Jogos são experiências pessoais, devemos assumir este conceito de vez

A experiência vivida por causa de um jogo varia para cada pessoa, e os formadores de opinião precisam tomar uma postura para refletir esta natureza.

em 26/03/2015
Um dia desses, após publicar a análise de Hotline Miami 2: Wrong Number (Multi), comecei a conversar a respeito do jogo com o Guilherme Alves (conhecido como Neozão), redator do GAMESFODA, a respeito de como a análise deles e a do GameBlast haviam chegado a conclusões completamente distintas a respeito do jogo, mesmo que nenhuma delas estivesse necessariamente incorreta. Nas palavras do próprio, “é engraçado que vocês apontam as mesmas coisas mas com o viés contrário”, e foi exatamente isso.


Depois disso eu fui ler e assistir a diversas análises sobre o jogo, até pelo apego que tomei por ele. Dentre diversos textos divergindo entre si, deparei-mei com a situação do Vértice 47, podcast do Jogabilidade, que resume a situação de cada analista ter uma visão diferente a respeito do jogo. A situação foi rigorosamente igual a dos textos supracitados: fatores do jogo sendo apontados e visto por uns como algo bom e por outros como algo ruim, sem necessariamente algum estar errado.

“Mas é óbvio que cada um tem sua opinião!” Sem dúvidas que é. Por se tratar de um meio que fornece uma forma de viver experiências interativas, um jogo, por definição, é único para cada tipo de jogador. Exatamente por isso quero focar especificamente no papel dos redatores e analistas de jogos, porque muitas vezes é de nós que se cobra uma análise imparcial, no sentido de deixar nossos sentimentos de lado para comentar um jogo, quando na verdade eles são parte indispensável do que vivemos ao jogar, e fundamentais para o material final. É importante frisar que a imparcialidade, enquanto garantia de ausência de influências na análise das partes interessadas em um jogo (por exemplo, um patrocinador, alguém que cedeu um jogo ou até o jogo de um brasileiro conhecido, no nosso caso), é saudável e buscada por qualquer bom profissional.

O que podemos mudar ao criar uma review?

Antes de mais nada, eliminar a ideia de que há um formato fechado de aspectos a se analisar. Deixe-me pegar como exemplo o tal do “fator replay”, um par de palavras pessimamente selecionado para representar a capacidade que um jogo tem de fazer o jogador rejogá-lo ou, ao menos, aumentar seu tempo de vida. O problema em si não está no “fator replay”, sem dúvidas, relevante no conceito de diversos jogos, mas sim em tomá-lo como aspecto fundamental em qualquer jogo. Tive a maravilhosa oportunidade de analisar Ori and the Blind Forest (XBO/PC) recentemente, sem dúvidas um excelente jogo. Por que os desenvolvedores deveriam se esforçar para tornar rejogável um videogame cujo impacto da narrativa embutida vem do desconhecimento do andamento da história?


Por mais que se busque uma fórmula ideal para avaliar jogos, isso não existe
Em nossa análise de The Order: 1886 (PS4) aconteceu uma situação do gênero. Embora respeite a opinião presente no texto, acho que a ausência de fator replay em um jogo cuja finalidade é ser uma experiência cinematográfica com forte pegada na narrativa não impacta a experiência desejada pela equipe. Para ser sincero, talvez não haver uma busca pelo aumento do tempo de vida seja até mais positivo para o jogo. Nos anos de 2014 e 2015 foram lançados diversos jogos que, por uma necessidade de aumentar o tempo de aproveitamento de algo que não precisava disso, acabaram se enrolando. O exemplo mais crucial disso certamente é o titânico (no sentido de um gigante que afunda na sua própria grandeza) Assassin’s Creed: Unity (Multi).

Não existe forma para análise de jogos (os que parecem possuir uma fórmula mágica, note, sempre dão um jeito de burlar seus próprios modelos), e forma é o que mais se procura, a ponto de haver sites que simplesmente desistiram de criar um texto e resumiram a análise em um tópico de pontos positivos e negativos. Não é incomum ver portais que pegam um quadro com os tópicos gráficos, jogabilidade, som, diversão, replay e dá uma nota final baseado em uma média aritmética, uma herança do padrão de análises anteriores à popularização da Internet.

Uma mudança de paradigma

Talvez a mudança mais drástica seja entender que reviews não são vitrines. Uma review seria melhor aproveitada caso seu objetivo não fosse dizer se ele deve ser comprado ou não, mas sim promover a discussão a respeito do que é apresentado, para finalmente o leitor decidir baseado em seu gosto, se suas expectativas serão atendidas pelo produto da análise. Mas vai muito além disso: enquanto experiências de entretenimento, o debate acerca delas é um processo que nos faz evoluir como pessoas, exatamente como qualquer meio de entretenimento. Nós não conversamos sobre filmes, livros, música, etc. apenas para saber se vale comprar ou não. Fazemos isso porque é uma das etapas de se adquirir conhecimento e cultura.

