Em textos anteriores eu falei a respeito de como o RPG ocidental se distanciou do RPG japonês através de uma liberdade enorme para o jogador. Esse esforço para aproximar a experiência do que seria um RPG de mesa acabou fazendo o gênero ocidental ganhar uma fatia enorme do mercado, e mudou os rumos da indústria de games. Mas, muito antes disso, um RPG japonês levou o conceito de múltiplos finais e poder de decisão a outro nível: Chrono Trigger.
Chrono Trigger foi longe na multiplicidade dos finais e influenciou o mercado de games |
Antes de seguir adiante é necessário explicar o que é um final canônico. Esse termo vem do catolicismo, e referencia as regras da religião. Ele acabou sendo carregado para o entretenimento para falar de coisas que fazem parte da linha do tempo "oficial" daquele universo. Um exemplo: após o primeiro jogo da série Metal Gear, a Konami produziu uma continuação chamada Snake's Revenge, sem participação de Hideo Kojima. Este jogo obviamente não é canônico dentro da série Metal Gear. O mesmo ocorre com seriados de TV, filmes e tudo que acaba criando um universo com uma linha do tempo.
Continuando, muitos outros jogos usaram táticas parecidas com a de Chrono Cross. Todos os jogos da série Silent Hill têm mais de um final, mas em quase todos os casos existe um final canônico. O primeiro Deus Ex oferecia uma liberdade grande para decidir os rumos da história e para decidir seu final, mas sua continuação fez uma amálgama estranha dos finais propostos. Ou seja: o jogo te dava o poder de decidir, mas não era capaz de levar isso adiante dentro daquele universo. Ainda.
Importando
Antes de falar sobre importação de saves, é preciso falar de como essa ideia é antiga. Zelda: Oracle of Ages e Zelda: Oracle of Seasons dialogavam entre si através de passwords. A Rare tentou implantar um sistema de importação de saves de Banjo-Kazooie para Banjo-Tooie, sem sucesso. As limitações do hardware é que impediram essa ideia de se concretizar antes.
O primeiro jogo a importar com sucesso decisões complexas (e não só habilidades dos personagens, como One Piece: Unlimited Cruise 1 e 2 e jogos como Pokémon, em que é possível importar Pokémons de um jogo para o outro) foi Mass Effect. Mortes de personagens, alinhamento moral do protagonista, relações amorosas, tudo era mantido em um arquivo de save que foi importado em Mass Effect 2 e 3, gerando modificações na história e no universo da série. É claro que nem todas as modificações foram assim tão impactantes, mas a inovação foi significativa.
Mass Effect fez escola com a importação de saves e o sistema de diálogo |
A partir daí, isso se tornou uma verdadeira febre. inFamous seguiu uma linha mais "confortável" no primeiro jogo, mas no segundo já criou grandes diferenças para cada alinhamento do personagem, possibilitando a importação do save. Finalmente, tivemos The Walking Dead, um jogo 80% baseado nas escolhas do jogador. Mas será mesmo?
A ilusão da escolha
Todo mundo sabe que os finais de Mass Effect 3 geraram uma loucura coletiva entre os fãs. Todos se sentiram iludidos pelas promessas de finais impactados pelas decisões tomadas no decorrer da trilogia. Quase um ano após o lançamento do jogo é muito mais fácil entender o que aconteceu e os motivos para a série que impulsionou a importação de saves ter criado apenas alguns finais com diferenças mínimas entre si. Tecnicamente era fácil criar equações de decisões (matou x, salvou y, diálogo z = resultado a) para as relações entre os personagens ou para decidir o futuro de um ou dois personagens. Para um final grandioso a coisa era muito mais difícil. Foi criada uma ilusão de poder de escolha. Mas é seguro dizer que Mass Effect foi fundo nas repercussões de decisões como nenhum outro jogo. As tais equações podem ter muitas variáveis e, em alguns casos, resultar em momentos muito diferentes para o jogador.
A mesma coisa aconteceu em The Walking Dead, mas isso passou desapercebido por quase todos os jogadores pelo peso emocional da história. Todo o percurso de Lee pela história, as decisões tomadas pelo jogador, resultariam no exato mesmo final. Ir na frente do casal ou pedir para que eles fossem não mudava o fato de que Lee seria separado deles e teria de seguir adiante sozinho. Tudo, independente do que foi decidido, levaria para aquela sala e uma última escolha, com um "Clementine se lembrará disso" no topo da tela, indicando uma possível segunda temporada com as repercussões das escolhas.
The Walking Dead: jornadas muito diferentes chegam ao mesmo final. |
De qualquer maneira, esses exemplos mostram que, embora esses jogos tenham dado os primeiros passos, falta muito para que as escolhas do jogador impactem de forma definitiva e abrangente na história de um jogo de videogame. Um bom teste para o futuro da importação de saves será inFamous 3. Quando (e se) o jogo sair, saberemos se a Sucker Punch Productions conseguirá criar inícios completamente diferentes para o jogo, considerando os finais do jogo anterior, muito diferentes entre si e que mudaram o universo da série. Ou então simplesmente teremos um final canônico. Isso por si só já geraria uma boa discussão.
Passou a época em que um videogame era apenas apertar botões e que a história era uma linha reta a ser seguida. Mas só o futuro vai dizer até onde esse conceito vai. Por enquanto, vamos nos iludindo com as escolhas e moldando o que podemos.
Revisão: Vitor Tibério