Prévia: Grim Fandango Remastered (Multi) te levará à Terra dos Mortos

Grim Fandango Remastered será a mais nova versão do clássico adventure da Lucas Arts.

em 26/01/2015
Ah, os “tempos modernos” dos videogames! Jogos de 2013 – que já eram muito bem executados do ponto de vista gráfico – sendo remasterizados em 2014 porque a poderosa plataforma de nova geração não possui retro compatibilidade, transformando nossos antigos discos em peso de papel com a promessa de versões atualizadas e serviços futuros (pagos) de streaming para preencher esse buraco. O choro é livre, mas os games são um negócio extremamente lucrativo e remakes, versões remasterizadas e afins vão continuar aparecendo. E quem pode culpar as empresas? No entanto, vira e mexe algum processo parcialmente negativo pode gerar bons frutos. Grim Fandango Remastered é um destes.


A volta dos que já se foram (há mais de dezesseis anos)

Se fica aquele gostinho de sacanagem no fundo da boca quando vemos uma remasterização de um ano para o outro, a mesma sensação dificilmente acontece ao falarmos de um jogo lançado em 1998. O anúncio era bem improvável, mas quando Tim Schaffer (criador do jogo) subiu ao palco no evento da Sony na E3 2014 e começou aquela brincadeira envolvendo a carta escrita pela “pequena fã”, o imponderável estava para acontecer. Grim Fandango Remastered foi anunciado para PS4, Vita, e, uns dias depois da E3, para PC.

A remasterização, em si, vai retrabalhar as texturas e os modelos do jogo original, que já eram bem bonitos em 1998 e nem envelheceram tão mal assim, provavelmente por conta de uma direção de arte bem competente. O áudio também vai ser incrementado, o que é um ponto bastante positivo, visto que os diálogos (todos com atuação vocal) e a trilha sonora são partes centrais da experiência do jogo. Também tem a promessa de uma repaginada nos efeitos de iluminação que não eram lá aquelas coisas nos tempos idos. Mas tudo isso aí, por mais interessante que seja, não é o motivo de estarmos falando do jogo um dia antes de seu (re)lançamento.

Um conto sobre traição e redenção

O motivo principal de tanta expectativa e alegria com esse retorno se dá porque o jogo original era muito bom. Antes de continuar a falar de Grim Fandango, é justo fazer uma ressalva. Eu joguei o jogo na época de lançamento e mais uma vez uns dois anos depois e, infelizmente, não mais desde então. Meu CD riscou, não achava mais para comprar. Coisas tristes que acontecem na vida de todo jogador. Enfim, vamos ao que interessa.
Mais um dia no serviço levando bronca do chefe!
Grim Fandango conta a história de Manny Calavera, um sujeito que como todos os outros personagens do jogo está no além. Mais precisamente na Terra dos Mortos, uma espécie de estágio entre a vida e o paraíso. Sempre que a pessoa morre e chega nesse lugar, recebe a informação que tem direito a um trem veloz que te leva ao nono paraíso em segundos ou a uma bengala com uma bússola (o que provavelmente vai te fazer nunca chegar, ou na melhor das hipóteses demorar bastante), entre tantas outras possibilidades. O que na teoria deveria indicar o que a pessoa merece é a forma como ela levou a vida. E quem pesquisa e descobre o melhor pacote para o cliente é um agente de viagens do Departamento dos Mortos.
Manny é justamente um destes. Ficou em El Marrow recebendo os novos mortos por conta de uma dívida que tem de pagar. Mas como a teoria difere da prática, nosso herói acaba descobrindo a ponta de um nó gigante. Pessoas com uma vida irretocável não estão conseguindo a passagem devida, e têm muita gente enriquecendo no mundo dos mortos. Alguns acontecimentos fazem Manny ter de sair de El Marrow e passar por diversos lugares, e é aí que o jogo embala de vez. Contar mais que isso seria estragar o desenvolvimento e as nuances do enredo. Joguem e se deixem levar por esse mundo.

Bienvenidos a Tierra de los Muertos

El Marrow, primeira parada da jornada do Sr. Calavera, serve como um ótimo estágio inicial. Desenrola o início da trama, nos apresenta as personagens centrais, evidencia as novas mecânicas presentes no título e já vai criando a ótima ambientação do jogo. Já nela vemos a visão dos desenvolvedores de criar um mundo inspirado nas tradições mexicanas e nos filmes noir. A arquitetura de cidade mistura temáticas astecas com Art Decó. E essa mistura acaba demarcando um estilo único para o game, assim como serve para capturar a atenção do jogador para com tal mundo.
A trilha sonora também realiza um trabalho interessante de imersão. Peter McConnell, compositor de Grim Fandango, realizou pesquisas sonoras focadas nos ritmos sul-americanos (principalmente os mariachis) e no jazz. As músicas criadas a partir da raiz latina são muito gostosas de se escutar, mas o brilho maior fica com as diversas faixas de jazz. Elas compõem uma atmosfera semelhante a dos filmes noir. São sons suaves que dão a trilha das conversas sagazes e bem humoradas que pipocam aos montes pelo jogo.
E esse humor é um fator importante nele. Está presente nos diálogos, nos cenários, nos acontecimentos e nos vários personagens. Mesmo lidando com temáticas sérias e flertando com a atmosfera noir sombria, o game se mantém bem humorado pela maior parte do tempo. E é algo que o jogo te explicita desde cedo, já deixando claro ao jogador que tipo de experiência narrativa ele vai nos apresentar.
E falando de personagens, encontramos uma série de tipos diferentes pelo mundo de Grim Fandango. A maioria deles é bem crível no contexto e na narrativa do título. Mais importante que isso, são npc’s envolvidos em diversos problemas e situações a partir de seu trabalho ou personalidade, o que faz com que o jogador crie empatia pelo elenco.

