Esse tal de telejogo
Não vamos abordar a história dos videogames aqui e hoje, mas se você já leu algo sobre o começo dos videogames, verá que ele foi criado como um brinquedo mesmo. Um brinquedo eletrônico, bobo, feito para divertir crianças. Jogos, no começo, não eram vistos como software ou cultura, eram apenas um brinquedo para crianças. E dessa maneira o mercado trabalhou em cima desse produto em seus comerciais, ilustrações para suas embalagens, tudo focando em seu público infantil.Você não precisa ser tão velho para se lembrar da geração 16bits nos anos 90 e sobre como você podia ir para a casa dos amiguinhos para jogar SNES ou Mega Drive. Essa visão começou a mudar no começo dos 32bits. Recordo-me aos meus nove anos, vendo meu tio jogar Resident Evil no PlayStation e pouco depois estava eu com o gamepad em mãos, me aventurando por Raccoon City. Entretanto, meus pais já começaram a ver naquela época que aquilo não era "jogo de criança". O público que já era adulto na época 16bits, e até um pouco antes, já eram adultos mais maduros e a indústria dos jogos eletrônicos tentou pegar essa fatia com jogos mais sérios, assim como hoje tentam pegar a fatia casual com jogos que podem agradá-los. Vale citar que mesmo nos 16bits, e até mesmo antes, já havia jogos mais maduros, apesar de raros. Como exemplo, devo citar Clock Tower (um de meus favoritos) do SNES e até um joguinho do Atari, o qual não me recordo o nome (mas algum de vocês deve saber) em que você jogava com um agente secreto e em certa parte do jogo tinha uma cena de sexo. Claro que naquela época tínhamos de usar muito mais nossa imaginação do que seria hoje com gráficos de um PlayStation 4.
E o tempo parou
A indústria de games tentou acompanhar seu público que estava crescendo e se tornando mais maduro. Temos Heavy Rain hoje, que não é tão simples e "divertido" para uma criança de nove anos. Entretanto, há uma parcela da sociedade que já eram adultos naquela época, adultos de cabeça formada, e em sua mente conservadora e limitada, catalogaram videogames como sendo brinquedo de criança. E foi um dia, não hoje. O Wii U Deluxe chegará ao Brasil por R$3000, e quem compraria um brinquedo de três mil reais para seu filho? É um fato, videogames são artigos de luxo, entretenimento familiar (graças ao Wii), ferramenta para cultura e arte.
Recentemente tivemos o caso da Marta Suplicy e sua opinião arcaica sobre videogames. Outro muito polêmico é Marco Feliciano que apesar de não ter relação direta com videogames, tem sua opinião formada sobre alguns assuntos que desagradam a sociedade. Em ambos os casos, adultos que não acompanharam o desenvolvimento e dificilmente mudarão de opinião até o fim de suas vidas. E esse é um direito deles, mas como todo "direito" também acompanha seu "dever", o dever fica por conta de respeitar opiniões diferentes (e isso vale para nós, gamers, também). Seu pai diz que videogame é coisa de criança? Tudo bem. Você passa a estar errado quando quer discutir (muitas vezes passando dos limites) querendo forçá-lo a aceitar sua visão.
Aos meus três anos, meu pai me deu um Atari. Anos depois fui receber um Mega Drive, Nintendo 64, Game Boy, PlayStation e outros videogames. Com o passar dos anos, ficou mais difícil conseguir novos consoles e até jogos, pois meus pais queriam que eu tirasse notas elevadas na escola. Nunca tirei menos que 8,5, mas para meu pai "8,5 não é 10", nem um 9,5 era suficiente. Assim eu tinha de estudar absurdamente, mesmo meses antes de lançar algum jogo que eu queria muito por saber ao acompanhar revistas da época. Quando comecei a trabalhar foi justamente para alcançar uma independência financeira e poder comprar meus jogos, mas ainda assim meu pai queria que eu ajudasse em casa para aprender sobre pagar contas e obrigações. Ele parecia incomodado ao me ver comprando um videogame de R$1000 enquanto conseguia pagar as contas ainda assim e inventava alguma outra coisa para investir meu dinheiro. Não que isso tenha mudado algo.
Hoje, aos 25 anos, e com meu dinheiro comprei meus "brinquedos bobos de criança" que atendem pelos nomes de PlayStation 3, 2 e 1, DreamCast, Nintendo 64, Mega Drive, Game Cube, Wii, além de todos os portáteis da Nintendo, e pouco mais de 200 jogos originais dentre CDs e cartuchos. Acredito que por toda experiência que eles me proporcionaram, posso argumentar com propriedade para quem tiver mais de 40 anos e nunca comprou um videogame: não é coisa de criança. Meus pais passaram a aceitar isso melhor com o tempo, ainda mais depois de algumas vezes me verem jogando algo mais "complexo" e acompanharem esses momentos resolvendo puzzles. Em momento algum eu tentei forçá-los a aceitar minha opinião, é uma mudança natural desde que seja de boa vontade. Se vocês tentarem forçar alguém a aceitar sua visão, poderá vir o orgulho e ódio, sendo provável de não convencer a pessoa a aceitar apenas para não ferir o próprio orgulho de estar certa.
