Quando ser fã não é o suficiente
O termo pode até ser relativamente novo, mas os fanboys existem há mais tempo do que se pode imaginar. Nutrindo sentimentos que vão da identificação à obsessão, eles são geralmente associados a hobbies geeks, como ficção científica, tecnologia e videogames, mas estão em praticamente todos os lugares e se confundem, em diversas interpretações, com outros tipos de fanáticos, como os esportivos ou religiosos.
Eles estão por aí, discutindo se o Super NES é mais “potente” que o Mega Drive, se as histórias da Marvel são superiores às histórias da DC Comics ou se a comida do McDonald's é melhor que a do Burger King. A única coisa que os une é o sentimento de que suas escolhas são superiores às de todo mundo.
Fã ou fanboy? |
Esse sentimento, aliás, é mais comum do que se imagina. Mesmo que você não se considere um fanboy, é provável que você tenha feito diversas escolhas na vida, e todas elas foram feitas com base naquilo que você considera o melhor. A diferença é que, enquanto algumas pessoas aceitariam críticas relacionadas às suas escolhas e até mesmo poderiam repensá-las com base nessas críticas, os fanboys, em sua maioria, jamais dão o braço a torcer. Assim surge a maioria das discussões. É simplesmente inaceitável, para um fanboy da Microsoft, que uma pessoa prefira o PlayStation 3 ao Xbox 360.
Um estudo publicado na segunda edição do 22º volume do Journal of Consumer Psychology afirma que os fanboys “confundem suas imagens com as das marcas que idolatram”. Ou seja, o fanboy de uma determinada empresa pode associar a si todos os elogios e críticas direcionadas a ela, bem como encarar as vitórias e derrotas da empresa como pessoais.
De fato, isso explicaria o motivo de tantos fanboys passarem horas discutindo em fóruns ou redes sociais sobre qual empresa é melhor ou pior. A internet, aliás, é uma grande aliada dessas discussões e serve como uma vitrine para o fanatismo de muita gente.
Os fanboys também são, geralmente, incapazes de perceber ou aceitar falhas nas empresas que admiram. Daí surgiu o termo “fanboy cego”: aquele que, além de não perceber que sua empresa favorita também erra, é capaz de iniciar discussões acaloradas se outra pessoa tocar no assunto. Por outro lado, essa mesma pessoa pode utilizar as falhas das empresas “adversárias” para justificar suas escolhas, um paradoxo notável nessa linha de raciocínio.
Fúria de fanboy ou crítica racional? |
Dessas discussões irracionais, nada positivo pôde ser extraído ao longo dos anos. O problema com fanboys na indústria dos videogames tem levantado discussões diversas e, entre elas, a ideia de que os fanboys vêm machucando-a como um todo. Um bom e recente exemplo é o anuncio da exclusividade do segundo título da série Bayonetta para o Wii U. As reações, em grande parte de fanboys, excederam os limites do respeito em diversas manifestações ofensivas em redes sociais, e expuseram os gamers como pessoas mimadas e imaturas. As justificativas eram das mais diversas e o resultado foi uma situação constrangedora para a Nintendo e para a Platinum Games. Até que ponto esse tipo de reação é saudável?
Reação justa ou exagero? |
Meu console, minha vida
É bem difícil definir quando uma pessoa passa de fã para fanboy. Muitos estudos indicam que o fanboyism é uma forma encontrada pelas pessoas para justificarem suas escolhas. Ao comprar um console, por exemplo, um consumidor leva em consideração diversos fatores, que podem ir desde a capacidade gráfica ao consumo de energia. Nesse ponto surge a insegurança. Como ter certeza que o console que comprei é o melhor do mercado? Muitas vezes o investimento é altíssimo e, seguindo essa linha de raciocínio, um consumidor deve defender o console escolhido com unhas e dentes para ter a sensação de que fez uma boa compra.
Entretanto, nem sempre os fanboys são frutos de escolhas inseguras. Em muitos casos a relação de amor nasce ainda na infância. Uma pessoa pode se tornar um fanático graças ao primeiro console e as boas lembranças extraídas dele.
Outros casos ainda envolvem a identificação, ocasionada pelo marketing. Um dono de Xbox 360, por exemplo, vê nas propagandas do console aquilo que ele quer ser. As diversas discussões a respeito da divisão dos jogadores entre casuais e hardcore fazem parte disso. Um jogador que se considera hardcore não pode associar-se a um console que se apresenta como casual.
