Com seu desenvolvimento iniciado em meados de 2006 sob o nome
Hazard, como um jogo de combate multiplayer baseado no clássico Snake e evoluindo regularmente para um jogo de puzzle envolvendo psicologia e geometria (que adicionaria o subtítulo
The Journey of Life ao nome antigo),
Antichamber reflete seu conceito original de concepção quase que integralmente, com raciocínio minucioso e analítico, aberto a novas idéias e disposto a mudanças de paradigmas previamente estabelecidos. Prepare-se para enfrentar o maior chefe de todos nesse jogo: a sua própria noção de lógica espacial.
“Left is Right, Right is Wrong”
Como é possível explicar um conceito quando você deve destruir suas noções prévias de lógica para poder começar a entendê-lo? Apesar de ser comparado por alguns com
Portal ou
Quantum Conundrum, Antichamber não é nada igual a qualquer coisa que você já possa ter jogado por esse simples fato: para entender o jogo e poder progredir, você tem que se abster de suas noções mais básicas de lógica e geometria e deixar que as estranhas (mas consistentes) regras das câmaras do jogo lhe guiem e te mostrem o caminho. Nem sempre uma parede realmente é sólida e não é só porque existe um buraco no caminho que você necessariamente cairá nele se tentar andar sobre o mesmo.
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Em Antichamber, um corredor pode lhe levar a um lugar na ida e a outro completamente diferente na volta |
O jogo não possui exatamente um enredo detalhado, nem sequer uma explicação do que tudo isso se trata, provavelmente para evitar que o jogador se distraia do objetivo principal, que é reaprender sua própria noção do que é certo e do que é errado. Ainda assim, é muito satisfatório concluir Antichamber, por mais que isso não caracterize nenhum feito épico ou evolução emocional: a verdadeira graça está em dominar as regras de um mundo totalmente diferente do que se está habituado.
Subindo pra baixo e descendo pra cima
“Começar” em Antichamber já é uma experiência bem inesperada. O jogo não lhe apresenta nenhum tipo de tutorial ou puzzle simples para aprender a pensar da forma que o jogo propõe. Na verdade, pensar da forma que o jogo propõe é o desafio que constantemente confronta o jogador do início ao fim da experiência.
Na sala de início de Antichamber, que, não por acaso, é uma antesala, o jogador pode diegeticamente alterar algumas configurações de jogo, aprender os comandos básicos, acompanhar uma suspeita contagem regressiva de duas horas e analisar o mapa com seu trajeto pelas câmaras do jogo.
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Existe apenas uma parede interativa para configurar e aprender o jogo, simplificando a experiência ao máximo |
O mapa pode ser usado para transportar o jogador para qualquer ponto que ele já tenha visitado, ao passo que a tecla Esc permite que você retorne à antesala incial a qualquer hora de sua aventura mental. Mas não é só pela facilidade de locomoção que o mapa lhe dá que o jogo se torna necessariamente fácil, já que muitas vezes progredir em Antichamber significa retroceder!
A partir desse ponto, muitas vezes é necessário revisitar lugares já conhecidos para poder prosseguir em uma direção ainda inexplorada, já que muitas vezes, ao visitá-los pela primeira vez, você não tinha o conhecimento necessário para solucionar algum puzzle ou alguma barreira lógica que antes nem sequer teria passado pela sua cabeça.
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Cada ponto no mapa pode ser revisitado, o que agiliza o progresso do jogo ao reparar que deixamos um problema não-resolvido para trás |
A maior parte do jogo também lhe oferece algumas analogias e provérbios como forma de ajudar a libertar mais a sua mente e ajudar a enfrentar os desafios. Essas analogias aparecem espalhadas pelas paredes dos corredores e câmaras acompanhadas de um desenho que ilustra o problema e auxilia o jogador a redirecionar seu pensamento para concluí-lo. Ao se deparar, por exemplo, com a mensagem de que “não é só porque você não vê que não existe”, o jogador é instigado a assumir que alguns elementos do puzzle adiante estão invisíveis e devem ser descobertos por outros meios. Essas figuras também têm um propósito de serem coletáveis, o que pode agradar os colecionadores de plantão.
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Nesse exemplo, o jogo sugere que exploremos o desconhecidos, fazendo alusão ao corredor escuro logo a frente |
Ferramentas dedutivas
Nem todo jogo de perspectiva em primeira pessoa precisa de armas, e Antichamber deveria ser o exemplo que demonstra isso. Entretanto, nem mesmo o jogo que busca quebrar padrões conceituais consegue deixar de usar esse recurso. Felizmente, a adição de alguns dispositivos manipuladores só ajuda ainda mais a quebrar a cabeça do jogador e fazê-lo pensar fora do convencional:
- O primeiro dispositivo de manipulação possível de se encontrar é uma arma azul capaz de coletar e depositar blocos azuis espalhados pelo cenário. Ela é útil quando o jogador percebe que pode usar esses blocos para interromper feixes de laser ou evitar que portas se fechem.
- O segundo dispositivo é de cor verde e tem a capacidade de criar linhas de blocos enquanto segura o botão do mouse, assim como coletar blocos em massa mantendo o botão apertado. Ele se torna essencial quando é necessário construir uma longa ponte para atravessar obstáculos que pareciam impossíveis ou preencher espaços que não podem ser preenchidos de dentro pra fora.
- A terceira arma tem a sua coloração amarelada e consegue, além de fazer tudo que as duas anteriores faziam, “conduzir” blocos para um determinado ponto, traçando uma linha até o destino deles. Isso permite que o jogador remova obstáculos como blocos que se reconstroem sozinhos e não podem ser removidos apenas pelo poder das armas anteriores, além de criar verdadeiras plataformas móveis que permitem navegar pelas câmaras de uma forma ainda nunca vista em nenhum outro jogo.
- A quarta e última arma tem a cor vermelha e permite que o jogador faça tudo que já podia com as outras versões com um importantíssimo elemento adicional: através do botão do meio do mouse, é possível multiplicar a quantidade de blocos que se carrega e espalhá-los ao longo de um plano, assim como “sugar” toda uma formação de blocos por mais que apenas uma parte seja acessível. Dessa forma, é possível alcançar interruptores que antes eram impossíveis de se chegar e usar mais blocos do que se realmente tem graças à função de “preenchimento” que ela concede.
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Toda ajuda será necessária para alcançar o misterioso cubo de antimatéria |
Beirando os limites de um “metajogo” e desafiando o jogador contra as suas próprias perspectivas de realidade e de consistência lógica, além de se manter simples em sua execução e aparência, com o intuito justamente de não desviar a sua atenção para o entendimento dos próprios problemas, Antichamber é uma carta de amor para qualquer “apaixonado” por puzzles, especialmente para aqueles que acreditam já terem visto de tudo. E para estes, uma dica: vocês ainda não viram nada.
Prós:
- Puzzles inovadores que dependem da perspectiva em que são encarados para serem solucionados;
- Curva de dificuldade nivelada, que incentiva o jogador a encarar os desafios sem desistir;
- Gráficos minimalistas, fora do padrão esperado, que seguem o propósito do jogo e auxiliam na comunicação do objetivo ao jogador.
Contras:
- As câmaras de Antichamber são concluídas em poucas horas de esforço e pensamento analítico;
- Nem sempre o próximo passo está claro e as vezes a técnica de tentativa-e-erro se faz necessária;
- Alguns desafios requerem muito mais paciência, calma e raciocínio minucioso do que alguns jogadores estão acostumados a precisar em um jogo de puzzle.
Antichamber - PC - Nota: 8.5
Revisão: José Carlos Alves
Capa: Vitor Nascimento