O que dizer de um jogo que rompe completamente com a maioria das definições de "videogame"? É prudente ficar com um pé atrás: isso significa que pode ser ou uma experiência muito boa, ou uma perda total de tempo.
Dear Esther é um desses casos. É um jogo único e belo, e bastam alguns minutos de gameplay para ficar completamente imerso em sua proposta. Originalmente lançado em 2008 como um mod para Half-Life 2, acabou sendo refeito em 2011 como game independente a partir de uma parceria entre seu criador, Dan Pinchbeck, e a produtora britânica The Chinese Room.
Siga o seu caminho
Dear Esther se passa em uma ilha deserta no meio do nada. No entanto, não espere uma corrida pela sobrevivência, nem puzzles, nem combates. O objetivo aqui é simplesmente explorar os cenários para achar um modo de seguir adiante.
A princípio, parece ser algo maçante, mas não é. O game instiga a curiosidade do jogador. O que será que vem pela frente? Quem é o protagonista? O que aconteceu para ele estar na ilha? Ela é de verdade, ou é tudo uma ilusão? Um clima de mistério bastante convidativo predomina, e isso é estímulo suficiente para que se jogue até o fim. A jornada é curta e pode ser feita em cerca de uma hora, o que nesse caso é bom, pois se fosse mais longa, ficaria cansativa e entediante.
Já o enredo é uma incógnita. Tudo que se sabe é que o protagonista, um homem de meia-idade, está na ilha deserta em busca de… algo. Ao chegar em determinadas partes da ilha, o personagem começa monólogos, e por meio deles vamos descobrindo mais sobre a história dele e do lugar onde ele está. Frequentemente, ele se refere a uma mulher chamada Esther, sendo essa a razão do nome do jogo.
O interessante é que os monólogos são gerados aleatoriamente quando se chega nos pontos, ou seja, cada vez que for jogado, as falas e versões sobre a trama mudam. Com certeza é uma boa sacada que aumenta um pouco o fator replay do jogo, mas poderia ter havido mais cuidado na produção. O sistema falha: não raramente é possível que existam textos contraditórios em uma mesma sessão. É um detalhe que incomoda um pouco, mas que não chega a comprometer a experiência.
Outro ponto que pode ser um pouco chato é a ausência de qualquer tipo de interação. Não é possível mexer em nada. O máximo que se pode fazer é apertar o botão direito do mouse para dar zoom na câmera. Considerando a proposta do game de ser mais contemplativo, isso não chega a ser algo ruim, porém, pode espantar os mais desavisados. Algo que caberia bem, por exemplo, seria a coleta de mementos (pequenos objetos relacionados ao enredo).
Contemple, relaxe e reflita
Dear Esther tem o objetivo de proporcionar uma experiência imersiva, e aqui o áudio tem um papel importante, que felizmente é mais do que bem cumprido. A trilha sonora, composta por Jessica Curry, usa e abusa do violino e do piano. O resultado são melodias que refletem o fascínio, a solidão e a tristeza do game. Além disso, a dublagem do (único) personagem é feita de forma decente, e ajuda a quebrar a monotonia do lugar.
Os gráficos também se destacam. Os cenários são maravilhosos, bem compostos e polidos, com vários detalhes e uma iluminação que cai muito bem. De um grande farol a beira-mar às cavernas subterrâneas cheias de pedras brilhantes, é possível ver claramente o esforço que a The Chinese Room colocou em seu projeto. Quem jogou o mod original para Half-Life 2 vai sentir bastante a diferença. Com certeza é um dos melhores gráficos (se não o melhor) da indústria independente.
O recomendado é que se jogue sozinho, usando fones. Assim é possível "entrar" totalmente no clima e na proposta do game. É simplesmente incrível como ele envolve e cativa em tão pouco tempo.
Uma jornada única e inesquecível (para quem estiver disposto)
Dear Esther é um jogo sobre arrependimento, redenção e reflexão. Não é para todos. A ausência de ação, puzzles, ou mesmo de qualquer interação com o cenário com certeza limita de várias formas o público. Mas quem tiver uma mente aberta e se propor a jogar, não irá se arrepender.
Com certeza não é um game "normal", porém, a experiência ainda é muito imersiva. E talvez seja justamente isso que tem faltado nos videogames atualmente. Existem muitos jogos bons por aí, mas são poucos que fazem o jogador se sentir como parte deles. E, felizmente, Dear Esther se encaixa entre esses poucos. Sem discussão, é uma excelente obra audiovisual.
Prós:
- Experiência imersiva;
- Enredo envolvente, que instiga a curiosidade do jogador;
- Trilha sonora perfeita;
- Gráficos excelentes;
- Ambientes variados e ricos em detalhes;
Contras:
- Ausência de qualquer tipo de interação maior com os cenários;
- Algumas vezes, os monólogos durante o jogo se contradizem;
Dear Esther – PC – Nota: 9,0
Revisão: Bruno Nominato
Capa: Leonardo Correia