Os desenvolvedores indie são aqueles que não têm por trás do seu projeto um investimento milionário (ou bilionário), milhares de pessoas trabalhando ao seu favor ou uma grande empresa disponibilizando todos os recursos. Na verdade, eles são muito mais próximos do público gamer pois fazem parte dele também, além de serem frutos dos anos 1980 e 1990, época de germinação das primeiras gerações de jogadores.
Frente à isso, a dupla canadense Swirsky e Pajot construíram um documentário que apresenta um pouco da vida daqueles que estão por trás dos games que muitos julgam “simples”, “pequenos” ou “pouco trabalhados”. Esse é Indie Game: The Movie.
“Um dia eu prometi que ia concluir algo, e isso se tornou Braid”
Um dos quatro principais desenvolvedores independentes que aparecem no documentário é ninguém menos que Jonathan Blow, criador do premiadíssimo indie Braid. Na época que o documentário foi feito, Blow já havia lançado seu jogo há três anos e estava financeiramente bem situado.
O problema dele trabalhado ao longo do documentário é diferente dos demais por conta disso. Blow explica todo o processo de inspriação que o levou a desenvolver Braid e como uma ideia simples, fruto de um bate papo entre amigos, germinou em um projeto tão cativante. Um ponto interessante é observar como o jogo apresenta questões do próprio desenvolvedor dentro dele. Segundo Blow, ele colocou um pouco de cada uma de suas angústias e fraquezas para o personagem enfrentar durante a jogatina, e assim esperava que o público percebesse essas características durante a experiência. Mas não foi isso o que aconteceu.
“Começou tudo como um experimento, mas depois se tornou uma descoberta. Como se fosse uma mina de ouro, mas você não precisa cavar. Você só afasta a poeira e acha um pedacinho de ouro.” (Jonathan Blow)
O documentário mostra a visão artística do desenvolvedor, que acaba frustrado com a recepção raza que as mídias e o público em geral tiveram da sua obra, mesmo que ela tenha sido considerada uma das melhores produções indie de todos os tempos. Para Blow, Braid é a expressão máxima de tudo aquilo que ele queria expressar, mas foi visto apenas como um jogo divertido e original.
“Sempre há a ameaça de tudo desabar”
O segundo desenvolvedor acompanhado durante o processo final de criação de seu jogo foi Phil Fish, criador do famoso FEZ. O jogo que levou quatro anos para ser concluído e arrecadou milhões de dólares em suas vendas faz sucesso até hoje. Mas por trás de toda a fama, glória e polêmicas de Fish, existe muita pressão, tensão, deslizes e incertezas.“Eu estou dando o meu melhor aqui! Não ouço reclamarem tanto assim da Valve com o seu problema com episódios três, e há centenas trabalhando lá!” (Phil Fish)
FEZ, antes mesmo de chegar a ter uma versão demo, já havia ganho prêmios pelo seu desenvolvimento e, assim, o nome do jogo ganhou os fóruns pela internet afora. O problema é que o processo de desenvolvimento do jogo foi muito demorado e bombardeado por polêmicas, incluindo a saída do parceiro de Fish no projeto, gerando um processo judicial complicadíssimo. O fato é que existiu um grande espaço de tempo sem nenhuma novidade sobre o título e, reagindo à isso, o público, que estava sedento pelo game, acabou tomando ódio pelo seu criador.
Passados quase dois anos no silêncio absoluto, Fish decidiu participar da Penny Arcade Expo (PAX) de 2011 com uma demo do jogo. Durante a feira, sua garra, competitividade e anseio pelo sucesso são colocados à prova quando certos problemas técnicos começam a atrapalhar a demonstração prática do seu tão sonhado jogo.
“ICO levou cinco anos; Red Dead Redemption: milhares de pessoas, cinco anos; GTA 4: milhares de pessoas, cinco anos; ninguém reclama disso? MILHARES DE PESSOAS! Há apenas dois de nós aqui!” (Phil Fish)
Mesmo com todas as questões, tanto judiciais quanto práticas, durante o processo de desenvolvimento do jogo, incluindo o reinício do projeto do zero para reformular todas as suas texturas, FEZ foi um grande sucesso na feira e Fish conseguiu sua popularidade de volta. Hoje em dia sabemos que o jogo é muito elogiado pelo público e crítica. E Fish não deixa de estar envolvido com polêmicas.