Se FIFA não forma craques, FPSs não formam assassinos
Foi aos sete anos que comecei a usar o PC e ter acesso ao mundo mágico da internet em 1995, época do BBS. Dois anos depois, eu já estava dominando aquela máquina, aos olhos de meu pai. Era eu quem dava dicas para ele sobre como usar os softwares, e o pouco inglês que minha mãe me ensinou (e ajudou muito em Final Fantasy, obrigado mãe) já servia para tentar me comunicar no irc em busca de partidas FPS. Tudo estaria bem se eu não morasse a alguns metros do Shopping Interlagos (São Paulo), onde um rapaz entrou e matou várias pessoas no cinema bem naquela época. Era um estudante de medicina, se lembro bem, com um futuro promissor. E tudo estaria bem (ao menos pra mim), se antes do assassinato em massa ele não tivesse ido ao banheiro e dado um tiro no espelho, retratando uma cena de um dos FPSs que eu jogava na época, Duke Nukem. Aquilo virou notícia em programas sensacionalistas (como temos o Domingo Espetacular hoje, que ama falar mal de videogames) resultando em um receio de meus pais sobre eu jogando aqueles "jogos de tirinho". Isso dificultou minha vida por algum tempo, em que tive que jogar escondido. Engraçado é que hoje em dia eu não consigo passar perto de um Call of Duty por achar chato. Até hoje não matei ninguém e essa mídia sensacionalista não me representa.
Mãe, eu quero trabalhar com games!
Esse é o sonho de muitas crianças hoje. E é um sonho justo, você pode trabalhar com o que você quiser. Na verdade, até acredito que quando você trabalha com algo que gosta, não pelo salário, você tem um desempenho melhor. Dessa forma, se destaca no mercado e consequentemente ganha mais dinheiro. Pena que muitos pais não pensem assim ao ver seu filho falando que quer trabalhar com jogos. E eles não estão errados de ter essa visão, pois a culpa é sua! É, talvez não exatamente sua, mas de algum amigo "gamer" seu.
Qual é o seu relacionamento com videogames? É um fato triste que muitos jovens de 13 anos correm para lan house com o fim de gastar aquele dinheiro da mistura que a mãe deu. Um exemplo: A mãe dá quatro reais para o filho comprar carne moída e nosso jovem herói compra dois e guarda dois para ir pra Lan House jogar Counter Strike. Ou talvez investir em algumas fichas de fliperama jogando Metal Slug, Marvel vs Capcom ou King of Fighters. Vamos lá, eu sei como é isso! Eu não pegava dinheiro da comida (tive essa ideia apenas anos depois, droga), mas todo dinheirinho que eu ganhava era bem administrado para jogar fliperama. Na febre de Counter Strike, participei de um clã para poder jogar sem pagar nada. O mundo dos adultos é muito cinza, sem cor, então tudo deve ter um propósito, tudo deve ser produtivo. Logo, essas atividades não são bem vista aos olhos de pais preocupados com um bom futuro para o seu filho. Como sabem que os filhos são imaturos, tem medo deles "seguirem essa vida". E alguns apenas pioram as coisas quando falam que "quando crescer irei trabalhar com videogames". Garoto, como assim? E nem falem "quero trabalhar testando jogos" que é pedir para o pai entrar em pânico.
Se você quer trabalhar com jogos, você tem três áreas em maior evidência. A primeira que podemos citar é jornalismo de games: escrever sobre ou gravar programas de jogos para revistas, sites, com artigos sobre o comportamento dessa cultura, fazer cobertura de conferências e feiras. Isso é visto pelos inexperientes como o paraíso, viver viajando e "ganhar pra jogar", mas posso afirmar para vocês: isso está bem fora da realidade e logo explicarei melhor a razão. Segundo, temos o desenvolvimento de jogos, que é criar o jogo, onde muitos pensam que falarão e a equipe criará, mas não: hoje em dia equipes para desenvolvimento de games são muito maiores e envolvem profissionais de diversas áreas. Além de você provavelmente ficar como um "peão" irreconhecível no meio da multidão que trabalha naquela obra. E um jogo pode levar cerca de três ou cinco anos para ser desenvolvido. É trabalhar com metas, prazos, e se você não tiver temperamento para receber correções e aceitar que está errado, não é a sua área. Vale lembrar sempre que é o jogo da empresa, não o seu jogo do sonho. Por fim, a terceira é o jogador profissional, aquele que literalmente ganha pra jogar. Entretanto, semelhante ao desenvolvimento de games, há muita cobrança sobre sua qualidade e potencial. Uma derrota pode resultar em um stress muito maior do que perder aquela partidinha no fórum da internet, meus caros.