Claro que, de certa forma, a pessoa está escolhendo a marca que mais se identifica ou que lhe traz melhores lembranças, porém, a escolha nesse caso não se dá em relação a qual produto é o melhor e sim qual deles melhor representa o consumidor.
Os fanboys de jogos ou desenvolvedoras costumam ser movidos pela identificação. A obsessão geralmente inicia como uma simples admiração, mas toma proporções gigantescas quando o fã se vê ameaçado por críticas negativas ou comparações que não o beneficiem.
Os fanboys de jogos ou desenvolvedoras costumam ser movidos pela identificação. A obsessão geralmente inicia como uma simples admiração, mas toma proporções gigantescas quando o fã se vê ameaçado por críticas negativas ou comparações que não o beneficiem.
E é nesse ponto que as escolhas pessoais assumem um valor bem mais importante. Desafiando a lógica, os fanboys tendem a acreditar que suas decisões são melhores ou mais sensatas que as decisões de outras pessoas. Um fanboy de uma empresa X costuma acreditar que ela existe para "salvar o mundo" das concorrentes, quando a realidade é bem menos dramática.
Para disseminarem a ideia de que o console X é o melhor do mundo, muitos fanboys iniciam verdadeiras peregrinações em sites, blogs ou fóruns de discussão. Identificá-los não é difícil: a regra diz que fanboys devem exaltar o console amado e execrar os consoles concorrentes, criando um verdadeiro caos ou aquilo que conhecemos pela expressão "console war".
A internet a serviço da fúria
Na internet há a ideia geral de impunidade. Uma terra sem lei onde todos podem falar o que querem. Cientes dessa ausência de regras, os fanboys aproveitam para ultrapassarem limites em suas discussões.
Nos anos 1990, por exemplo, as discussões costumavam acontecer com a presença física de todos os envolvidos. Por isso mesmo, elas ocorriam em tons mais amenos. Em tempos de internet, a coisa muda completamente de figura. Por não haver esse contato, a racionalidade rapidamente dá lugar às ofensas pessoais e o dialogo raramente chega a algum lugar.
Assim surgem diversas manifestações com o intuito de depreciar a opinião alheia e tentar impor a própria. É a sensação que algumas pessoas têm de que sempre estão certas, ou de que devem impedir os outros de realizarem compras erradas, mesmo quando isso está além dos direitos delas. Para os fanáticos, o ataque é a única defesa.
Por que precisamos ser fanboys?
Por mais que admirar uma empresa ou um jogo possa fazer parte da formação de nossa personalidade, a obsessão ou a admiração irracional não são características que agregam valores positivos e podem ser associadas, por alguns psicólogos, a certas patologias.
Os fanboys de videogames ainda não podem ser comparados às torcidas organizadas de futebol, que agem violentamente para defenderem seus "times do coração", mas não é tão difícil traçar um paralelo entre os dois grupos.
O que separa os fanboys dos fanáticos? |
Claro que, de certa forma, os fanboys servem para diversos propósitos, como movimentar o mercado, já que eles compram praticamente qualquer coisa lançada pela empresa preferida. No entanto, é necessário o mínimo de maturidade para se aproveitar o maravilhoso mundo dos videogames da melhor forma possível.
Os videogames foram feitos para a diversão. A partir do momento em que você deixa de lado o foco principal para se dedicar a rebater críticas negativas (as positivas são, no geral, ignoradas), tudo perde o sentido.
Não precisamos ser fanboys. Não preciso deixar de jogar um maravilhoso título da Sony só porque o Xbox 360 é o meu console favorito. Não preciso xingar aquela pessoa que não concorda comigo quando digo que The Legend of Zelda: Ocarina of Time é um grande jogo. Não preciso fingir que não gosto do Mario apenas porque o Sonic é o mascote que ganhou meu coração. Os videogames são bem mais do que uma guerra criada na cabeça das pessoas. As diferenças entre consoles, jogos e jogadores é o que movimenta essa indústria. A diversão e a diversidade de pensamento valem bem mais do que as brigas fúteis que não levam a lugar algum. Quem fecha a sua mente para adquirir uma falsa sensação de satisfação só tem a perder. E ninguém gosta de perder.
Revisão: Gabriel Toschi