Do real para Dying Light (Multi), entenda o que é o Le Parkour

Dying Light traz uma nova mecânica de movimentação para os survival horror. Entenda agora de onde veio essa movimentação.

em 29/01/2015
O gênero survival horror é conhecido por sua dificuldade, realismo e tensão que gera no jogador enquanto ele tenta sobreviver aos ambientes e situações mais assustadores e desesperadores que se pode imaginar. Nesse universo de jogos com pérolas como Resident Evil (Multi) e The Last of Us (PS3/PS4), surge uma nova aposta da Techland para revolucionar o estilo no quesito movimentação. Este é Dying Light (Multi).


O jogo em primeira pessoa leva o jogador a um mundo destruído por uma infecção misteriosa. A missão, no melhor estilo “Minecraft” de ser, é se preparar durante o dia com mantimentos e equipamentos para sobreviver às noites, período onde os zumbis se tornam muito mais agressivos e criaturas muito mais ameaçadoras saem das sombras para caçar. Disponível em versões para PC, PS4 e XBO, o que mais surpreende no jogo é a sua liberdade de movimentação pelo mapa.


Dying Light traz pela primeira vez ao gênero survival horror a movimentação em mundo aberto utilizando mecânicas de parkour. Essa possibilidade abre um leque de opções de como viajar através de dois pontos do mapa que torna a jogabilidade muito mais livre. O jogador pode correr em qualquer direção e transpor qualquer tipo de obstáculos para isso, desde muros e prédios até os próprios corpos dos zumbis. A possibilidade de determinados objetos se quebrarem ao contato com o personagem e o vasto mundo aberto do jogo dão um quê a mais de realismo.

Mas, afinal, o que é o Le Parkour? Já o conhecemos no mundo dos games desde Assassin’s Creed (Multi) e Mirror’s Edge (Multi), mas vocês conhecem a história por trás da chamada Arte do Movimento?

Há muito tempo, na França…

Nos anos 20, na França, um grande educador físico do país chamado George Hébert (1875-1957) criou uma nova forma de exercícios a qual chamou de Método Natural (Méthode Naturalle, no original). Um método de educação física natural que utilizava somente do corpo da pessoa para tudo. Dentro desse método, existia o chamado “parcours du combattant”, ou percurso do combatente, no qual os soldados passavam por diversos obstáculos utilizando somente habilidades do seu próprio corpo. Essa prática foi inclusive utilizada pelo exército francês para resgates durante a Guerra do Vietnã.

David Belle, fundador do Parkour
Cerca de 60 anos depois, durante os anos 80, um jovem começava a adaptar movimentos do parcours du combattant para o meio urbano, esse era David Belle. David havia sido treinado no Método Natural por seu pai Raymond Belle, o qual havia praticado o método no exército. Com a ajuda de alguns amigos, o jovem começou a adaptar a prática de modo a esta ser útil em meios urbanos. Foi então um amigo de Belle que, adaptando o nome parcours du combattant, criou o nome da prática, Le Parkour (algo como O Percurso, em francês), que depois passou a se popularizar somente como Parkour.

Assim, o Parkour foi criado como sendo a arte de transpôr obstáculos e desafios a fim de estar preparado e ser útil em qualquer situação. Em sua filosofia, essa arte de movimentar-se carrega a ideia de “ser forte para ser útil”, além de “ser e durar”, duas ideias originadas do Método Natural e que norteiam os Traceurs (praticantes da arte) ou Traceuses (no feminino) para que estes se preparem para os descasos da vida, seja um muro, um medo ou a própria velhice. A ideia máxima dessa arte é transpôr do corpo para a vida essas ideias.

Parkour e os videogames

Com a crescente popularização da prática a nível global após o ano 2000, começaram a surgir tentativas de transpôr a ideia da arte confundida com esporte para os videogames. Um dos primeiros grandes títulos a tentarem oficialmente isso foi Free Running (PS2/PSP). Entretanto, o jogo não é nada além de uma adaptação da famosa franquia da época, Tony Hawk’s.