“Eu faço jogos para me expressar, eu acho”
O terceiro processo de desenvolvimento acompanhado pelo documentário é o seu carro chefe. O próprio documentário começa quando Super Meat Boy já está concluído e Tommy Refenes (um de seus desenvolvedores) o está procurando na Xbox Live. O primeiro empasse aqui, apresentado nos primeiros minutos do documentário, é que a Microsoft prometera um lugar na página principal da loja online para o indie, e ele não estava lá.Assim, voltamos no tempo para ver mais sobre a juventude e a família de Refenes e seu melhor amigo, Edmund McMillen (segundo desenvolvedor do jogo). Toda a vida dos dois rapazes girava e gira, até hoje, em volta dos video games (a própria esposa de McMillen, por exemplo, foi pedida em casamento por ele em um evento de premiação de jogos indie).
“Na terceira série, minha professora indicou que eu fosse avaliado psicologicamente. Ela pensou que eu era perturbado. Minha mãe disse: ‘Não, ele é só um artista, gosta de desenhar monstros’.” (Edmund McMillen)
A dupla teve diversos problemas e bloqueios durante o um ano que levaram para criar e concluir o jogo. Enquanto Edmund enfrentava problemas com sua esposa por não ter muito tempo dedicado à ela e financeiramente não estar bem; Tommy, por outro lado, sacrificava 100% da sua vida social para se dedicar ao que ele chamava de “o projeto da sua vida” para conseguir ajudar sua família com as contas atrasadas que só se acumulavam.
Com a nova garantia da Microsoft de receberem um espaço de destaque na Xbox Live, a dupla se empenhou ao máximo para concluir o projeto à tempo, e contam toda a inspiração e respeito que carregam dos jogos com os quais cresceram. Segundo ambos, Meat Boy é a união da infância dos dois.
“Então, se o jogo sair e não gostarem, se tiver uma nota no Metacritic de, sei lá, 20, e todo mundo achar que é uma porcaria… Não faz diferença, porque mesmo sendo um jogo que deveriam comprar, não é um jogo feito para pessoas. Eu o fiz para mim. Eu e Ed o fizemos como um reflexo de nós mesmos.” (Tommy Refenes)
“É muito bom ver alguém realmente entender”
Mesmo que Indie Game: The Movie tenha sido lançado no início de 2012 e muita coisa nova já ter sido lançada após essa data, não é desperdício algum assisti-lo. Ele é atemporal. A capacidade do documentário de trazer à tona a vida real, muitas vezes desconhecida, dos desenvolvedores independentes é importante demais para deixarmos um material tão bom assim de lado.Para quem não sabe onde adiquirí-lo, ele se encontra à venda na Steam e está disponível também para os assinantes do Netflix na sessão de documentários. É totalmente recomendado para qualquer um que goste de saber sobre a história dos video games, que curta jogos indies, que pretende criar jogos um dia ou que apenas está curioso com tudo que eu falei aqui.
É importante que nós, como jogadores, conheçamos um pouco mais da rotina dura que os desenvolvedores enfrentam para nos entregar obras primas interativas que muitas vezes não damos tanta atenção assim. Para os que questionam ainda se video games são formas de expressão artística, convido a assistirem esse documentário e terem uma oportunidade de ver a indústria dos games de um outro parâmetro, muito mais emocional e visceral.
Gostaria de concluir a resenha de hoje com mais uma citação, dessa vez de Danielle McMillen, esposa de Edmund, que acompanhou toda a luta do marido e de seu amigo durante o desenvolvimento do Super Meat Boy:
“É muito bom ver alguém realmente entender. Você olha e pensa que é fácil, você acabou de fazer um jogo, mas realmente deu tudo que podia. Mas você sabe o que fazia. Não é fácil! Nem todos conseguiriam. É bom ouvir que as pessoas entenderam e que não tenho que lhes contar eu mesma.” (Danielle McMillen)
Revisão: Jaime Ninice
Capa: Vitor Nascimento