Essa é uma pequena crônica das minhas aventuras em Middle-Earth: Shadow of Mordor. Um conto proporcionado pelo sistema criado para o jogo. Sem dúvida alguma, o Nemesis System é o diferencial do título, e ele vem chamando a atenção de muitos desenvolvedores por ser um exemplo de narrativa centrada na experiência do jogador. O jogo citado tem um narrativa linear que conta a história de Talion nas terras de Mordor, mas possui também outra proposta em que uma narrativa aberta e geométrica conta a história de um Talion único: o seu.
Destino semelhante ao do amiguinho mencionado acima. |
Narrativa aberta e geométrica
Muitos profissionais da indústria admiraram o trabalho realizado em Shadow of Mordor, tanto que ele ganhou o prêmio de jogo do ano no Game Developers Choice Awards. Você pode até se perguntar: “poxa, com tanto jogo interessante, como deram a estatueta para esse que nada mais é que uma mistura de Batman: Arkham City, Assassin’s Creed e Terra-Média?”. Obviamente porque o jogo não é apenas isso.O Sistema Nemesis organiza e gera toda a hieraquia dos uruk-hais. Desde as posições deles no exército, as fraquezas e forças de cada general, até o nome do sujeito! Ken Levine, criador de Bioshock, surpreendeu-se com esse aspecto do título.
Com o Nemesis System a hierarquia está sempre mudando. |
Ken Levine contou em Bioshock uma história sobre a forma como os jogos dão a ilusão de escolha ao jogador. |
Narrativa ramificada e aritmética
Vejamos o jogo que venceu outro título entre os melhores de 2014, Dragon Age: Inquisition. Existe uma série de diálogos e escolhas que afetam o desenvolvimento da história. Com quem iremos nos aliar, que tipo de líder será a inquisidora ou o inquisidor, com quem irá se relacionar etc. E são diversas opções que trazem consequências e combinações distintas para cada jogador.Em Dragon Age: Inquisition, toda hora escolhemos o que responder. |
A obra-prima dos RPGs já trazia consigo um narrativa moldável? Evidente que não. Os diferentes finais representam apenas possibilidades distintas de lidar com a história do jogo a partir do New Game +. Além disso, é uma experiência bem linear e direcionada, ainda que não pareça. Duas ou cem pessoas que resolverem fazer 100% do jogo, passarão pelos mesmos momentos. Vamos olhar para outro jogo.
Always Sometimes Monsters. |
Narrativa linear em um mundo aberto
Vamos voltar um pouco no tempo. Ainda que títulos como Super Metroid e Castlevania: Symphony of the Night (eu juro que foram escolhidos aleatoriamente) trouxessem uma forte veia de exploração, eram experiências fechadinhas, com caminhos distintos que levavam os personagens por suas missões.Já com Super Mario 64 e a fantástica transição para o 3D, a Nintendo conseguiu entregar um jogo no qual a experiência de vastidão cresceu ainda mais. Mesmo com a limitação de escolher a estrela a buscar na fase, com cada level sendo uma “caixa fechada”, o título causava a impressão de que tínhamos um mundo enorme para conhecer, desvendar e vencer. A forma de escolha dos mundos, assim como a possibilidade de passar pelos mesmos lugares realizando diferentes tarefas, talvez tenha sido um dos passos significativos da caminhada dos jogos para consoles rumo ao “mundo aberto”.
Super Mario 64 trazia bastante conteúdo com um bom nível de liberdade. |
Decidindo se roubo o carro de polícia ou se jogo uma granada nele. |
Geração procedural
O que garante então? Vamos com calma, devagarinho, falar de dois títulos que eu gosto bastante: The Binding of Isaac: Rebirth e Rogue Legacy. E pra que vamos falar deles? Para falar de geração procedural. The Binding of Isaac: Rebirth traz salas e inimigos gerados aleatoriamente, construindo um caminho que será único para cada jogador. No entanto, os chefes se repetem e, mesmo com múltiplos finais, o título não traz uma narrativa aberta (ainda que seja passível de interpretação).Binding of Isaac é baseado no The Legend of Zelda original, parece? |
A possibilidade de gerar inimigos, levels, personagens e mundos de forma aleatória, por si só não garante que o jogo tenha aquilo que estamos chamando aqui de narrativa aberta. Shadow of Mordor deu os primeiros passos, e eu estou apostando que um outro título poderá dar o seguinte: No Man’s Sky.
Faça sua história
Antes de chegar nos dois melhores exemplos e iniciativas, vamos analisar um título que falhou em entregar a almejada experiência do “faça sua história”. Destiny, um dos mais ambiciosos lançamentos dos últimos anos, tinha como objetivo criar uma forma de narrativa que fosse centrada no jogador, dando suporte através da mitologia e história do universo. A ideia era o “faça sua historia”, um modelo narrativo aberto.O grande problema do título é que não existe diversidade de conteúdo o suficiente, e nem inimigos e momentos ímpares, para que o jogador tenha a sensação de estar vivendo uma história. Destiny possui um fator de imersão muito baixo, e é bem difíicl esquecer que se está jogando um videogame e que naquele mundo basta matar levas de inimigos idênticos, repetindo as mesmas missões e ganhando loots parecidos.
Faça sua história! Só que não. |
Chegamos ao próximo passo. No Man’s Sky promete uma galáxia tão grande e com tanta coisa para se fazer, que cada jogador poderá construir sua própria história dentro do jogo. Quer ser um descobridor de novas espécies, catalogá-las e compartilhar com seus amigos? Fique à vontade. Pretende se tornar um temido pirata galático que rouba os recursos de NPCs e outros jogadores? É possível. As opções são inúmeras, mas resta-nos esperar para ver se a execução destas ideias ambiciosas será competente.
No Man's Sky é tão promissor que dá até medo. |
Existe um perigo grande, no entanto. Sem um fio condutor, sem uma história que fisgue o jogador, que preencha aquela galáxia de sentido, de vida e de contos, será que a narrativa não irá correr ao contrário? Chegamos a uma encruzilhada: como os videogames vão criar narrativas abertas e contar histórias interessantes e bem construídas ao mesmo tempo? Retomaremos a discussão em uma próxima semana.
Revisão: Jaime Ninice
Capa: Felipe Fabrício