Shadow of Mordor trouxe o interessante Sistema Nemesis, no qual a hierarquia dos Uruk-Hai é gerada organicamente, está sempre mudando com a interferência do jogador e até mesmo quando este não age diretamente, a partir do resultado de suas ações anteriores. Por exemplo, você ficou um tempo sem brigar com nenhum capitão, só fazendo missões de caça, mas, no meio tempo, algum inimigo que te venceu está mais forte e pode continuar se promovendo nas fileiras do exército. As possibilidades crescem ainda mais quando o jogador resolve interferir com frequência.
Esse aqui subiu muito na hierarquia enquanto estive fora, melhor acabar logo com isso. |
Dois tipos distintos ou complementares?
Por que separar a narrativa em dois tipos? Pois os games são uma mídia que possui uma especificidade na hora de contar histórias. Após ter publicado o primeiro texto, um colega de redação aqui do Blast me indicou um vídeo do canal Ludobardo. Para quem quiser aproveitar o link e ver o conteúdo, sintam-se convidados, é mais que recomendado.Narrativa embutida é aquela com a qual estamos mais acostumados, ela é análoga à que aparece nos filmes e livros. É a história que já vem pronta (por isso o nome embutida, ou até mesmo emoldurada). Vejamos um título bastante linear e centrado na narrativa: The Last of Us.
Apreciando a vista antes de encontrar zilhões de infectados. |
Para ser mais didático, pergunte-se o seguinte: isso que está sendo contado no jogo poderia ser contado em um filme de forma igual? Se a resposta é sim, tal parte da narrativa do jogo é embutida, assim como nos exemplos dados do já clássico título da Naugthy Dog. E a narrativa emergente, então?
É aquela que podemos dizer ser especifica dos jogos. São as ações do jogador que começam a fazer parte daquela história que está sendo contada, e elas mesmas contando tal história. Como você vai vencer os desafios, de que forma vai explorar e passear pelos mapas, que escolhas poderá fazer etc. Na mesma linha de pensamento: se algo que está sendo contado só poderia ser contado em um game, ele faz parte da narrativa emergente (ou ludonarrativa).
Conflitos e dificuldades
Os games, então, possuem duas formas narrativas que convivem. A ideia de uma narrativa aberta centrada na experiência do jogador quer dizer jogar fora a narrativa embutida? Eu acredito fortemente que não, muito pelo contrário, inclusive. A busca por uma narrativa cada vez mais aberta e geométrica, como o Lego Narrativo de Ken Levine, por exemplo, não se beneficiaria, em meu ponto de vista, de um abandono completo do cuidado com a narrativa embutida. As melhores experiências narrativas se dão quando as duas se completam.Não será um Bioshock, mas o que Ken Levine está preparando para a gente? |
Missão principal? Que missão principal?
No texto anterior, eu já havia utilizado The Elder Scrolls V: Skyrim como exemplo. A ideia era mostrar que o jogo, mesmo tendo um mundo aberto vasto, cheio de desafios, missões, NPCS e lugares diferentes; quase tudo completamente opcional; não se configuraria ainda como uma narrativa aberta centrada na experiência do jogador. Muito conteúdo não quer dizer que a narrativa seja tão diferente assim para cada jogador. Basicamente, ao completar 100% do jogo com dois personagens diferentes, realizando escolhas opostas, você terá conhecido a mesma história que outro jogador que fizer o mesmo, e gasto aí umas boas 350 horas da sua vida.A mitologia e as bases da história do mundo de TES é fascinante. Ainda assim, o jogo tem um problema narrativo (e até mesmo de design) muito sério: a missão principal envolve uma ameaça urgente e perigosa e o jogador não apenas pode, como é encorajado a fazer inúmeras missões paralelas menores, chegando ao ponto de esquecer completamente a história central. Além disso, você é o Dragonborn, realiza inúmeros feitos, e as pessoas e cidades parecem não ligar pra nada do que você faz.
O que fazer agora? Salvar o mundo ou buscar um anel para um cara aleatório? |
Anjo na narrativa, demônio no gameplay
Conforme mais liberdade de ações temos em um game, torna-se mais difícil balancear a narrativa. Vejamos Red Dead Redemption: nosso protagonista, John Marston, é mostrado em todas as cutscenes como um sujeito que não quer mais ser o fora-da-lei, que quer pagar uma dívida e resolver sua situação logo para viver bem e feliz com sua família. Em suma, no momento do jogo, a narrativa embutida nos apresenta ele como uma pessoa boa.Quem quer uma sequência levanta a mão! |
Mesmo focado na história e nas escolhas, Catherine também enfrenta problemas com a narrativa. |
A inclusão do personagem em GTA V é o verdadeiro casamento entre o comportamento caótico, aleatório e “videogueimesco” que se espera do jogador de GTA, e um personagem que é todos esses adjetivos que classificam as ações do jogador. GTA V lhe dá a chance de fazer muitas coisas diferentes, e Trevor é um personagem que, do ponto de vista da narrativa embutida, pode conceder essa possibilidade sem prejudicar a coêrencia interna do jogo.
Lendários inimigos… que nem conseguem me acertar
Um dos meus JRPGs favoritos também acaba tendo um problema de narrativa e design, um que é causado pelo desbalanceamento. É um problema exclusivo de Xenoblade Chronicles? Não, é algo bem recorrente no gênero como um todo, mas Xenoblade tem algo seu que deixa tudo ainda mais estranho.Felizmente, o jogo nos brinda com várias missões paralelas e desafios opcionais. Conforme vamos completando elas, caçando os inimigos mais difíceis, subindo de level e conseguindo equipamentos melhores, algo estranho acontece: nós varremos os inimigos do caminho da história principal com muita facilidade.
Não importa o tamanho e a importância na narrativa, se você estiver treinado o inimigo nem faz cócegas. |
Outro problema do título é que 90% das missões paralelas não lhe dão itens e nem momentos narrativos que justifiquem o tempo gasto com elas, a não ser saciar nossa ânsia por completar o jogo 100%. Aí você me pergunta novamente: “Quer dizer que você não gosta de Xenoblade Chronicles, Pedro?” Amo, já disse lá em cima que é um dos meus favoritos, assim como Red Dead Redemption. Skyrim não é um dos meus prediletos, mas gosto, acho um bom jogo. A ideia não é depreciar nenhum dos títulos, apenas mostrar como narrativa embutida e narrativa emergente podem entrar em conflito e gerar um problema narrativo para o game.
Semana que vem continuaremos com essa discussão e falaremos de alguns títulos que trazem propostas e soluções inteligentes para o possível conflito, formando uma experiência em que narrativa embutida e emergente se completam.
E você, já sentiu um momento de incoerência narrativa em um game? E que título é para você um bom exemplo de harmonia entre os dois tipos de narrativa?
Revisão: Jaime Ninice
Capa: Felipe Fabricio