The Witcher é uma série de jogos de aventura e RPG que se tornou muito popular nos últimos anos. O que alguns jogadores não sabem é que essa franquia é baseada em uma coleção de livros de fantasia escrita pelo polonês Andrzej Sapkowski. Com a popularização dos jogos, as obras foram traduzidas para o português do Brasil, sendo O Último Desejo o início dessa série.
A origem da saga
O autor Andrzej Sapkowski tem um passado incomum: ele é graduado em economia e trabalhou principalmente como representante de vendas de uma grande empresa. Sua vida no mundo literário começou com traduções de obras de ficção científica, mas ele queria mais. A oportunidade de escrever veio em um concurso promovido por uma revista de ficção científica e fantasia polonesa chamada Fantastyka. Sapkowski escreveu um conto de fantasia chamado “O Bruxo” (“Wiedźmin” no original) e recebeu o terceiro lugar.A história foi publicada em 1986 e foi sucesso de público e crítica. Por conta da ótima recepção, Sapkowski escreveu mais histórias ambientadas nesse universo. O resultado de seu trabalho são duas compilações de contos e cinco romances. A série de livros ficou mundialmente conhecida como “The Witcher” (pois esse foi o título escolhido pela desenvolvedora CD Projekt RED para a adaptação em forma de jogos), já no Brasil a série se chama “A saga do bruxo Geralt de Rívia”.
Histórias de um caçador de monstros
O Último Desejo é primeiro livro da saga e consiste em uma coleção de contos cujo o foco é o bruxo Geralt de Rívia. Cada história mostra uma aventura do herói e capítulos de interlúdio amarram todas as tramas, mas os contos podem ser lidos em qualquer ordem. Algumas histórias têm muita ação, já outras são lentas — entretanto cada uma delas é interessante de alguma maneira por conta dos ótimos acontecimentos e a escrita fluida do autor.É tudo interessante por conta da maneira como o autor construiu o mundo e os temas abordados nas tramas. Sapkowski tomou como inspiração as histórias de fantasia que estamos acostumados, adicionou um bocado de mitologia eslava e inverteu alguns papéis: criaturas pavorosas nem sempre são os vilões e humanos de aparência inocente não são necessariamente bons — me surpreendi o tempo todo com as várias reviravoltas. Ele também faz releituras de algumas fábulas conhecidas como “A Bela e a Fera” e “Branca de Neve e os Sete Anões”, sendo o resultado bem inusitado.
Arte: PatrickBrown
— Aos homens agrada inventar monstros e monstruosidades. Com isso, sentem-se menos monstruosos. Quando se embriagam, são capazes de trapacear, roubar, bater na esposa, deixar morrer de fome a velha vovozinha, matar a machadas uma raposa pega numa armadilha ou ferir com flechas o último unicórnio do mundo. Nessas horas, gostam de pensar que Moahir, que adentra suas choupanas de madrugada, é muito mais monstruosa do que eles. Aí, ficam com o coração mais leve e acham mais fácil tocar a vida adiante. (Pág. 196)
Um mundo complexo
O mundo criado por Sapkowski é fascinante, parece com as várias terras fantásticas de outras obras de temática parecida e ele consegue montar a ambientação mesmo com contos desconexos. Cada uma das histórias se passa em um momento e regiões distintos, sendo assim é possível imaginar como funcionam as coisas no mundo de Geralt. Pode parecer um pouco fragmentado e incompleto, mas pouco a pouco tudo fica bem familiar.O fato mais interessante é a questão dos bruxos: eles não são vistos com bons olhos por conta de sua natureza misteriosa e suas habilidades perigosas. Na verdade eles são considerados quase que mercenários, simples ferramentas para acabar com ameaças bestiais — basta pagar o preço. Por conta disso, as pessoas só recorrem a um bruxo em casos de extrema necessidade. Já os feiticeiros têm função diferente nesse mundo: enquanto os bruxos são guerreiros, os praticantes de magia ganham a vida fazendo pequenas tarefas para as pessoas — por mais que a maioria deles sejam simplesmente aproveitadores sem talento algum. Geralt tem que lidar o tempo todo com essas questões em suas aventuras.
Diante disso, você me pergunta em que acredito.
Acredito no poder da espada.
Como pode ver tenho duas. Todos os bruxos possuem duas espadas. As pessoas mal-intencionadas costumam dizer que a espada de prata é para monstros e a de ferro para seres humanos. Obviamente, trata-se de uma grossa mentira. Alguns monstros somente podem ser feridos com lâmina de prata, enquanto para outros, mortal é o ferro. (Pág. 135)
Um protagonista interessante e coadjuvantes carismáticos
O maior destaque de O Último Desejo é Geralt de Rívia: o protagonista de todas as histórias é muito bem construído e complexo. Por um lado ele é frio e calculista, afinal, sua profissão exige isso: ao caçar monstros, qualquer erro pode ser fatal. Contudo o autor explora também a questão da humanidade de Geralt. Nesse mundo, os bruxos são vistos como meros caçadores (e até mesmo confundidos com assassinos e mercenários), sendo tratados com desconfiança e desprezo — mas Geralt não é somente isso. Ele aceita o seu fardo, entretanto também sofre silenciosamente por conta dele. Gostei também do fato de ele sempre querer quebrar esse paradigma dos bruxos: ele é leal, justo e acredita que nem todos os problemas precisam ser resolvidos com morte — e ele prova isso o tempo todo.Jaskier, Geralt e Yennefer |
Ótimo início
O Último Desejo é um ótimo livro de fantasia. A primeira coleção de contos protagonizados por Geralt de Rívia tem boa narrativa, personagens memoráveis e grande variedade de situações. O único porém é que não existe uma grande e complexa trama e nem tudo é explicado direito — isso é justificável por se tratar de uma coleção de contos, a história de fato começa somente no terceiro livro da série. Além de ser uma boa introdução ao universo de The Witcher, O Último Desejo agradará tanto aos fãs dos jogos quanto a quem gosta de obras de fantasia.
Revisão: Alberto Canen
Capa: Felipe Fabricio