Aproveito o espaço para fazer um apelo aqui aos leitores. Brasileiros começaram recentemente, graças ao aumento da acessibilidade à internet pela população, a se aproveitar do poder da rede mundial e de suas redes sociais para debaterem entre si. Todavia, ainda é um movimento tímido. Em média, o brasileiro tem pouco hábito de comentar naquilo que olha. Comentar é uma ótima oportunidade de aproveitar a via de duas mãos que temos por aqui para ouvirmos sua opinião e trocar ideias. Crie este hábito, será bom para nós e melhor ainda para você.
Voltando ao nosso ponto de partida, tomemos a comparação entre os pontos de vista dentro das análises. Em ambos os textos, há uma concordância a respeito da maior restrição imposta pelo level design de Hotline Miami 2: Wrong Number em comparação ao seu antecessor. Minha review no GameBlast defendeu isso como algo bom para a proposta narrativa do jogo; a do Rod no GAMESFODA já acha que isso foi ruim, conforme destacado no trecho “O segundo é que, assim como [em] Super Mario Bros. 2, você tem muito menos chance de fazer ‘freestyle’ aqui. Lutas com armas de fogo são praticamente obrigatórias em certos casos ao invés de te dar a liberdade de abordar como quiser”.

Reviews não são vitrines
Minha opinião sobre Hotline Miami 2: Wrong Number não é unanimidade no GameBlast, como a opinião do Rod não é no GAMESFODA, e isso pode ser estendido para qualquer site que possua mais de uma pessoa contribuindo para ele. Aqui, não à toa, fazemos questão de deixar claro no fim de cada texto nosso: “Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor”. 

Vamos falar de notas

Depois disso tudo, seria desnecessário dizer que eu abomino qualquer modelo de classificação por notas para uma experiência subjetiva e pessoal como é a de jogar. Eu poderia simplesmente aceitar o modelo vigente e entender que ele tem alguma vantagem, mas quanto mais eu observo, mais eu vejo como ele está prejudicando a comunidade como um todo. Em primeiro lugar, porque a consequência direta de haver notas é focar a discussão em torno delas, deixando toda a análise desenvolvida de lado. Infelizmente, é normal ver em portais que adotam este modelo o seguinte comportamento: “você deu 8.5, mas eu acho que merece 8”. São horas de jogo e redação para resumir o debate sem nenhum acréscimo real em torno de um valor arbitrário.


Se toda essa conversa for ser suficiente para te convencer, então vamos a números interessantes. Segundo um ótimo artigo do Kotaku (em inglês), a nota em jogos, em especial o padrão Metacritic, tem impacto direto na obtenção de recursos pelas empresas de jogos. De todos os exemplos citados, destaco dois, em tradução livre:
  • As notas do Metacritic reduziram bônus; A Obsidian perdeu ótimos um milhão de dólares porque Fallout: New Vegas ficou um ponto a menos de 85, segundo fontes.
  • Alguns sites pequenos podem ser influenciados de formas mais desagradáveis — um escritor me disse que a Sega garantiu uma review exclusiva de Super Monkey Ball se a nota fosse maior que 8.0.
Em resumo: tem gente perdendo dinheiro por causa de um critério puramente subjetivo e que desagrada a muitos profissionais da indústria. Então por que continuamos com isso?

Sem querer ser chato… mas é por sua causa

Serei objetivo aqui. Este modelo continua porque o Google Analytics informa que, estatisticamente, haver nota dá mais clique do que não haver nota. Cliques têm relação direta com os ganhos financeiros na internet, e é esse dinheiro que sustenta pessoas. Mesmo se não tivesse muita gente dependendo desses números para se sustentar, existe a vaidade pessoal de ver nosso material lido pelo maior número de pessoas, característica inerente ao ser humano. Quero dizer, nós nos dedicamos firmemente a este material, claro que queremos que ele seja lido pelo maior número de pessoas! “Então você está dizendo que eu estou errado?” Jamais. Você é o cliente, e o cliente tem sempre razão. Enquanto for essa a demanda, faremos desse jeito. Ou assumiremos o risco de bater de frente para mostrar que existe uma forma melhor de fazer as coisas

Então, por que eu fiz este texto? Primeiro, para bater de frente e mostrar que existe uma forma melhor de fazer as coisas e, principalmente, porque sendo capaz de contribuir para o amadurecimento do padrão do público através desde canal, farei minha parte para haver um natural aumento da pressão dentro das produtoras para entregar jogos melhores. Este fenômeno passa diretamente por consumidores mais críticos de uma forma construtiva.

Se me perguntarem o motivo de ter começado a escrever sobre jogos, certamente esta é a resposta.

Revisão: Vitor Tibério
Capa: Felipe Araujo

Escreve para o GameBlast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.