A vez da Valve: como as novas estratégias para o Steam podem mudar o mundo dos games

em 01/10/2013

Ele foi chegando devagarinho, surgiu como uma maneira de atualizar jogos de maneira unificada. Anos depois, o Steam já é a maior e mais ... (por Bruno Grisci em 01/10/2013, via GameBlast)

Ele foi chegando devagarinho, surgiu como uma maneira de atualizar jogos de maneira unificada. Anos depois, o Steam já é a maior e mais popular loja de jogos online do mundo, rede social para jogadores e garantiu à Valve quase o mesmo status de empresas como Sony, Microsoft e Nintendo, as first-parties que em grande parte guiam o rumo dos videogames. Mas agora a Valve está pronta para dar um passo além e propor a junção de mundos que sempre andaram em paralelo.


O paradoxo do sistema aberto e centralizado

Foram três grandes anúncios em uma semana. Em primeiro, o SteamOS, um sistema operacional aberto, baseado em Linux, gratuito, otimizado para jogos, desenhado para ser utilizado em telas grandes e com controles tradicionais de videogame. Em segundo, as Steam Machines, uma linha de computadores de diferentes tamanhos, configurações e preços, todos rodando o SteamOS e projetados para facilitar a conexão e posicionamento na sala de estar. Em terceiro, o Steam Controller, uma nova proposta em controles para jogos, com dois trackpads no lugar de analógicos e uma tela sensível ao toque central. São estes os motores da locomotiva Steam que a Valve quer fazer chegar mais longe: até a sua sala. Fora de contexto parecem apenas engenhocas, mas analisando o todo conseguimos enxergar o grande plano que está sendo traçado.

Comecemos pela característica em comum entre SteamOS, Steam Machine e Steam Controller, o fato de serem software/hardware aberto. A própria ligação com o Linux deixa claro, o sistema operacional poderá ser revirado, alterado e melhorado pela comunidade como bem entenderem. O mesmo vale para o hardware, que poderá ser lançado de diferentes formas por diferentes empresas, e livremente customizado pelos usuários.

Além de fazer bem para a imagem da empresa, que não fica com a má fama de “fechada”, “autoritária” e outros adjetivos usados para companhias que controlam seus produtos com os punhos cerrados, a Valve garante que os consumidores sempre encontrarão as características que estão procurando, sejam elas preço baixo, alta performance, boa qualidade gráfica, belo design ou que na pior das hipóteses eles estarão livres para criar o que não acharem. Em um console normal, isso não seria possível porque um grau de liberdade tão alto implicaria em inúmeras possibilidades na compatibilidade com os games, e é aqui que entra o SteamOS: tão versátil quanto o hardware, mas centralizado o suficiente para garantir a compatibilidade entre aparelhos físicos e jogos.

Ao separar a máquina do sistema operacional, a Valve, de certa forma, cria o primeiro console atualizável. No modelo atual, os componentes envelhecem, são ultrapassados, e as empresas precisam lançar um novo aparelho para suprir as novas necessidades das desenvolvedoras e dos jogadores. Com o SteamOS e as Steam Machines isso não existe: seu próprio PC pode ser transformado em Steam Machine gratuitamente e, embora ainda seja necessário trocar componentes como a placa de vídeo e a quantidade de memória eventualmente, o sistema e os jogos o acompanharão para sempre. É como se a Sony possuísse um único PlayStation, que você pusesse configurar como quisesse, cujo sistema seria atualizado constantemente e os jogos fossem sempre compatíveis, como se você pudesse jogar de Final Fantasy VII a Uncharted 3 em um único lugar. Ainda existiria a preocupação em manter o hardware atualizado, mas os modelos prontos de Steam Machines facilitariam o processo e o SteamOS removeria a questão da compatibilidade de jogos e tornaria a retrocompatibilidade uma característica obsoleta.

Dessa maneira a Valve consegue oferecer diversidade, tanto de hardware quanto de software, para empresas e jogadores, ao mesmo tempo que mantém o controle de tudo, por ser a responsável por ligar os pontos. E no meio disso temos o Steam Controller, que tenta ser genérico o suficiente para lidar com todas estas possibilidades. Ainda assim, na teoria é possível que surjam novos controles, até mesmo imitações de Kinect, Wii Remotes e GamePads, que funcionariam com games específicos ou de alguma forma fossem adaptados para vários deles, sem que se altere o “console” usado.

