"História em um jogo é como história em um filme pornográfico. Você espera que tenha uma, mas ela não é importante."
Essa frase foi proferida por John D. Carmack, deus da programação, co-fundador da id Software e criador da engine de Doom. Ela pode ser encontrada no livro Masters of Doom e supostamente foi uma observação que o programador fez ao explicar porque recusou o roteiro original do jogo. O diretor criativo, Tom Hall, pretendia que o clássico FPS tivesse uma história bem elaborada, envolvendo quatro personagens com personalidades distintas enquanto tentavam combater uma invasão do inferno no planeta alienígena Tei Tenga. Carmack prontamente se opôs à ideia; o resultado é o jogo com trama simplória e cheio de ação que revolucionou os videogames.
Quem precisa de história quando se tem uma escopeta? |
Isto está se transformando num banho de sangue!
Doom é, de fato, um título explícito, mas em violência. Esta é a peça central do clássico e o foco de todo o seu game design. Sua música eletrizante inspirada no rock e heavy metal, os gritos de agonia dos demônios, as caras maléficas de Doom Guy… tudo tenta recompensar o jogador violento e fazê-lo se sentir bem quanto mais destruição causa. Até mesmo os níveis labirínticos feitos por John Romero, por onde muitos jovens se perderam nos 1990, estão lá apenas para dar ritmo à violência. Perdido no meio daqueles calabouços, fica claro que o caminho correto está onde há coisas para se matar.Você consegue advinhar qual mapa é de Doom e qual é de Call of Duty? |
Só 96%? Noob. |
O matador de produtividade número 1 do mundo
Claro, Doom não se valia apenas da ação frenética e brutal. Seu sucesso deve-se muito ao fato dele ter sido uma verdadeira revolução tecnológica para a época, fazendo uso de várias tecnologias emergentes até o momento inéditas ou pouco utilizadas.Sua engine, por exemplo, permitia o uso de gráficos magníficos para o período mesmo em máquinas relativamente baratas, melhorando e popularizando antigas técnicas de programação como raycasting. Flexível e poderosa, não demorou para que surgisse uma subcultura dedicada a criar e distribuir modificações para o jogo. Com menos de um ano de mercado, em 1994, os primeiros editores de níveis já começaram a surgir na internet. A eficiência do motor levou-o a ser licenciado comercialmente, sendo utilizado em outros FPS clássicos como Hexen, Heretic e Strife.
O multiplayer em rede também era incomum e foi de seus pontos fortes. O título sobrecarregou tantos servidores que alguns antivírus começaram a incluir um “pacote anti-Doom” para detectar e terminar o game. Algumas empresas de tecnologia grandes como Intel e Lotus Development chegaram a criar regras que proibiam especificamente partidas deathmatch durante o horário de trabalho.
Até mesmo a forma de distribuição do jogo foi inovadora para a época. Lançado no formato shareware, com o primeiro nível gratuito, os desenvolvedores incentivavam o público a compartilhar o programa com o máximo de amigos possíveis. Em dois anos, mais de dez milhões de pessoas já tinham experimentado o clássico, com mais de um milhão de usuários comprando a licença completa. Doom chegou a ser o software mais instalado de sua época, presente em mais computadores que o Windows 95 — feito este que levou Bill Gates a financiar um port para o sistema, usá-lo no marketing da Microsoft e quase comprar a id Software.
Atolado em mortos
Todas essas coisas, entretanto, envelheceram. Os gráficos uma vez fantásticos, hoje são defasados (ainda que charmosos); o multiplayer online já é comum à todos os shooters; o sistema de distribuição shareware tornou-se inexistente, totalmente suplantado pela distribuição digital. Estas características explicavam o sucesso do jogo nos anos 1990, mas não explicam porque, até hoje, ele é jogado, modificado e portado por fãs apaixonados e fieis.A única coisa do jogo que não envelheceu com o tempo é sua violência. Doom não tentava justificá-la num contexto maior, nem mesmo usá-la para passar alguma mensagem. A violência de Doom era pura, nua, crua, brutal, visceral. Acima de tudo, ela era — e continua sendo — divertida e atemporal.
Revisão: José Carlos Alves
Capa: Diego Migueis