial e acaba caindo em uma área que simula uma partida do jogo.

O sucesso foi tanto que Pitfall virou até desenho animado em 1983
O filme Detona Ralph, que presta uma homenagem aos jogos antigos, também faz uma referência a Pitfall, mostrando o personagem entre os vários presentes no centro de ligação entre os fliperamas, um dos locais onde a história se desenrola. Nos jogos, as referências são várias, como um estágio em Marvel Ultimate Alliance com o jogo rodando em um dos fliperamas do cenário e uma imagem de Pitfall Harry no “Hall da Fama dos Caras”, em I Wanna Be The Guy. O título ainda pode ser jogado em Call of Duty: Black Ops II (Multi) no mapa “Nuketown 2025”, ou em Fallout 4, no minigame “Pip-Fall”, uma clara homenagem ao clássico.

Se hoje temos grandes representantes dos jogos de aventura e coleta de tesouros, como Drake na franquia Uncharted e Lara Croft em Tomb Raider, devemos nos lembrar que, lá atrás, Pitfall Harry já sinalizava o caminho para o sucesso deste gênero. A curiosidade e sentimento de descoberta, aliada à travessia de locais perigosos em florestas e ruínas, demonstra que Pitfall deu o primeiro salto no desconhecido para nos levar ao maior tesouro de todos: a diversão.


E você? Tem alguma lembrança de Pitfall? Não deixe de comentar e prestar sua homenagem a um dos maiores clássicos de aventura 8-bit dos videogames.

Revisão: Arthur Maia

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