Eu sempre gostei de competições. Não para provar que sou melhor que alguém, mas para provar para eu mesmo que eu consigo, que eu sou capaz. Por essa razão, a franquia Pokémon e seu multiplayer me cativam tanto. Mas outra paixão minha são os fighting games, onde participo regularmente de torneios oficiais dentro e fora do país. Atualmente minhas paixões focam em Persona 4: Arena e BlazBlue, mas acabo por jogar outros também contra esses que são conhecidos como "profissionais". Como eu levo como hobby e não tenho um patrocinador, eu posso perder tranquilamente, mas conversando com esses profissionais, vejo que o peso é muito maior e uma partida de três minutos pode decidir como ele pagará a faculdade no próximo mês. Então, se você quer se sustentar jogando videogame, pense de novo. E não basta ser bom, precisa ser o melhor.
Há alguns anos que escrevo para sites/revistas de videogames e em consequência disso me sinto culpado quando estou jogando um jogo por jogar. Jogar sem proposito, sem uma responsabilidade, faz-me sentir mal, desconfortável. Penso coisas como "eu poderia estar adiantando aquela outra coisa em vez de estar aqui jogando". No mês de março, observando minhas informações sobre minha jogatina, o jogo que eu havia jogado por mais tempo era Left 4 Dead 2, acumulando um total de seis horas nos últimos trinta dias. Gente, jogar seis horas de videogame por mês é bem pouco, vocês devem concordar. E pior: L4D2 é um jogo que jogo apenas com amigos para completar time, não jogo sozinho por puro prazer e diversão. Essa semana uma amiga me convenceu de que preciso de entretenimento, preciso relaxar um pouco e acredito que exagerei um pouco ao jogar minha White version por quase trinta horas sem dormir. Se você gosta de games como hobby, evite transformá-lo em uma obrigação, caso contrário perderá seu único lazer.
Isso é jogo pra menininha
"Jogo pra menininha" é como muitos de vocês classificam os Cooking Mama e Nintendogs da vida. Entretanto, esse preconceito é do mesmo nível de falar que "videogame é coisa de criança". Se você fala que algum jogo é jogo de menininha, você está sendo injusto ao criticar pessoas que falam que videogame é coisa de criança. Hoje aprendemos aqui que essa opinião fechada e dura é resultado de uma mente desenvolvida fora da experiência com jogos, por pessoas que não acompanharam a indústria. E se você diz acompanhar a indústria de games, se você se apresenta como um "gamer", é esperado um mínimo de maturidade para não cair em preconceitos bobos como "coisa de menininha".
Nada está em jogo quando você joga Just Dance, por exemplo. Claro, se você não souber dançar e passar vergonha, será constrangedor, mas ainda assim será divertido e todos podem rir juntos. Vejo que as pessoas "fora" do ambiente gamer, levam jogos mais na esportiva e descontração que aqueles que se intitulam gamers. Sua namorada pode fazer um charminho por ter perdido, mas ela não ficará brava. E se você é o namorado escroto que não ganha de ninguém na Live ou PSN e quer aproveitar para ganhar de sua namorada humilhando-a, possivelmente você será o gamer escroto que fala que algum jogo é coisa de menininha, e será também a razão pela qual todos falam que videogame é coisa de criança.
Há pouco aprendemos que trabalhar com games não é o paraíso que muitos pensam ser, mas ainda assim querem e tem uma visão errada disso. E pior, passam uma visão mais errada ainda para as pessoas de mente fechada, que reafirmam em suas mentes que videogame é coisa de criança por causa do gamer estupido que humilha a namorada em consequência de sua inaptidão em comunidades online e desejo de trabalhar jogando videogame e só.
É bom que as empresas ganhem dinheiro com jogos, pois isso aumenta nossos recursos e leque de opções. Nesse caminho, há poucos anos começaram a visar o público mais casual que não tem tanta experiência com jogos. Não me refiro apenas ao Wii, mas aos jogos em redes sociais como Facebook ou até em celulares. Esses jogos são baratos, alguns podem ser encontrados por menos de R$1 e são de fácil acesso aos novos consumidores, eles não precisam ir em uma loja especializada para buscar isso, não precisam sentar na frente de uma TV para jogar. Isso é bom, é bom para indústria, pois temos novas ideias e tecnologias. Mas para o gamer arcaico, isso é um câncer. É semelhante aos jovens que pararam de gostar de Linkin Park quando este se popularizou. Para esses "gamers", vai a dica de ouro: o mundo não gira em volta de você.
Nesse cenário, cabe a cada um de nós mudar essa imagem. Não por nossas palavras, mas por nossas ações. Em vez de discutir com alguém sobre games ser cultura ou não, sobre games ser coisa de criança ou não, que tal mostrar por meio de uma postura mais madura e consciente? E claro, se não querem ser alvos do preconceito, não sejam a fonte do preconceito: parem de julgar negativamente esses jogos de mobile ou redes sociais ou classificar algo como jogo para meninas. Da mesma forma que o adulto que nunca teve um videogame não poder julgar você, você também não pode julgar algo que não experimentou. E quando falo experimentar, é jogar de mente e coração aberto, livrar-se dos preconceitos e não começar a jogar já pensando que não gostará. Por último, um conselho: vocês devem desafiar o Rafael Becker, redator aqui do Blast, para partidas em Just Dance em um próximo StreetBlast.
Revisão: Jaime Ninice
Capa: Daniel Machado