Como nunca tive a oportunidade de jogar o Gabriel Knight: Sins of the Father original, pensei que estaria livre do efeito. Ledo engano. Acabei sendo capturado por outro tipo de nostalgia: a nostalgia por adventures point-and-click.
À moda antiga
O jogo tem vários elementos de aventuras gráficas antigas — muito antigas. São raízes profundas do gênero e há muito esquecidas, características que desapareceram repentinamente com o surgimento de The Secret of Monkey Island (PC) e outros clássicos da LucasArts. Não é de se espantar, considerando que o jogo foi feito originalmente pela Sierra Entertainment, infame por seus adventures extremamente difíceis.Há, por exemplo, um sistema de pontuação, algo que não via em aventuras gráficas desde Indiana Jones and the Fate of Atlantis (PC). Cada operação efetuada lhe concede pontos, sendo necessário executar várias ações opcionais e secretas para atingir o placar máximo. Existem eventos que terminam em morte, acabando prematuramente com a investigação de Gabriel a não ser que se execute as ações certas na hora certa. E, claro, há quebra-cabeças quase impossíveis de se resolver, que lhe farão arrancar os cabelos procurando a solução.
Porque não existe adventure criado pela Sierra sem telas de morte! |
Mas essas convenções antigas do gênero não deixam o jogo com aspecto arcaico. Elas são usadas com parcimônia, comedidas com decisões de design modernas. Os quebra-cabeças são bem integrados com o mundo, trama e situações e mesmo os desafios mais difíceis não são desumanos.
Está preso em alguma parte e só quer a solução de uma vez? O remake conta com um sistema de dicas, que pode desde lhe dar apenas um empurrãozinho até lhe dizer explicitamente o que fazer. Não há penalidade alguma em usá-lo.
Elogios em especial devem ser dados ao estúdio Pinkerton Road, que criou uma interface simples, fácil de usar e que permite executar as ações com o menor número de cliques possível. Há também um botão que revela todos os objetos interativos do cenário, acabando a “caça aos píxels” tão comuns em point-and-clicks antigos.
É sério, isso ajuda muito em algumas partes. |
Como um bom livro
Outra característica única das aventuras gráficas antigas era a grande aproximação com a literatura. Provavelmente devido à importância fundamental da história nesses tipos de jogos, eles sempre foram fortemente influenciados pelas artes literárias, usando muitos de seus clichês e artifícios — pelo menos até o lançamento de The Dig para PCs, em 1995, escrito por Steven Spielberg, que aproximou o gênero da cinematografia.Esta relação fica muito evidente em Gabriel Knight pela presença única de uma narradora, que descreve objetos, cenários, situações e ações e pensamentos de Gabriel. Ela acaba sendo uma personagem por si só, com personalidade própria, cheia de ironias e sarcasmos pontuais e perfeitos para cada situação.
Assim como todos os outros personagens, ela é forte e bem escrita. Jane Jensen, a roteirista e game designer do jogo, realmente abusa de seus dotes literários e os constrói muito bem através dos diálogos. Não apenas Gabriel, o protagonista, mas todos que aparecem no decorrer da história têm personalidade e carisma.
Falando em história, ela é fantástica. A trama pertence a um gênero raro hoje em dia: terror.
Há muitos jogos modernos (e livros e filmes também) de horror, contando com situações macabras das quais o jogador precisa fugir ou sobreviver. Mas terror, o medo de que algo horrível possa acontecer e a luta desesperada para evitar isto a todo custo, tornou-se uma raridade. Gabriel Knight pertence a este seleto grupo, criando um clima de mistério e preocupação genuínos desde o início, com a primeira cutscene do game. Em alguns momentos a trama até flerta com o horror, exibindo situações com violência mais gráficas (principalmente perto do final), mas sem perder a ambientação de suspense que permeia a aventura.
O visual fantástico intensifica ainda mais este clima. Os cenários em HD, desenhados à mão e cheios de detalhes, são um deleite para os olhos — mesmo os mais macabros, cheios de elementos mórbidos, impressionam pela excelência da direção de arte. Destaque especial deve ser dado às animações das cutscenes. Seguindo um estilo de história em quadrinhos, aparecem nos momentos de clímax da trama e são muito bem feitas.
Um dos bônus do remake é um graphic novel que serve como prequela do jogo. Escrito pela própria Jane Jensen, com direção de arte por Natham Gams e ilustração por Terese Nielsen, conta em detalhes a história de um dos antepassados de Gabriel. É recomendado que se leia o quadrinho apenas após o sexto dia de investigação do jogo, para se evitar spoilers!
Acompanhando a excelência musical, temos a trilha sonora. Um texto inteiro poderia ser feito para analisá-la. Há uma faixa para cada ambiente e todas elas ficam grudadas na cabeça. Robert Holmes tornou-se automaticamente um dos meus compositores de música de videogame favoritos.
Caçando sombras
Claro, Gabriel Knight possui seus defeitos. Os modelos poligonais dos personagens, por exemplo, em certos momentos entram em conflito com os cenários desenhados à mão e frequentemente atravessam o vale da estranheza. A animação deles é precária e suas expressões faciais, bizarras. O trabalho de voz, apesar de competente na maior parte do tempo, conta com alguns momentos constrangedores — principalmente nas cenas mais dramáticas. E alguns quebra-cabeças… Bem, apenas digamos que a inclusão de um sistema de dicas foi muito bem-vinda.Apesar de seus erros, as qualidades se sobressaem. Gabriel Knight não é uma aventura gráfica perfeita, mas com certeza é um dos melhores títulos do gênero.
Prós
- Lindos cenários desenhados à mão;
- História intrigante e bem escrita;
- Personagens carismáticos;
- Excelente jogabilidade point-and-click;
- Trilha sonora fenomenal.
Contras
- Atuação de voz fraca em algumas cenas;
- Conflito entre os modelos poligonais dos personagens e cenários desenhados à mão.
Gabriel Knight: Sins of the Fathers 20th Anniversary Edition — PC — Nota: 9,0
Revisão: Vitor Tibério
Capa: Felipe Araújo