Cabe ressaltar a excelente dublagem em português da versão original que, felizmente, retornará no título remasterizado.

As mecânicas da aventura

Grim Fandango é mais uma pérola da Lucas Arts, empresa que fazia grandes adventures (também conhecidos como point & click) na era de ouro do gênero, ao lado de desenvolvedoras como  Sierra, Dreamers Guild, etc. A grande novidade é que Grim Fandango foi o primeiro jogo em 3D da Lucas Arts (ainda que Full Throttle tenha flertado em poucos momentos com a terceira dimensão). A escolha por gráficos pré-renderizados acabou caindo como uma luva no estilo do jogo e na atmosfera que criou. Os modelos em 3D de personagens e itens não pareciam descolados de maneira grotesca do restante do cenário. Mas o que mais chama atenção nessa transição foi a escolha de “limpar a tela”. Vejam bem, clássicos como Day of the Tentacle optavam por dividir a tela. Acima rolava o jogo e abaixo ficava o menu com todas as ações possíveis e itens disponíveis no inventário. Era uma coisa que não atrapalhava a experiência, até deixava ela bem mais fluída, mas que ficaria bastante estranha em um jogo em 3D. Full Throttle já havia feito essa limpeza na tela, deixando apenas o cursor até o momento em que fosse necessário clicar em algo para fazer alguma ação. Seria um infeliz retrocesso voltar ao esquema antigo.
Em Day of the Tentacle o menu agilizava a utilização dos itens.
O mais polêmico, entretanto, foi a opção de deixar claro para o jogador que algo era de interesse através de uma simples olhada de Manny. O personagem principal mostra com o movimento de sua cabeça que algo pode ser analisado, investigado ou coletado. Isso acabou retirando o cursor que ficava na tela. Aliás, talvez a mudança mais drástica é que Grim Fandango era jogado através do teclado e não do mouse. Porém, sem o menu de itens abaixo ou aparecendo em um determinado momento a partir do cursor, utilizar itens ficou um pouco mais demorado. Você tinha que abrir o inventário e ir alternando até o objeto desejado. Isso é bastante chato em relação à rapidez que os esquemas anteriores possibilitavam. É o tipo de opção no design de um jogo que traz coisas positivas, mas ao mesmo tempo problemas. Mas tal decisão se deu no intuito de aumentar a imersão através de uma atmosfera mais literal, sem cursores ou menus na tela, para dar o tom desejado pelos desenvolvedores para o ambiente do jogo. Existe um texto bem legal sobre o assunto no gamasutra, para quem quiser se aprofundar.
Já em Full Throttle apenas o cursor aparecia na tela de jogo
Mas, mesmo esse detalhe que atrapalha o ritmo do jogo acabou sendo enfrentado de uma maneira sagaz. Cada item que você vê sair do terno de Manny Calavera recebe comentários bem humorados. Uma frase inesquecível do jogo é “Minha foice, gosto de deixa-la perto de onde ficava meu coração”.
Não contorna o problema, uma hora as brincadeiras cansam, mas pelo menos é evidente o esforço de melhorar a experiência.

Não deixe de conhecer (ou retornar) ao mundo dos mortos

Grim Fandango não foi lá um sucesso comercial. Vendeu o suficiente para não dar prejuízo. Foi, no entanto, se tornando um clássico cultuado ao longo dos anos. Como não teve uma tiragem tão grande assim, não é um título muito fácil de se encontrar. Além disso, desde 1998 é complicado de se rodar em diversos PCs. O game em si tinha alguns problemas de textura, iluminação e um número razoável de bugs, principalmente pelo fim da aventura. São problemas que a remasterização provavelmente irá corrigir.
Mas para quem espera muita diferença em relação ao jogo original, a nova versão talvez seja desapontadora. Se tratam apenas de alguns retoques, e não uma transformação geral do título. Promete ser, no entanto, a versão definitiva de Grim Fandango. No mínimo o relançamento de um incrível adventure. Gênero que foi dado como morto e ainda assim vive. Da mesma forma que os personagens de Grim Fandango.
Grim Fandango Remastered será lançado amanhã, dia 27 de Janeiro, para PS4, Vita e PC. Se você tem interesse no gênero, ou mesmo em jogos com uma ótima história, narrativa, personagens, trilha sonora e atmosfera, não deixe de experimentar esse jogo. Dificílmente irá se arrepender.

Capa: Diego Migueis
Revisão: Leonardo Nazareth

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