Desde o advento dos jogos em 3D na época do Nintendo 64 e do PlayStation, a atividade de colecionar objetos finitos no mundo do jogo, às vezes sem motivação aparente, tem sido uma mecânica aproveitada em diversos gêneros. De Super Mario 64 e Banjo & Kazooie até Assassin's Creed e Batman Arkham, as chamadas “collectathons” (maratonas de coleção) são uma forma de dar substância a mundos que outrora seriam considerados vazios demais.
A desenvolvedora Insomniac Games, responsável pela série Ratchet & Clank no PlayStation 2 e por Sunset Overdrive no Xbox One, já conhece muito bem esse conceito. Foi brincando com essa ideia de coleção e com a frustração sentida pelos jogadores que teimam em coletar 100% de tudo que for possível num videogame que a Insomniac lançou Slow Down, Bull, a primeira investida da empresa no mercado de PC. Metade dos lucros do jogo serão enviados a uma instituição de caridade infantil, e essa causa nobre foi por si só motivo suficiente para eu querer experimentá-lo.
Por trás da apresentação leve, com gráficos que poderiam ser simulados por uma criança com papel, lápis de cor e tesoura, Slow Down, Bull esconde um exemplo surpreendente de metalinguagem em videogames, que só se torna aparente após passar por algumas fases do jogo. Em cada fase, eu controlei o touro Esteban, cujo objetivo é coletar decorações para usar em suas artes. Parece simples, mas a combinação de controles, posicionamento de objetos e inimigos, o limite de tempo e os arranjos dos mapas colaboram para tornar essa tarefa muito mais complexa do que inicialmente parece.
À medida em que Esteban bate em paredes, ele corre mais rápido — mas, como consequência, começa se estressar. Após o estresse chegar a um certo ponto, ele sofre de um ataque de fúria, que só posso assistir e esperar até acabar. No começo de cada fase, Esteban se move lentamente, então é natural desejar bater logo em várias paredes para acelerá-lo. Quando menos se espera, Esteban está se movendo rapidamente pelo mapa e facilmente estressável, enquanto eu estava cada vez mais sujeito a cometer um erro e perder boa parte das decorações que coletei.
De repente, me encontrei frustrado com um jogo cujos visuais remetem mais a Kirby's Epic Yarn do que Dark Souls. “Poxa,” pensei. “Com tantos elementos diferentes impedindo a fluidez do jogo, parece que ele foi projetado para ser o mais irritante possível.” E, é claro, após um momento de reflexão, percebi que essa era a mensagem que o jogo estava passando. O estresse de Esteban nada mais era do que uma reflexão do meu estresse como jogador, frustrado pelos diversos obstáculos e irritado quando perdia o que havia coletado com tanto esforço.
Para quem está acostumado a reiniciar uma fase sempre que algo dá errado, Slow Down, Bull se demonstrará um desafio à paciência, pois quase inevitavelmente algo vai dar errado. Ao final de cada fase, eu era recompensado com medalhas por ter coletado todas as decorações da fase, ou a terminado sem deixar Esteban furioso nenhuma vez. Enquanto nas primeiras fases isso foi fácil de conquistar, isso muda rapidamente e, após finalmente conseguir terminar uma fase sem nenhuma medalha, pensava se realmente valeria a pena passar por tudo aquilo de novo e me estressar ainda mais tentando pegar tudo perfeitamente, apenas por um marcador simbólico num videogame.
Apesar dessa mensagem interessante (que pode ser valiosa para aqueles que sempre buscam o troféu de platina) e dos objetivos filantrópicos do jogo, Slow Down, Bull sofre porque, no final das contas, ele não é muito divertido. Todos esses elementos propositalmente colocados nele para serem frustrantes sucedem em justamente isso, enquanto geralmente meu objetivo ao jogar um videogame é justamente o contrário. Após jogar o suficiente dele para poder analisá-lo, tenho pouca vontade de jogar mais, pois sei que as fases só vão se tornar cada vez mais frustrantes — e eu vou ficar mais estressado. Recomendo conferir Slow Down, Bull porque requer pouco investimento (de tempo e de dinheiro) e sua grana será aplicada numa boa causa. Jogar as primeiras fases pode ser uma experiência importante para qualquer jogador, mesmo que careça de motivos para continuar jogando além disso.
Prós
- Metalinguagem interessante com uma mensagem importante para jogadores;
- Arte fofa e carismática;
- Lucros usados para uma causa nobre.
Contras
- O jogo sucede em ser estressante para condizer com o tema, mas isso dificilmente é o que pessoas procuram num videogame;
- Faria mais sentido como um jogo para tablets do que para PC;
- Jogabilidade em geral pouco interessante.
Slow Down, Bull — PC — Nota: 6.0
Revisão: Robson Júnior