A conquista do computador

Por muito tempo, jogar no computador foi sinônimo de Windows. Sempre foi algo muito valioso para a Microsoft a necessidade de qualquer um que quisesse rodar um game no PC usar seu sistema operacional. Mac OS e Linux, as outras duas opções mais significativas, nunca foram uma ameaça muito grande nesse aspecto, já que as desenvolvedoras simplesmente preferiam concentrar seus investimentos no sistema com a maior base de usuários. Mas, desde que lançou seu próprio console, o Xbox, a Microsoft parece ter deixado esse seu domínio desprotegido. Até tentou centralizar os jogos com o programa Games for Windows, mas a ideia não deu certo.

Um só sistema, um só controle, milhares de jogos.
Enquanto isso, novas propostas para os computadores foram surgindo. Os jogos em mídia física foram praticamente extintos, substituídos sem dó pela distribuição digital, com seus jogos mais baratos e sua maior praticidade. Diversas lojas virtuais de jogos surgiram, mas ainda assim não deixavam de ser jogos para Windows, que você jogava como qualquer game em DVD. O trunfo da Valve nesse aspecto foi ter criado uma espécie de interface de console virtual. O Steam ainda é uma loja de jogos, é verdade, mas ao instalar o programa você praticamente está executando um console digital em seu computador. As comunidades, as páginas dos jogos, grupos de amigos, proezas (achivements) e, principalmente, a centralização da sua biblioteca de jogos em um único lugar. Os games possuem requisitos e funcionam em sistemas operacionais específicos, é verdade, mas estão atrelados a sua conta do Steam e vão com ela para onde você quiser. Nos últimos anos, a Valve trabalhou para conseguir mais jogos disponíveis para Mac OS e Linux, inclusive, ao mesmo tempo que adaptava seu software para os concorrentes do Windows.

Essa estratégia foi extremamente bem sucedida, a ponto de outras lojas virtuais venderem produtos com ativação dentro do Steam. Sua maior rival, a Origin da EA, apesar de tentar algo bem semelhante, não conseguiu atingir a mesma popularidade, devendo sua importância mais à exclusividade de seus jogos no PC. O resultado é que a Valve conseguiu associar os jogos não ao computador ou ao sistema operacional, e sim ao seu serviço. As pessoas jogam games de Steam, não de Windows. Agora, ela quer dar o golpe final tornando-se, de fato, independente, e para isso precisou criar um sistema operacional próprio, baseado em Linux.

O SteamOS pretende suprir uma série de necessidades. A primeira é, justamente, livrar a Valve da obrigação de lidar com o humor da Microsoft. Isso ficou bem claro no lançamento do Windows 8, quando Gabe Newell, presidente da empresa, manifestou todo o seu descontentamento com as mudanças aplicadas e como aquilo afetaria negativamente o mercado de jogos para PC. A segunda é garantir que todos os donos de computador ou das Steam Machines terão acesso ao seu serviço e ao catálogo de mais de 3000 jogos do Steam. Os meios para isso já foram anunciados: o sistema é gratuito e aberto, ou seja, qualquer um pode instalá-lo em sua máquina, sem a desculpa de preços ou requisitos altos, e os jogos ou estão sendo adaptados para serem compatíveis com ele, ou poderão ser jogados por streaming diretamente da versão para Windows. O empecilho aqui, que na verdade é apenas para usuários de computador, já que as Steam Machines virão com o SteamOS instalado, é que o sistema seja muito complicado de usar ou entender para o usuário leigo. Considerando que está sendo desenvolvido para jogos, é difícil que criem uma interface muito complicada. Mesmo assim, quem preferir poderá continuar usando o Steam tradicional para Windows, Mac OS e Linux sem problemas. O domínio atual é mantido enquanto a companhia se torna independente dos produtos de terceiras.


Mas a Microsoft não influencia os jogos de PC apenas com o seu sistema operacional. Ela também conta com o controle mais popular, o do Xbox 360. Compatível com Windows e até mesmo indicado pela Valve, é a principal opção para os que não se contentam com o teclado e mouse. Mas a desenvolvedora de Portal e Half-Life está de olho nessa área também e está criando sua proposta de controle definitivo, o Steam Controller.

