Enquanto há uma diversidade de indies experimentando o que é possível em realidade virtual, o suporte de grandes publishers tem sido cauteloso, exceto por alguns projetos patrocinados diretamente pela Sony. A Ubisoft pode ser conhecida pelas vendas seguras de Assassin's Creed, mas também frequentemente é a primeira empresa a abraçar novos conceitos na indústria — estava lá para o Wii e o Wii U e novamente dá as caras com alguns lançamentos curiosos em realidade virtual.
O primeiro jogo exclusivo para VR publicado pela francesa é Eagle Flight (jogável com PlayStation VR, Oculus Rift ou HTC Vive), que, à primeira vista, pode até parecer ser um spin-off de Assassin's Creed. Como é de se esperar da Ubisoft, trata-se de um jogo em mundo aberto, aproveitando o conhecimento adquirido no desenvolvimento de Assassin's Creed Unity (Multi) para nos apresentar uma grandiosa vista de uma Paris pós-apocalíptica.
Passando-se décadas após a extinção humana, vemos uma cidade abandonada pela civilização, mas cheia de natureza, incluindo diversas famílias de animais que fugiram do zoológico e fizeram de parques e lagoas seus lares. O sinal mais óbvio desse contexto é um satélite caído próximo à Torre Eiffel (eu teria gostado de ver mais indícios da queda da humanidade que permitiu o retorno da poderosa natureza).
Utilizando a popular engine Unity, os sacrifícios visuais necessários para se atingir a alta taxa de quadros necessária para realidade virtual são notáveis — espere uma cidade cartunesca e estilizada, não cheia de detalhes como em Assassin's Creed —, mas isso não atrapalha enquanto voamos em estreitos becos procurando por túneis de vento para pegar velocidade. Como já é de se esperar de jogos em VR, a sensação de estar naquele mundo é mais empolgante do que o realismo que enxergamos.
A campanha de Eagle Flight segue, como você já deve imaginar, a história de uma águia, desde o seu nascimento até o nascimento de seus filhotes. Ao longo dessa jornada, a águia deve explorar a cidade, encontrar outra águia para formar um casal e proteger seu ninho de outras aves. Tudo isso é contado de forma bastante linear, repetindo estilos de desafios mas aumentando a dificuldade. Os desafios em si remetem — novamente — a Assassin's Creed, envolvendo algum determinado percurso na cidade, um tipo de objetivo (coletar penas, pescar peixes, atravessar anéis, derrotar urubus) e um limite de tempo.
Parece que todo jogo que dá a liberdade de voo ao jogador envolve missões sobre atravessar anéis (lembra de Superman para Nintendo 64?). Eagle Flight também conta com fases deste tipo, mas nunca vi missões assim serem tão divertidas. Graças à perspectiva em primeira pessoa (ou primeira águia?), só faltou o vento soprando meus cabelos para sentir completamente a sensação de velocidade. Os anéis acabam sendo apenas um guia para o jogador poder encontrar uma rota divertida de percorrer.
Nessas missões, assim como em outras que nos desafiam a percorrer um trecho do subsolo parisiano o mais rápido possível, é legitimamente agoniante dar de bico em um obstáculo, pois toda a inércia é imediatamente encerrada. Em quase todas as vezes, fiz uma careta para demonstrar minha quase-dor. Infelizmente, apesar de adicionar imersão, a perspectiva em primeira pessoa também deixa difícil de saber exatamnente quando vamos colidir com um objeto ou não, fazendo com que algumas mortes pareçam injustas.
Ainda há missões de combate, nos quais o objetivo é derrubar urubus, morcegos ou falcões que invadem seu território (ou defender seu companheiro de tais aves). Definitivamente, é uma quebra precisar apertar um botão para soltar uma onda sonora que estoura aves, o que não se encaixa muito com a aparente seriedade do restante do jogo. A sensação é que essas missões são apenas uma introdução para o multiplayer competitivo, que coloca duas equipes de águias para se enfrentar. Tentei experimentar esse modo, mas não encontrei outros jogadores para formar um grupo, mesmo considerando que o jogo suporta partidas entre jogadores no PC e PS4.
Como videogame, talvez o aspecto mais fascinante de Eagle Flight seja o uso de um tipo de controle com o qual não estamos habituados: nossas cabeças. Os gatilhos do controle servem como acelerador e freio, enquanto os botões de face nos permitem atacar e defender, mas a movimentação em si é toda controlada pelo giro e inclinação da cabeça. Senti um pouco de tontura no começo, especialmente ao girar minha cabeça para fazer curvas, mas rapidamente me adaptei à sensação.
Para veteranos dos analógicos, controlar um jogo com a cabeça é um mecanismo diferente com o qual se acostumar, mas isso também deixa o game acessível para os curiosos da mídia. Especialmente nesta fase inicial de realidade virtual, é importante que existam jogos que possam ser consumidos não só pelos jogadores experientes, mas também por seus pais e avós, e Eagle Flight consegue atingir isso. Até minha avó conseguiu curtir um voo sobre Paris no jogo.
Eagle Flight mostra que há muito espaço para pequenos projetos de grandes empresas em VR. Com o relativamente baixo volume de títulos disponíveis em realidade virtual, é uma ótima oportunidade para projetos assim ganhar notoriedade, e é ainda melhor quando são legitimamente bons jogos. O experimento da Ubisoft mostra que atividades que poderiam ser só passageiramente interessantes normalmente se tornam supreendentemente engajadoras com o simples uso da tecnologia.
Prós
- Imersão do game dá nova vida a estruturas "manjadas";
- O controle com a cabeça é diferente, mas divertido e acessível;
- Interessante construção de um mundo pós-apocalíptico.
Contras
- A perspectiva, às vezes, torna difícil o ato de passar por obstáculos;
- Missões de combate são apenas introduções para um multiplayer morto;
- O jogo pode causar leves tonturas em alguns momentos.
Eagle Flight — PS4/PC — Nota: 7.5
Plataforma utilizada para análise: PS4
Revisão: Jaime Ninice