Fazia muito tempo que um jogo não mexia com meus sentimentos dessa forma. Esperar por novos episódios de Life is Strange (Multi) se transformou em uma mistura de agonia, ansiedade e, agora, tristeza — tudo está chegando ao fim. É impressionante pensar no quanto o jogo evoluiu desde o primeiro episódio, trazendo temas adultos e momentos extremamente difíceis de lidar no mundo real, de maneira divertida e com personagens profundos e bem construídos.
O episódio 3 terminou com uma enorme surpresa, deixando muitos jogadores com medo do próximo, acreditando que não teriam mais controle sobre a narrativa. Mas nada do que foi jogado até agora consegue equiparar com o que vivenciamos para escrever esta análise, que trouxe de volta momentos tensos e um final extremamente difícil de sair da memória.
Esta análise pode conter spoilers dos episódios anteriores de Life is Strange
Difíceis decisões
Os poderes de Max, a personagem principal, estão trazendo consequências. Seja por fazerem o seu nariz sangrar, matar animais ou mudar o destino das pessoas, já é possível perceber que todas essas mudanças feitas pelo jogador não trarão sempre os resultados esperados. O final do terceiro episódio prova isso de maneira primordial: ver uma das personagens favoritas em uma cadeira de rodas não é fácil.O episódio 4 de Life is Strange tem um dos inícios mais tristes já feitos para jogos. |
O quarto episódio, The Dark Room (a sala escura, em tradução literal), coloca o jogador em uma realidade difícil de ser vivida. É muito difícil compreender as dificuldades de uma família para manter um ente querido vivo quando este depende de aparelhos para sobreviver. O roteiro, que sempre foi o ponto forte do jogo, mostra-se ainda mais engenhoso e humano ao transmitir o clima de maneira sensível, deixando-nos emocionados e pesarosos em cada passo. E depois de tanto descobrir sobre o que estava acontecendo, somos deparados com um dos momentos mais difíceis de todos os episódios: decidir sobre a vida de alguém que tanto amamos.
Iniciar um jogo com tensões tão grandes preparam o jogador para momentos ainda piores e mais difíceis de lidar. Ainda assim, tudo melhora quando utilizamos o novo poder de entrar em fotografias e voltamos para um momento menos crítico, na mesma realidade que estávamos desde o começo do primeiro episódio. Ver Chloe e Max no mesmo quarto, com a bela trilha sonora tocando ao fundo, traz certo conforto.
O trabalho em dupla feito por Max e Chloe ocorre durante todo o episódio, fortalecendo ainda mais o elo entre elas. |
A trama continua de onde paramos antes de nossa viagem à realidade paralela (que jamais queremos que ocorra), e a busca por Rachel fica ainda mais intensa. Com tantos personagens possíveis para culpar pelo seu sumiço, é necessário começar a juntar provas e analisar pistas para decifrar o enigma que nos persegue há tanto tempo. Infelizmente, é durante o trajeto até ter tudo em mãos que alguns dos problemas começam a aparecer.
Fora de controle
Coletar informações em Life is Strange sempre foi feito da mesma maneira: é preciso andar em um mesmo espaço, investigando objetos e questionando pessoas, até que encontremos o que precisamos e a história siga o seu rumo. Mesmo que diversos lugares carreguem certa nostalgia, confortando o jogador com lembranças dos outros episódios, tudo fica um pouco repetitivo e cansativo — principalmente quando somos obrigados a conversar com pessoas que não trazem diálogos interessantes.Voltar à escola nos faz lembrar de muitas coisas, mas chega a ser cansativo conversar com tantas pessoas. |
Outros personagens que fujam dos principais parecem não receber o mesmo trabalho e profundidade. Além de trazerem falas e reações difíceis de ocorrer em um universo real, a falta de expressões faciais e de fazerem discursos longos e (por vezes) entediantes tornam a experiência menos diegética do que poderia ser.
Há também uma sensação um pouco incômoda de que temos o controle da personagem apenas para suprir a necessidade de interação que um jogo exige. Após muito tempo assistindo aos acontecimentos, não é nem um pouco interessante ter que mover Max até um quarto, sem nada que nos faça nos sentir necessários. Isso ocorre principalmente pela ideia que Life is Strange tem de focar em narrativa, e não em jogabilidade.
Ao mesmo tempo, a falta de controle também reflete nos acontecimentos do jogo. Sabe aquilo que escolhemos no primeiro episódio, achando que não refletiria em nada, até esquecendo que o fizemos? Finalmente podemos ver no que acarretaram. São com esses pequenos detalhes e momentos de decisão que o jogo volta a ter o seu charme, fazendo-nos esquecer dos vários momentos entediantes de busca que nos levaram até lá.
Se você conseguiu ajudar Kate no final do episódio 2, prepare-se para um diálogo com ela durante o episódio 4. |
É também importante dizer que vários momentos de interação e controle são inteligentes e fogem do que já estamos acostumados com o jogo. Surpreendentemente, alguns quebra-cabeças são feitos com o poder de Max de maneira nunca antes feita, e alguns acontecimentos são afetados de acordo com a maneira como exploramos o ambiente: outras mortes podem ser evitadas após muito voltar no tempo e escolher as melhores ações.
