Crônica

Os donos do fliperama: relatos de um expectador fascinado

Eles eram os melhores de um determinado jogo, não agiam para o bem e nem para o mal… apenas para a própria satisfação.

em 28/07/2015


















Alguns dias atrás, levei meu irmão pequeno para tomar um sorvete numa sorveteria do meu bairro. Ao lado da sorveteria tem um fliperama, onde eu passei bons momentos de minha vida. Resolvi mostrar o fliperama para o meu irmão e me deparei com uma cena comum nos locais destinados à jogatina em arcades.

Um garoto de aparentemente 13 ou 14 anos estava escolhendo os personagens para iniciar uma partida no jogo The King of Fighters 2002 (Multi). Porém, antes de iniciar o primeiro round do jogo, surge um novo adversário e rapidamente o garoto é vencido. Ele vai embora triste e o vencedor vai até a parte de trás da máquina para reiniciá-la. O vencedor também era conhecido como o dono da máquina ou dono do fliperama.



Os primeiros contatos

A primeira vez que vi uma máquina de fliperama foi num cartaz de Mortal Kombat (Multi), que estava pendurado na locadora onde eu costumava alugar fitas de Super Nintendo. Perguntei para o atendente que videogame era aquele e ele me explicou que era uma máquina de fliperama. Assim que comentei o ocorrido com um amigo da escola, ele me informou que sabia onde tinha uma máquina dessas, e eu fui correndo conferir. A máquina ficava em um bar de frente para um ponto de ônibus, lugar perfeito para eu esperar o transporte de volta para casa após as aulas.

No início eu era apenas aquela criança chata que ficava pendurada na máquina pedindo para quem estava jogando executar um Fatality. Normalmente eu ganhava um tapa na cabeça seguido dos dizeres “sai daqui moleque fedorento”. Mesmo assim, voltava para assistir as lutas, estava fascinado pela competição.

Era incrível como a máquina vivia rodeada de gente, as disputas eram incríveis. Tinha um cara que chamava a minha atenção, ele sempre estava lá, quase sempre vencia as disputas e sempre finalizava a luta com um Fatality.

Conhecendo de perto os donos do fliperama

O tempo passou e diversos jogos de luta foram lançados, sempre primeiro no fliperama. Eu já era um viciado em videogames, mas sentia que faltava algo nos consoles de mesa. Competir contra a inteligência artificial do jogo não era a mesma coisa que competir contra outro jogador. Então eu passava o dia no fliperama, onde observei de perto o comportamento dos donos do daquelas máquinas.

Naquela época, eu ainda era uma criança. Minha única obrigação era ir para escola no período da manhã e fazer a lição de casa depois do almoço. O resto do dia eu passava no fliperama, mas os donos também estavam lá. Geralmente, eles eram adolescentes bem mais velhos, quase sempre entre 18 e 20 anos de idade. Eu sonhava em ser igual a eles quando crescesse, mas me perguntava se eles não faziam outra coisa da vida.

Como o proprietário do estabelecimento não se importava muito com o que acontecia lá dentro, os donos do fliperama agiam como se fossem os xerifes do local. Eles colocavam ordem na área e determinavam o que era proibido durante as partidas. Duas regras que eram respeitadas em vários fliperamas: não vale bater enquanto o adversário estiver tonto e não vale utilizar combos infinitos.

A satisfação de ser o melhor jogador

Já que eles eram os melhores jogadores, podiam fazer o que quisessem. Isso era o que me encantava, eles não precisavam pedir permissão para jogar, simplesmente inseriam a ficha e desafiavam qualquer um que ousasse jogar em seus fliperamas. Alguns esperavam você chegar no chefe do jogo para então entrar contra e evitar que você terminasse o game. Outros entravam contra logo de cara, tiravam o seu crédito e depois deixavam algum pivete que estava ali continuar o jogo, só pela satisfação de tirar o jogador da máquina.

Quando eles não tinham dinheiro para comprar ficha, eles blefavam. Ameaçavam que iriam entrar contra caso você não deixasse jogar um round ou senão escolhesse um personagem para eles, caso o jogo fosse da série The king of fighters. Contudo, às vezes, eles só estavam sendo legais e ofereciam ajuda para evitar o game over. A frase “Deixa eu salvar a ficha” era comum nos fliperamas.

Era comum eles pedirem pra jogar com o terceiro lutador
Quando a intenção era humilhar, tornava-se comum eles jogarem com os braços cruzados (segurando o analógico com mão direita e apertando os botões com a mão esquerda) ou jogando com apenas uma das mãos.

Alguns eram exibicionistas e esperavam o fliperama ficar lotado para terminar algum jogo e mostrar o final para todo mundo. Fatality e golpes especiais também eram usados para esse propósito. Mesmo quando faltava um golpe simples para acabar com a partida, eles esperavam carregar a barra de especial e terminavam a luta com um especial bem estiloso.

Efeitos especiais exibidos ao finalizar a luta com um golpe especial no jogo Marvel vs Capcom (Multi)

Eu não consegui ser dono de nenhuma máquina de fliperama. Porém, cheguei perto no jogo Street Fighter Zero 3, jogando com o Rolento, mas tinha um amigo meu que sempre me vencia jogando com Ken. Ainda assim, não perdia o encanto pelos fliperamas e adorava passar as minhas tardes observando a galera jogar. Atualmente, não tenho tempo para frequentar fliperamas, mas acompanho com muita atenção as lutas realizadas no torneio EVO.

Revisão: Jaime Ninice
Capa: Felipe Fabricio

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