O jogo lançado em 2007 trazia uma ideia de “manobras” que acumulavam pontos e noções de competitividade que são muito mais próximas do Skate do que do Parkour. Uma característica base do Parkour é que não existe nenhuma forma de competição dentro dele. Nas palavras do próprio David Belle, criador do esporte: “talvez a única forma de competição dentro do Parkour seria a do traceur contra ele mesmo, enfrentando seus medos”.
Mesmo com um tema parecido com o Parkour, Free Running é o game menos parecido com o Parkour já lançado.
No mesmo ano, era lançada outra franquia da nova geração que usaria de forma um pouco mais adequada a ideia do Parkour, esse foi o primeiro Assassin’s Creed (Multi). O jogo apresentava o protagonista revivendo as memórias de Altair, o maior assassino da terceira cruzada em 1191. O assassino conhecido como “aquele que voa” utilizava de diversos movimentos do Parkour em suas missões.

Mesmo com movimentação muita mais realista e uma evolução clara ao longo dos jogos da franquia, o fato de ser um jogo em terceira pessoa não dava aos jogadores a real sensação do parkour, mesmo que possuísse uma liberdade e ideal bem mais próximos da arte do movimento do que o “skate sem skate” lançado para PS2. Mais isso mudaria um ano depois, com o lançamento de outro grande título a usar mecânicas de parkour em sua jogabilidade.


Mirror’s Edge e a primeira pessoa

Em 2008 foi lançado Mirror’s Edge (Multi), jogo de aventura em primeira pessoa da EA Games que apresentava um mundo semi-futurista onde a protagonista é uma Runner, uma transportadora ilegal de informações que utiliza formas de locomoção singulares para vencer as barreiras impostas pelo governo ditatorial. Saltando por prédios e utilizando tudo ao seu redor como obstáculos, as mecânicas de parkour melhoraram bastante nesse jogo.

O que diferenciou Mirror’s Edge da maioria dos jogos com o formato de câmera em primeira pessoa foi permitir uma vasta gama de ações bases, como pular objetos maiores, deslizar por baixo de obstáculos, dar cambalhotas, correr nas paredes e utilizar tudo isso como forma de vencer os inimigos. Além disso, o jogo também permite que as pernas, braços e o torso da personagem apareçam em tela, o que traz uma sensação muito mais realista e próxima da real experiência de praticar o parkour na vida real.

Entretanto, o jogo também possuía seus defeitos, além de ser muito curto. A liberdade de movimentos funcionava até certo ponto, e os cenários se concentravam bastante em grandes arranha-céus, por conta do enredo do jogo. E é após isso que surgiu Dying Light, um novo passo na evolução dos jogos que utilizam as mecânicas do Parkour.

Apocalipse zumbi e o melhor parkour dos games

Com o passar dos anos e a evolução dos games, vários títulos começaram a explorar cada vez mais a liberdade de ação dentro dos mundos virtuais. Títulos como GTA V (Multi) e Battlefield 3 (Multi) apresentaram mundos urbanos muito mais detalhados, assim como Titanfall (Multi) apresentou novas mecânicas de movimentação para os jogos FPS. Nessa linha “evolutiva”, o próximo passo aparenta ser Dying Light.

Com um estilo de tela favorável, o jogo, no quesito movimentação, é a evolução clara do que é encontrado em Mirror’s Edge por conta da liberdade, solidez dos movimentos, diferenciação de controles e dificuldade em executar determinados comandos. Esse último, não por conta da dificuldade da sequência de botões, mas sim por conta da adaptação a noção de espaço do jogo, o que envolve a física, distância de objetos e capacidade do avatar.


Durante o processo de captura de movimentos para serem utilizados no jogo, ninguém menos que o próprio David Belle foi chamado para auxiliar na perfeição e realismo dos movimentos. O criador do Parkour testou o jogo no XBO e também com o famoso Oculus Rift. Ao testar o jogo com o óculos de realidade virtual, Belle diz: “eu pude testar vários jogos que utilizam as mecânicas do parkour e, pela primeira vez, eu encontrei o sentimento de liberdade, facilidade e fluidez que traceurs de verdade encontram quando estão treinando”.

Por essas e outras características, Dying Light tem a capacidade de revolucionar as mecânicas de movimentação nos jogos de FPS e até em outros gêneros. É só observar o estilo de jogo de alguns dos zumbis para se lembrar de personagens como  o Homem-Aranha, por exemplo. Resta a nós esperarmos para ver o que isso pode influenciar no desenvolvimento de futuros jogos. Enquanto isso, nada melhor do que jogar!

Revisão: Alberto Canen
Capa: Stefano Genachi


Gilson Peres é Psicólogo e Mestre em Comunicação pela UFJF. Está no Blast desde 2014 e começou sua vida gamer bem cedo no NES. Atualmente divide seu tempo entre games de sobrevivência e a realidade virtual.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.