Mais do que um jogo
Diferentemente de tudo o que já fizemos no jogo até então, somos colocados em uma parede com todas as informações que temos sobre o maior suspeito pelo sumiço de Rachel. Cabe a nós, jogadores, organizar os pensamentos e definir os próximos passos, separando as pistas que podem ser úteis. É a primeira vez que somos obrigados a analisar tudo o que está escrito, lendo com calma e fazendo anotações: nada é simples, mas após alguns minutos é possível definir linhas de raciocínio e encontrar o que procuramos.Apesar de parecer confuso, basta analisar as pistas cuidadosamente para progredir no jogo. |
É com essa enorme proximidade com as duas personagens principais que construímos uma ligação diferente com Life is Strange. Assim como Max demora a entender o que deve fazer, estamos juntos na jornada, comemorando cada pequena vitória. E é após a descoberta de onde ir que o jogo começa a tomar uma forma assustadora.
A sala escura, que dá nome ao jogo, mostra-se um lugar muito pior do que poderíamos esperar. Diversas amostras de algo absurdamente violento e psicótico estão espalhadas por ali, trazendo um medo que nenhum jogo de terror consegue trazer: o medo de perder um personagem que amamos. O ritmo muda e somos obrigados a correr contra o tempo, encontrando justamente o que mais temíamos.
A tão esperada "Festa do Fim do Mundo" ocorre, e traz momentos agoniantes. |
O mundo desaba. Assim como Max e Chloe, somos colocados diante de uma perda inimaginável, mostrando que a nossa positividade durante tantos episódios não serviu para nada. Somos guiados por uma enorme sede de vingança, que alimenta os próximos passos e nos leva para a tão esperada “festa do fim do mundo”. E não há nada melhor do que duas luas no céu para representar o momento de desespero.
A música alta, os jovens drogados e o clima pesado nos fazem querer fugir dali. Conversar com pessoas só nos deixa mais aflitos. Nunca um jogo trouxe tamanha angústia, tornando difícil a exploração do ambiente para encontrar os conteúdos extras — o final estava próximo, e não parecia que acabaria bem.
Os poderes de Max não funcionam nos piores momentos possíveis. |
A última cena do episódio ainda está em minha mente. Diversos vídeos de reações pela internet mostram jogadores chorando, gritando ou em completo choque. De maneira totalmente inesperada, vemos o desfecho de um dos maiores mistérios, mas com ações que pegaram todos de (negativa) surpresa. Seria possível que o que vimos realmente aconteceu? Como esperar um final bom com tudo isso?
Muito além do esperado
Se há algo que aprendemos com o quarto episódio de Life is Strange, é que não devemos perder as esperanças. Apesar de tudo parecer dar errado, ainda há muito a ser explicado e entendido, de modo que o futuro pode ser completamente diferente do esperado. Os poderes de Max têm a capacidade de mudar a história, então é neste momento de espera pelo próximo e último episódio que encontramos a glória do jogo.Como explicar a morte de baleias, encalhadas na praia lado a lado? |
Em diversos fóruns pela internet, em vídeos e até mesmo podcasts, uma multidão desenvolve teorias para desvendar os enigmas e futuros do jogo, de maneira similar a séries de televisão complexas, como Lost fez no passado. É através dessa união entre os jogadores, representada também por porcentagens no final de cada episódio, que vemos o resultado de um trabalho bem feito.
Life is Strange não é um jogo perfeito: é até possível questionar que seja classificado como tal. Mas isso não desmerece sua narrativa incrivelmente intrigante e bem construída, que prende todos os tipos de pessoas e constrói personagens profundas e com grande empatia, criando um laço enorme com quem as controla (além do fato de ser muito legal encontrar personagens femininas que não sofrem de estereótipos tão frequentes em outros jogos). É difícil encontrar outra forma de mídia que tenha mexido tanto comigo nos últimos tempos, o que me faz relevar grande parte dos defeitos de jogabilidade. Se você ainda não jogou os episódios anteriores, aproveite as próximas semanas para tirar o atraso — só prepare os lenços e tenha alguém para abraçar depois.
Caso tenha terminado o episódio quatro, não deixe de conferir a prévia do próximo:
Prós
- Roteiro sensacional, com surpresas em diversos momentos;
- Ligação profunda com os personagens, evocando sentimentos nos jogadores;
- Trilha sonora continua incrível;
- Problemas sociais reais colocados em questionamento de modo inteligente;
- Enigmas bem construídos, fazendo com que fãs criem muitas teorias.
Contras
- Momentos repetitivos e entediantes;
- Controles em momentos desnecessários;
- Expressões faciais e algumas reações pouco convincentes;
- A falta de sincronia labial ainda incomoda muito.
Life is Strange - Episode 3: The Dark Room — Multi — Nota: 9,5Versão utilizada para a análise: PS4
Revisão: Vitor Tibério
Capa: Diego Migueis