A batalha pela sala de estar

Controles para computador sempre tiveram o problema da compatibilidade. Ou o jogo não reconhece o seu modelo (e nesse ponto o do Xbox 360 conseguiu ter sucesso por se tornar padrão), ou o gênero simplesmente não favorece o seu uso: estratégia, simulação, adventures, gêneros populares dos computadores que fazem amplo uso do teclado e mouse e exigem navegação por menus. A Valve poderia ignorar essa questão e deixar as coisas como estão, não fosse o plano de levar a experiência do Steam até a televisão da sala de estar.

A empresa teve sensibilidade o suficiente para perceber que uma parcela considerável dos jogadores não se sente atraída pela opção de usar o computador para jogar. São pessoas que querem chegar em casa, apertar um botão, pegar o controle e sentar no sofá enquanto veem as imagens em telas grandes. Por isso ela criou as Steam Machines que podem ser ligadas na TV, o Big Picture e uma interface mais simples para acessar as funcionalidades. Mas isso não adianta se as pessoas precisarem usar mouse e teclado no sofá, e os controles disponíveis atualmente não são 100% compatíveis. Este é o maior desafio da Valve, criar um controle compatível com todo o seu catálogo de jogos e que funcione tanto como os modelos tradicionais quanto como teclado e mouse, de forma que seja possível jogar Civilization, Call of Duty e Street Fighter com o mesmo acessório.


Para isso criou o Steam Controller, o anúncio mais curioso até o momento. Para conciliar jogabilidades conflitantes, ela escolheu remover as alavancas analógicas e adicionar dois trackpads que servem como botões e para a movimentação, dando um aspecto de caixa de som. Além disso, o aparelho possui 16 botões, uma tela central sensível ao toque e clicável e ampla utilização de resposta háptica (como vibrações e texturas). Com essa configuração, a promessa é fazer o controle ser compatível com todos os jogos do Steam, inclusive os que não possuem suporte nativo a joysticks. As análises de desenvolvedores que o testaram até agora dão a entender que a ideia funciona, os comandos são precisos, mas a experiência é algo diferente do que estamos acostumados e os jogadores precisam passar por um período de adaptação. Lembrando que o projeto pode ser (e provavelmente será) alterado até o lançamento.

Mas deixar tudo isso funcionando do modo ideal é apenas metade do desafio. Na disputa pela televisão, a Valve encontrará muito mais resistência do que nos PCs, já que Sony, Microsoft (ela de novo!) e Nintendo já possuem território demarcado. Para quem já é usuário do serviço da Valve a transição pode ser algo natural, mas convencer esse público dos consoles de que optar pelo Steam é a melhor escolha será uma tarefa árdua. A ausência de mídia física, o controle diferente e a diversidade de hardware será tanto uma vantagem quanto um obstáculo, cabendo à Valve saber anunciar seus produtos na medida e maneira corretas. Seu grande trunfo, contudo, o preço e oferta dos jogos, continuará valendo e poderá ser o argumento decisivo. Apesar de ser novidade para muita gente, estamos falando de uma diferença de preço que não raramente passa dos 50% do valor dos jogos vendidos hoje para consoles, e nessa hora o dinheiro fala alto.


Além disso, como já foi mencionado, as Steam Machines podem ser atualizadas, então teoricamente no final da geração que está começando quem tiver optado por um PlayStation 4, Xbox One ou Wii U estará jogando versões tecnicamente inferiores, o que já acontece hoje com os jogos para computador, que costumam estar um passo a frente. No campo dos exclusivos, os consoles apresentam obras primas graças aos estúdios internos de suas fabricantes, mas a Valve já se provou capaz de criar grandes jogos e contará com diversos games exclusivos de estúdios menores.

Nessa história, quem pode acabar se dando mal é uma fatia do mercado que mal surgiu, os consoles independentes baseados em Android, como o Ouya. As Steam Machines provavelmente contarão com muito mais apoio, e por terem o sistema aberto suprirão os mesmos objetivos do consoles Android.

Esse é o plano, mas, para saber se dará certo, apenas quando o Steam Controller for colocado à prova, as configurações do sistema operacional e das Machines forem reveladas e os preços, sempre um detalhe fundamental, forem anunciados. A Valve quer saber onde está pisando, por isso distribuirá 300 protótipos ao redor do mundo para recolher opiniões e sugestões. É esperar para ver.


Revisão: Jaime Ninice
Capa: Doug Fernandes

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